Aida Batista

Viver depressa

 

 

 

 

As tartarugas conhecem as estradas melhor do que os coelhos.
As tartarugas conhecem as estradas melhor do que os coelhos.

 

Há já algum tempo que me sinto assolada por um turbilhão de afazeres que me deixam pouco tempo livre. No início de cada ano, prometo mudar de vida, ou seja, não me envolver em tantas iniciativas e manter apenas os compromissos com os quais não posso nem devo romper. A verdade é que, apesar destas sucessivas promessas, ainda não as consegui cumprir. Converso com amigos, igualmente aposentados, que se queixam do mesmo. Chegam a afirmar que têm agora os dias mais ocupados do que quando estavam no ativo.

Excluindo os avós “taxistas”, que passam os dias a ir levar e buscar os netos à escola e demais atividades extra- curriculares, outros estão inscritos em cursos presenciais ou on-line, escrevem com regularidade, desenham, pintam, vão ao ginásio, frequentam universidades seniores, participam em visitas culturais organizadas, vão em grupo a espetáculos de teatro e ao cinema, organizam tertúlias, enfim, respondem a um sem número de atividades para as quais são diariamente solicitados, a que ainda podemos acrescentar o voluntariado. Em suma, têm a sua agenda e vida próprias. Quem sempre foi ativo, envelhece ativamente, porque não sabe fazê-lo de outra forma. Podemos concluir que é uma boa atitude já que, após uma vida de trabalho, ao recusarem as pantufas, deixam de ser um peso para a sociedade, continuando a desenvolver um capital de saberes à sua disposição. São pessoas para quem a palavra tédio nunca fará parte do seu campo lexical.

Voltando ao meu caso, e à dificuldade que tenho em gerir o tempo de uma vida assoberbada de eventos, tencionava uma destas semanas escrever uma crónica sobre o assunto. Eis senão, quando, no passado sábado (dia 6), me confrontei com um artigo de Bernardo Mendonça «Trabalhar demais, viver à pressa, morrer depressa», no Expresso, que não podia ser mais claro em relação a este tema, apesar de se aplicar aos que ainda fazem parte do mercado de trabalho. Por isso, lhe roubo parte do título e tomo a liberdade de reproduzir alguns excertos em que muitos de nós se sentem retratados.

“(…) a ideia de trabalharmos demais, e termos pouco tempo para viver, é cada vez mais banal. Mas não por isso desejável, nem normal. Recordo aqui a famosa frase do filósofo Agostinho da Silva, que contraria a ideia de que é o trabalho que dignifica o ser humano: «O Homem não nasce para trabalhar, nasce para criar, para ser o tal poeta à solta.»

A cultura em que vivemos ainda penaliza e desconfia de quem se queixa de trabalho a mais, ainda premeia quem está sempre disponível e produz fora de horas, e não há ainda uma real consciência das chefias para as consequências do stress e da pressão permanente no emprego. Há décadas, numa palestra sobre «Aceleração e Depressão», a psicanalista e poeta brasileira Maria Rita Kehl, discursou sobre o problema do tempo acelerado e do trabalho em doses cavalares.

A autora do livro «O Tempo e o Cão – A Atualidade das Depressões», vencedora do «Prémio Jabuti», livro do ano em 2010, recordou ainda uma frase de um paciente seu que resume na perfeição o estado de alma de tanta gente, sempre a correr, como se vivesse a bordo de um comboio veloz, descarrilado, com destino para lado nenhum. Ou, talvez para a morte:

«Dá impressão que vivo assim – vamos andar depressa com isso para acabar depressa, para ir para casa depressa e dormir depressa, para acordar depressa, para começar a trabalhar depressa, para viver depressa e morrer depressa.»

Não temos tempo para nos coçar, para estar com a família, para o lazer, para namorar, criar, sonhar, viver.”
Para concluir, direi que é tempo de fazermos a escolha entre sermos tartarugas ou coelhos, para podermos desfrutar de todas as estradas que a vida nos oferece.

Aida Batista/MS

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