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Histórias de amor e fé

O casamento é um dos passos mais importantes que um casal que se ama decide tomar.  A ideia de compartilhar as vidas e construir uma em comum ainda habita os sonhos e é desejada por muitas pessoas ao redor do mundo. Para que essas uniões deem certo não existe receita, porém alguns ingredientes acabam sendo comuns nos casamentos mais duradouros. O amor, respeito, parceria e sintonia de ideias costumam ser citados como elementos importantes para o êxito de uma união. Porém, todos sabemos que o amor não obedece a regras e nem segue caminhos seguros. Mas até que ponto ele consegue superar obstáculos como diferentes crenças religiosas, costumes e culturas, e ainda assim, prevalecer?

Nessa edição vamos contar duas histórias com enredos e desfechos opostos, mas com alguns elementos em comum: mulheres brasileiras, imigrantes no Canadá e que aqui se apaixonaram e casaram com homens de diferentes etnias e religiões, e o impacto que isso teve na vida delas.

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Escritora e Coach Helen Dantas. Crédito DR.

“Eu estava cega por amor”. Quem faz a afirmação é Helen Dantas, hoje escritora e palestrante. Uma mulher muito mais madura e bem diferente daquela que chegou no país, no final da década de 80, e se apaixonou perdidamente por um imigrante muçulmano, com o qual acabou por se casar, e por causa disso teve que abrir mão de crenças e costumes da vida que conhecia. Hoje, ela consegue ver com clareza que aquele relacionamento, apesar do sentimento genuíno envolvido, dificilmente sobreviveria. Ele, muçulmano nascido no Oriente Médio, e ela uma brasileira católica. Dois mundos completamente distintos.

A história desse casamento interétnico e religioso começa quando Helen chega a uma cidade canadense com a intenção de aperfeiçoar o inglês e abrir uma escola de idiomas na sua terra natal. Aqui conheceu o ex-marido. A paixão foi fulminante.  Foi uma questão de meses para que o namoro evoluísse para o casamento civil: “Olhando para trás, vejo que tomamos essa decisão tão rápido, porque sabíamos que tanto a minha família, quanto a dele seriam contra”.

Apesar do amor entre os dois, a cultura da família do marido interferiu de tal forma que Helen teve que se converter, e casou-se também no religioso, numa cerimônia tipicamente muçulmana. Apesar disso, a

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Disponível na Amazon.ca

escritora e palestrante confidencia que em seu coração permaneciam os valores católicos, ainda que não pudessem ser praticados. Ela conta que o marido não exigia que ela praticasse a religião dele, mas diz que era constantemente julgada por não se comportar como uma “verdadeira muçulmana”. O sofrimento se acentuava aos domingos pela manhã, quando a brasileira via as famílias indo à missa, hábito comum na igreja católica, e que ela não podia praticar. Exercia a fé de maneira individual e secreta, rezando a Deus todas as noites.

Da união de 23 anos o casal teve duas filhas, que hoje são maiores de idade. Sem o direito de ensinar a religião católica às filhas, também preferiu que elas não seguissem por obrigação a do pai. A brasileira conta que conseguiu dar a oportunidade para que elas fossem livres para exercerem a fé da maneira que quisessem.

Com o passar dos anos, a sensação de se sentir “prisioneira” da própria vida só aumentava. “Independente de qual for o relacionamento inter-racial ou inter-religioso, o amor não sobreviverá se temos que apagar os nossos valores, crenças, culturas e passado”, avalia a escritora e palestrante, que julga que o abismo cultural entre ela e o marido só se acentuava com o tempo: “O casamento me fez perder a essência da minha personalidade, mas quando tive a coragem de aceitar os meus erros, procurar soluções e pensar no futuro, consegui a minha liberdade de volta. Não podemos mudar o nosso passado, mas sim a trajetória do nosso futuro, e foi o que eu fiz. Se não tivesse tomado uma atitude, com certeza estaria infeliz, ainda submissa e casada.”

A decisão pela separação não foi fácil e partiu de Helen. O processo de divórcio chegou ao fim em 2013. A ideia de escrever um livro sobre a própria vida e contar os detalhes da sua história, foi uma forma de catarse, como ela mesma explica. Também existia a vontade de que as filhas, e outras mulheres mundo afora, pudessem aprender com sua história e principalmente não abrir mão de sua essência em prol de um relacionamento. O livro “Encontro com a verdade”, em inglês recebeu o título de “Unveiling the truth”, e as duas versões estão à venda na Amazon e também disponíveis nas bibliotecas públicas canadenses.

Ela decidiu reescrever a própria história, garantindo que dessa vez não iria entregar o controle de sua vida nas mãos de ninguém. “Todo mundo erra, eu errei por tomar decisões precipitadas e esconder de todos a minha angústia, mas criei forças e lutei para ter de volta a minha liberdade. Hoje, eu posso dizer, eu sou uma mulher livre e feliz!”

Mas se por um lado o casamento de Helen não acabou com o típico final feliz, Bruna Sanches contou-nos uma história diferente.

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Daniel (esq.), Chen Harpaz, Bruna Sanches-Harpaz e Samuel (dir.). Crédito: DR.

 

Para a fotógrafa brasileira de 31 anos, que mora no Canadá desde os oito anos de idade, as diferenças de crenças e cultura entre ela e o marido não foram empecilho, mas sim, fortaleceram a união.

Ela é cristã, e o marido, o empresário Chen Harpaz, de 39 anos, israelense de família judia. O casal se conheceu quando Chen visitava familiares em Toronto. Um primo dele, amigo de Bruna, foi quem os apresentou. A partir daí, os caminhos dos dois se cruzaram e desde então trilham a mesma direção. Chen não voltou mais para Israel, e depois de um ano e meio eles decidiram se casar e permanecem juntos desde então. Entre eles a religião nunca foi um ponto de discórdia ou tensão: “Nós temos nossa crença, mas não somos radicais. Adaptamos certas tradições a nossa maneira de ser ao que melhor nos convém”, conta Bruna. Nenhum dos dois segue com rigor os preceitos difundidos pelas doutrinas cristãs ou judias.

O casal, hoje com dois filhos, um de sete e outro de três anos, faz questão apresentar e introduzir as crianças aos rituais das duas religiões. A “fusão” deu certo e é bem administrada pelas famílias. Da mesma forma que celebram o Hanukkah e acendem velas e jantam em família na sexta-feira à noite no Shabat, típicas festividades judaicas, comemoram o Natal e a Páscoa, datas cristãs, entre outros feriados. Bruna diz que admira muitos aspectos da religião judaica, portanto não se opôs quando o marido decidiu que os dois filhos seriam circuncisados. Os meninos, no entanto, não são oficialmente considerados nem judeus nem cristãos. “Nós não tivemos uma conversa formal sobre esse assunto, foi tudo muito natural. Decidimos que queríamos que nossos filhos vivenciassem o que as duas religiões proporcionam, e mais tarde podem optar…Claro que o fato de não sermos religiosos fervorosos, facilitou a adaptação das diferentes tradições e culturas religiosas”.

Mas Bruna concorda que a convivência harmônica entre casais de diferentes religiões nem sempre se dá de forma tão tranquila, e sabe disse porque já vivenciou outra relação inter-religiosa, onde haviam mais regras.  

Esses são exemplos que nos mostram que a religião pode tanto unir quanto separar um casal. A fé e os valores de cada pessoa são muito particulares, e para que a relação tenha sucesso e necessário que haja respeito e liberdade de escolha entre os parceiros, para que ambos se sintam realizados.

Lizandra Ongaratto/MS

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