Aida Batista

Hora Di Bai

 

 

milenio stadium - hora

 

 

A terra mudou, mas eu só mudei de lugar fisicamente,
continuo lá, o mesmo de sempre.

Tony Tcheca, in “Quando os cravos vermelhos cruzaram o Geba”

 

 

Estou de regresso a terra-branku (Portugal), cumprida que foi mais uma missão.

O avião desliza entre as nuvens brancas que, em novelões, se assemelham ao algodão doce das feiras da minha “meninesa” (infância). Sem turbulência, segue a rota pré-estabelecida pelo comandante. O silêncio dentro do seu bojo convida à sesta. Fecho os olhos, mas não dormito. Como diria uma das personagens de um conto de Tony Tcheca, o senhor Epuíno, “Este álbum fala, e fala muito, e empurra-me para a palavra”. E o álbum que agora mentalmente folheio arranca-me palavras saídas da experiência de mais um mês de voluntariado, vincadamente marcado pela véspera da partida.

Pese embora a solenidade da cerimónia, depressa se passou à informalidade, assim que os discursos e as palavras de circunstância foram dados por terminados, dando lugar à entrega dos certificados comprovativos da formação de docentes e pessoal administrativo da Universidade Amílcar Cabral, em Bissau. Assim que a mesma se iniciou, tanto o representante do reitor, Doutor Samuel Viera, como os formandos, pouco a pouco foram quebrando o gelo. Ora, porque a ordem de chamada, sem que ninguém o tivesse previsto, privilegiava as “mininas”; ou porque havia referências muito pessoais a certas caraterísticas de determinados formandos; ou porque alguma boca, que aqui e ali se ia ouvindo, continha mensagens que só os participantes conseguiam descodificar; ou porque certas palavras funcionavam como senhas que nos lembravam episódios ocorridos nas aulas, fazendo soltar a gargalhada fácil e espontânea, mas incompreendida pelos demais; ou porque os abraços efusivos (uns de saudação, outros de despedida) comoviam os mais sensíveis e faziam humedecer olhares de saudades, antes ainda de tudo terminado; ou porque uma piada mais direta fazia recordar momentos partilhados na reserva da intimidade de certas conversas. No fundo, tudo serviu para dessacralizar registos, que se desejam descontraídos e alegres, a que não ficaram alheios os representantes das entidades parceiras do projeto: Universidade Amílcar Cabral e Instituto Camões.

“Na hora di bai” (na hora de ir), não vai apenas a professora, a formadora, a voluntária. Com ela vão também os momentos vividos na terra que deixa: os de trabalho e os de “djumbai” (convívio), quando a sala de aula se soltava das quatro paredes para celebrar uma amizade nascida em tão pouco tempo. Ela cria raízes, com a mesma facilidade com que um frágil pé de mangueira ou de cajueiro se torna árvore grande e frondosa.

Este foi mês de mangas e cajus, a disputarem o colorido das árvores que, além do verde que lhes forma a copa, ganham uma nova paleta de cores que vão do amarelo ao vermelho, sem, no entanto, deixar de passar por uma enorme variedade de tons laranja. Mas os meses não têm apenas cor e cheiros. Este deveria ter sido o do início das chuvas que tardam em cair. Estão atrasadas, dizem os mais velhos, que se habituaram a ler o tempo no quadro dos céus, onde estão todos os sinais da meteorologia aprendida ao longo da vida. Um dia, e apenas um, permitiu que alguns pingos deixassem as nuvens, mas não o suficiente para que o cheiro intenso a terra molhada se soltasse das entranhas da terra. Continua seca e vermelha, ávida de água que lhe encha o ventre para, grávida de esperanças, parir o sustento dos filhos que dela dependem.

Esses não desistem da luta diária, seguindo a máxima decalcada numa das nossas, mas dita e repetida em crioulo “Djunta mon e pintcha pa diante”, que mais não é do que um apelo a que se unam e sigam para diante. Como nós diríamos “pr’á frente é que é o caminho! O deles e o nosso.

Aida Batista/MS

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