Temas de Capa

Ameaça à segurança pública e à democracia canadiana obrigam governo a ativar Emergencies Act

milenio stadium - seguranca emergencies act

 

O Canadá tem andado nas bocas do mundo, mas não propriamente pelos melhores motivos. As manifestações em BC, Alberta, Manitoba, Quebec e Ontário, primeiro em Otava e depois em Windsor, fizeram manchetes em todo o mundo e até os EUA pediram ao governo federal para tomar medidas porque a situação estava a afetar o funcionamento da economia americana. As manifestações fazem reacender um antigo dilema democrático: direitos individuais vs direitos coletivos. Qual é afinal a fronteira que separa os dois e quando é que um deles se sobrepõe ao outro? A atuação do governo provincial e federal nos últimos dias responde à nossa questão e dá conta que as manifestações foram longe demais. Esta semana o governo federal foi muito claro e afirmou que o que começou por ser uma manifestação contra mandatos de vacinação e restrições de saúde pública é agora dominado por um grupo de indivíduos “bem organizados e financiados” com fortes ligações à extrema-direita que representam um perigo para a democracia canadiana e para as suas instituições.

Na passada sexta-feira (11), o Governo de Ontário declarou estado de emergência na província. O Premier Doug Ford disse que o bloqueio estava a impedir a circulação de bens, pessoas e serviços e pediu aos manifestantes para regressarem a casa. Com o estado de emergência o governo disse que as multas podiam ir até $100.000 e pena de prisão de um ano para aqueles que se recusassem a abandonar as manifestações. Outra das consequências seria a suspensão de licenças comerciais, avisou Ford.

No domingo (13) a Ambassador Bridge acabou por ser desimpedida pelos manifestantes e o trânsito voltou a reabrir naquela passagem transfronteiriça, mas em Otava a situação continuou a arrastar-se.
Na segunda-feira (14) o primeiro-ministro Justin Trudeau invocou o Emergencies Act para pôr fim a estas manifestações. Trudeau anunciou a decisão depois de consultar com os Premier’s, mas nem todos apoiaram a medida porque defenderam que a polícia já tinha poderes suficientes. Alberta, Saskatchewan, Manitoba e Quebec foram as províncias que se opuseram ao Emergencies Act.

A lei foi criada para substituir o War Measures Act em 1988 e dá poder ao primeiro-ministro para responder a vários cenários de emergência extrema, como é o caso da agitação civil que afeta a segurança pública.
Com o Emergencies Act, o governo pode tomar medidas especiais temporárias, desde que respeite a Canadian Charter of Rights and Freedoms. Esta é a primeira vez na história que um primeiro-ministro ativa esta lei.
Na segunda-feira (14) Otava informou que não existiam planos para enviar os militares para desmobilizar os civis e Trudeau afirmou que as medidas extraordinárias iam estar em vigor durante 30 dias e que caso fosse necessário podiam ser estendidas mais tempo.

Na declaração ao país o primeiro-ministro disse que as manifestações já não são pacíficas e sublinhou que cabe ao governo “proteger os canadianos, manter a ordem e o direito ao trabalho e restabelecer a confiança nas instituições”. O Emergencies Act dá à RCMP o poder extraordinário para aplicar leis municipais e provinciais.
Trudeau confirmou que algumas das pessoas que estavam a tentar entrar no país para participar nas manifestações foram impedidas de entrar em solo canadiano pelas autoridades de segurança e informou que as empresas afetadas pelos bloqueios vão poder candidatar-se aos subsídios federais de apoio à Covid-19.
A vice-primeira-ministra Chrystia Freeland reconheceu publicamente que “a confiança para investir no Canadá tremeu por causa dos bloqueios” e disse que os custos dos bloqueios eram reais. Segundo Freeland, “o bloqueio da Ambassador Bridge em Windsor afetou cerca de $390 milhões em comércio todos os dias. Esta ponte é responsável por 30% de todo o comércio por estrada que acontece entre o Canadá e os EUA, o nosso parceiro comercial mais importante”.

