Vítor M. Silva

O 25 de Abril segundo o meu Pai

 

Os meus valores de Abril foram-me totalmente passados pelo meu Pai. Valores muito sólidos como a liberdade e muitas das garantias cívicas, direitos sociais universais no acesso à educação, ao serviço nacional de saúde geral e, tendencialmente, gratuito e a uma segurança social pública; mas, também o direito à habitação, a políticas que conduzam ao pleno emprego, ao trabalho com direitos e garantias, a salários e pensões dignos, a uma velhice com dignidade e qualidade de vida; eliminação dos latifúndios; combate efetivo à corrupção e especulação.
O meu Pai sempre contava que, um dia, a PIDE veio à nossa aldeia transmontana prender um vizinho só porque estava a ouvir rádio. Contava também que uma banda filarmónica chegou de manhã a uma aldeia do distrito de Vila Real simplesmente para tocar e todos fugiram para dentro de suas casas, vendo-os fardados pensavam tratar-se da GNR e todos tinham medo.

O meu Pai ensinou-me que era possível viver num mundo sem medos e eu acredito muito nessa perspetiva.
O meu Pai também contava que as pessoas tinham medo de ser torturadas com um pingo de água a cair na cabeça durante horas, sendo-lhe retiradas as unhas uma a uma e outras formas macabras que os agentes da PIDE, quais inquisidores do demónio, praticavam a seu bel-prazer. Todo este sentimento de luta pelo livre-arbítrio aprendi do meu Pai, como os valores sociais, democratas e progressistas que posso defender e semear livremente graças à Revolução dos Cravos.

O meu Pai abominava os fascistas e passou esse sentimento para mim e eu repugno-os também, ainda com mais força. O meu pai ensinou-me a valorizar a defesa da qualidade de vida de famílias e trabalhadores, dos direitos dos jovens e de todos, independentemente da sua origem étnica e identidade de género. O meu pai ensinou-me a respeitar e valorizar as Mulheres.

Esta Liberdade e Democracia encontram-se ameaçadas pelo populismo e pela extrema-direita xenófoba e neofascista, que cavalga oportunisticamente em tudo o que é contestação social, mesmo nos movimentos sindicais antes muito influenciados pela esquerda (polícias e professores), corrupção e escândalos.
Passados estes 50 anos volta a ser necessário lembrar os ensinamentos que o meu Pai me deu. Voltar a lembrar a cada dia os valores e as preocupações onde desaguou aquela madrugada de Abril, mantendo bem acesa a chama do 25 de abril de 1974.

O meu pai morreu em outubro de 2023, já não assistiu a este retrocesso civilizacional que foi um partido de extrema-direita, fascista, ter 50 deputados na casa da democracia, que vergonha.
Obrigado, Pai, pelo que me ensinaste, pelos valores da Democracia e da Liberdade. A Liberdade saiu à rua, deixem-na passar.

“Ocupação das instalações da Pide. Enquanto, juntamente com outros veteranos da oposição ao fascismo, presenciava a fúria de alguns exaltados que reclamavam a chacina dos agentes, acossados lá dentro, e lhes destruíam as viaturas, ia pensando no facto curioso de as vinganças raras vezes serem exercidas pelas efetivas vítimas da repressão. Há nelas um pudor que as não deixa macular o sofrimento. São os outros, os que não sofreram, que se excedem, como se estivessem de má consciência e quisessem alardear um desespero que jamais sentiram.”
Coimbra, 27 de Abril de 1974 – Miguel Torga

 

Vítor M. Silva/MS

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER