Portugal

Dez mil cravos das mãos de quem viveu a revolução enfeitam Cerveira

Iniciativa envolveu cerca de 200 séniores de instituições locais
Foto: Rui Manuel Fonseca / Global Imagens

A iniciativa do município envolveu cerca de 200 séniores de instituições locais, que dedicaram os últimos tempos a fazer as flores em feltro. Os cravos resistentes ao sol, à chuva e ao vento anunciam agora os 50 anos do dia da liberdade, nas varandas e janelas da autarquia, transformando Cerveira na “vila dos cravos”. 

Arminda, de 84 anos, Isabel de 89, Maria Suzete de 86 e Emília de 78 sentaram-se as quatro num banco público em frente à sede do município, a observar a obra que também lhes saiu das mãos.

Emília tenta cantar “Grândola, Vila Morena”, mas a letra está um pouco esquecida. E as amigas também já pouco se recordam. Mas memórias do tempo da revolução, essas, ainda permanecem vivas.

“Lembro-me bem de dizerem que em Lisboa andavam para lá a prender e a fugir. Não vi, mas ouvi. Trabalhava lá num restaurante e ouvia o altifalante. Não deixavam as pessoas andar fora”, descreveu Emília, de cravo preso entre as mãos.

Noutro banco com vista para a instalação de cravos vermelhos na fachada da câmara, sentada ao lado do nonagenário Luis e octogenário Carlos, outros artesãos das flores que simbolizam abril, Ana Ilda, de 95 anos, também confessa alguns lapsos de memória devido à idade. Mas ainda se lembra como recebeu a notícia da revolução.

Arminda, Isabel, Maria Suzete e Emília
Foto: Rui Manuel Fonseca / Global Imagens

“Estava em Espanha. Tinha ido fazer as compras. Tinha tirado passaporte, ainda quando era proibido para Espanha e França, e ia sempre lá às compras. E por acaso a mercearia onde estava tinha o rádio ligado e surge aquela notícia que a gente ficou assim, sei lá (risos)”, contou a nonagenária, lembrando ainda que no regresso a Portugal “não estava ninguém na alfândega, e os PIDEs estavam um em cada esquina, murchinhos [cabisbaixos]”.

“Até ali implicavam com coisas que não tinham importância nenhuma. Eram mal educados, não tinham maneiras com a gente. Eram PIDEs. Tinha muita queixa deles e quando os vi assim, não tive pena nenhuma”, recorda Ana Ilda, que ainda tem presente também “a alegria” que se vivia em Lisboa. “A gente também se sentia feliz. Estávamos cá na aldeia e pouco sabia, mas a gente via aquelas pessoas tão felizes e ouvia o que eles diziam, e ia ficando feliz também”, descreve, considerando, contudo, que passado meio século daquela época, “o povo não soube gozar a liberdade”. “Tomou-se liberdade a mais. Foi a mais. Foi um bocadinho além. O mundo hoje está estragado”, afirma.

A iniciativa desenvolvida em Cerveira celebra o 50º aniversário do 25 de Abril e além dos cerca de dez mil cravos em feltro ostentados nas varandas dos Paços do Concelho, soma ainda mais 50 cravos espalhados pelas ruas do centro histórico. O município deu-lhe o nome de “Eco de Cravos”.

“Eles [quem fez os cravos] querem que isto se propague no tempo e que seja partilhado com os mais jovens. É a forma deles ecoarem uma mensagem para os mais jovens”, explicou a vice-presidente da câmara de Vila Nova de Cerveira, Carla Segadães. A autarca revela que a ideia foi inspirada “nas varandas famosas de Barcelona”.

“Desafiamos todas as IPSS’s e a Universidade Sénior, que de imediato acolheram a ideia. Foi fantástico ver a receção que tiveram e começamos a trabalhar. Dez mil cravos foi a média que consideramos ser a necessidade e eles trabalharam imenso”, conta, referindo que o projeto foi “concluído num curto espaço de tempo”. “Os nossos séniores fizeram isto com um gosto, uma alegria e sobretudo com um sentimento de cumprir um dever para com o 25 de Abril e os seus 50 anos”, destacou.

JN/MS

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