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“O Canadá falhou na defesa de si próprio” – Robert Huish

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Quando a lei é atropelada, vandalizada, subvalorizada debaixo de olhares, mais ou menos, complacentes de quem tem por nobre missão proteger os cidadãos, garantir a segurança pública, fazendo cumprir a lei… o mais suave que podemos afirmar é que algo falhou. Nesta conversa com o Professor Dr. Robert Huish, especialista em International Development Studies, da Dalhousie University, tentamos entender que marcas deixa na sociedade canadiana este movimento de camionistas, que levou à invocação, pela primeira na história do Canadá, do Emergencies Act.

Procuramos saber que mensagens subliminares podem ter passado, que consequências políticas pode ter trazido ou mesmo até que ponto as forças que devem defender a lei e a ordem nas províncias e no estado federal ficaram mais enfraquecidas. Entre muitas outras declarações interessantes, Robert Huish afirma de forma muito clara que “o Canadá falhou na defesa de si próprio”.

 

milenio stadium - Robert Huish
Professor Dr. Robert Huish – International Development Studies – Dalhousie University. Créditos: DR.

Milénio Stadium: O Canadá tem vivido nas últimas semanas uma situação, o protesto de alguns camionistas contra a regra de vacinação obrigatória, que trouxe várias questões para cima da mesa. Como podemos avaliar a postura de todas as instituições que devem garantir a defesa e cumprimento da lei?
Dr. Robert Huish: O Canadá é uma democracia que valoriza, e até protege, o direito de protestar. O protesto é protegido pela carta dos direitos e liberdades, e muitos concordarão que o protesto civil organizado pode ser tremendamente eficaz para chamar a atenção para questões importantes, e mesmo para evocar a mudança.
Mas há um limite para o que é eficaz, e o que depois se torna perigoso e malicioso.
O protesto dos camionistas, se tivesse durado um dia, teria sido um protesto. Mas agora na sua terceira semana, esta é claramente uma ocupação ilegal e um desafio aos nossos padrões democráticos.
O governo federal deveria ter reconhecido a ameaça de segurança desta situação há semanas atrás e ter parado o protesto. Até a oposição conservadora não percebeu o alcance do que se estava a passar e demitiu o seu líder Erin O’Toole. Escusado será dizer que tem havido algumas más decisões de todos os lados.

MS: À polícia compete fazer cumprir a lei… e bloquear fronteiras, por exemplo, como é óbvio, não é legal. Porque foi preciso declarar Estado de Emergência no Ontário para a polícia começar a agir?
RH: A polícia tem um grande historial e conhecimento quando se trata de lidar com protestos. No entanto, olhando cuidadosamente, vemos que o tratamento da ocupação de pontes é muito diferente do tratamento de protestos anti-comércio livre em 2010, protestos estudantis em Quebec em 2014, e até mesmo bloqueios gerados pelos elementos das First Nations em todo o país. Porque é que isto acontece? Tudo se resume ao nível de força que é necessária para resolver o evento. Se houver preocupação de que os manifestantes estejam armados e preparados para lutar contra a polícia, então a situação poderá ser arrastada – como estamos a ver agora.
Mas uma medida de emergência permite que se ponham em jogo muitos poderes diferentes. Esta Lei de Emergências suspende a Carta de Direitos, nomeadamente o direito de reunião livre, no interesse da segurança pública. Assim, agora a polícia não pode ser desafiada com argumentos de que o bloqueio de pontes é uma forma de liberdade de expressão. Também permite alterações a outras políticas. E se o primeiro-ministro quiser aprovar leis que determinam que qualquer camionista presente nas zonas de bloqueio está agora em risco de perder a sua carta de condução? Isso pode ser feito. Apreensão de veículos? Claro. Isso também pode acontecer agora com estas medidas.

MS: Podemos concluir que o respeito pela vontade das minorias e o receio de acusações de uso excessivo de força, condicionaram a posição do governo federal e dos diversos governos provinciais?
RH: Se bem entendi esta pergunta, a questão é se o governo está preocupado com a possibilidade de ser acusado de uso de força excessiva? Sim. Isso é uma preocupação se os tribunais concordarem que o bloqueio foi uma expressão essencial da democracia. Contudo, há muitas formas de expressar a sua desaprovação das políticas numa democracia, em vez de bloquear pontes. Creio que os nossos políticos federais não souberam lidar com esta crise e estavam preocupados com a forma como ela iria mudar o sentido de voto dos eleitores.
Este tipo de hesitação não foi útil. Os nossos políticos deveriam ter visto a ameaça real deste movimento. Trata-se de uma ocupação ilegal que se propôs desafiar a própria natureza da democracia e do bem público no Canadá. Nenhum tribunal jamais considerará justificadas essas ações.

MS: Acha que o poder político devia ter atuado mais cedo para dar suporte à ação da polícia no terreno?
RH: Absolutamente. Após o primeiro dia de ocupação, foi um erro não tomar medidas. No caso de protestos que se transformam em preocupações de segurança, o governo deve responder para proteger o bem público.

MS: Sente que a imagem da polícia e o respeito que lhe é devido podem ter ficado afetados com esta situação?
RH: Eu acho que os canadianos têm sido presunçosos em pensar que políticas extremas como as que vimos nos EUA sob o comando de Donald Trump nunca aconteceriam aqui. É melhor pensarem de novo. Este é um movimento global decidido a derrubar as nossas estruturas democráticas. É preocupante que as pessoas sintam que tais movimentos falam com elas e por elas. É um sério risco para a democracia.

MS: Que mensagem se passou à sociedade, com toda esta situação? Podemos correr o risco de ter passado a ideia de que no Canadá se pode desrespeitar a lei, as instituições, os governos e a própria polícia?
RH: Sim, penso que a mensagem que daí resulta é que o Canadá falhou na defesa de si próprio. Quando uma multidão desafia diretamente o governo, na sua própria cara, temos uma grave crise democrática. Não há dúvida de que muitas pessoas estão afetadas e frustradas com as medidas tomadas durante a pandemia. A política pública precisa de responder às suas necessidades e ouvir as suas exigências. Mas não desta forma. Não pondo em perigo a segurança pública e perturbando a sociedade civil por causa da raiva.

MS: Como avalia a postura do maior partido de oposição nesta matéria?
RH: Eles fizeram asneira. Foi um grande risco juntarem-se à arruaça desta maneira e destituirem o seu líder. Estas pessoas que buzinam diante do Parlamento são as que podem eleger líderes conservadores, mas não são elas que elegem os primeiros-ministros. Para os conservadores, apoiar este protesto é um enorme erro. Posso antever o partido a dividir-se por causa disto.

MS: No seu entender, Trudeau e Ford saíram fragilizados de tudo isto?
RH: Creio que ambos os líderes tomaram a sua quota-parte de pancadas durante a pandemia. Mas os canadianos querem ver um fim às dificuldades que a pandemia trouxe. E nós chegamos a esse fim através de processos de bom governo e democracia. Não podemos deixar que os valentões e as multidões falem por nós. Nem que difamem a nossa bandeira nacional, os símbolos, e os valores que ela representa. O Sr. Ford e o Sr. Trudeau não estão a enfrentar adversários políticos bem fundamentados. Enfrentam rufias. Os canadianos querem que os seus líderes políticos não receiem quem promove a desordem pública, mas sim que os enfrentem.

Catarina Balça/MS

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