Mas Freeland disse que os prejuízos económicos não se ficaram por aqui. Em Alberta cerca de $48 milhões em comércio diário foram afetados pelos bloqueios e em Manitoba o prejuízo chegou aos $73 milhões. Numa alusão às negociações do NAFTA, a vice-primeira-ministra recordou que o país lutou muito para proteger as suas relações comerciais com os EUA e que por isso ia acabar com estes bloqueios ilegais.

O Emergencies Act vai expandir os poderes dos bancos e da agência de informação financeira do Canadá para monitorizar e conter o fluxo de fundos para os manifestantes que bloquearam o centro da cidade de Otava e Freeland confirmou que o governo está a alargar o âmbito das leis contra o branqueamento de capitais para permitir ao Centro de Análise de Transações Financeiras e Relatórios do Canadá (FINTRAC) monitorizar as transações através de plataformas de crowdfunding que escaparam ao seu escrutínio.

As contas dos bancos das empresas com camiões nas manifestações também podem agora ser congeladas sem que seja necessária nenhuma ordem de um tribunal e os seguros dos camiões vão poder ser suspensos.
O ministro da Justiça, David Lametti, adiantou que para o Emergencies Act ser ativado têm de se verificar três condições: a segurança nacional tem de estar em risco; a capacidade das províncias para atuarem tem de ser limitada e o problema não pode ser resolvido através de nenhuma das outras leis existentes.
O ministro da Segurança Pública, Marco Mendicino, disse que apesar do progresso em Windsor temos que ser cautelosos e revelou total confiança nas medidas anunciadas para restabelecer a segurança pública. “As autoridades concedidas ao abrigo da Lei de Emergência vão ajudar a pôr fim aos bloqueios ilegais e a cumprir a lei. São direcionados, medidos, temporários – e proporcionais às circunstâncias urgentes que o nosso país enfrenta. Estas autoridades fazem parte de uma abordagem responsável e escalável, e são inteiramente coerentes com a Carta. Continuaremos a apoiar a aplicação da lei a todos os níveis para assegurar as nossas fronteiras e infraestruturas críticas, salvaguardar a nossa economia e proteger a saúde e a segurança dos canadianos”, disse.

Mendicino revelou ainda que os EUA continuam a partilhar informação com o Canada Border Services Agency para que “o Canadá possa identificar quaisquer potenciais indivíduos que possam tentar atravessar a fronteira para fazer avançar bloqueios ilegais no Canadá”.

Para o ministro da Emergency Preparedness, Bill Blair, a polícia precisa de fazer o seu trabalho para proteger a segurança pública e o papel do governo é dar-lhes as ferramentas necessárias. “Este é um momento crítico para o nosso país. O Governo do Canadá está a tomar estas medidas extraordinárias para apoiar a aplicação da lei e acabar rapidamente com os bloqueios ilegais que ameaçam a segurança das nossas comunidades, das nossas infraestruturas, e das nossas fronteiras”, afirmou.

A RCMP anunciou na terça-feira (15) que prendeu cerca de 13 pessoas que estavam a bloquear um posto fronteiriço em Alberta. Os manifestantes tinham várias armas de fogo que foram apreendidas pelas autoridades de segurança pública.

Em Windsor, quando a Ambassador Bridge foi desimpedida, 42 pessoas foram presas e 32 veículos foram apreendidos. Em Surrey, BC o posto fronteiriço também foi reaberto, mas o governo não avançou quantas detenções foram realizadas.

A Canadian Civil Liberties Association disse na segunda-feira (14) que não acreditava que o governo tivesse atingido o limite para invocar o Emergencies Act e mostrou-se preocupada com a normalização da legislação de emergência porque diz ser “uma ameaça à nossa democracia e às nossas liberdades civis”.
Quando o governo faz uma declaração formal de emergência de ordem pública, a declaração é válida por um período máximo de 30 dias, mas o Parlamento tem de confirmar esta declaração e tem o poder de a revogar em qualquer altura, tal como o governo.

Joana Leal/MS

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER