Aida Batista

Um pirilampo na escuridão da noite

milenio stadium - pirilampo- Firefly on leaf

 

Os pirilampos são animais sábios que usam o escuro para se acenderem. Ditado popular angolano

 

 

“A família herda-se e os amigos escolhem-se” é uma das frases mais estafadas que todos nós já ouvimos. À exceção dos filhos únicos e dos primogénitos, nascemos irmãos de alguém, mas não escolhemos ser irmãos “de”. A linhagem do sangue é-nos imposta por via da árvore genealógica a que pertencemos.

À minha primogenitura foram acrescentados muitos irmãos, mas, ao longo da minha vida, fui colecionando muitas amizades. Daquelas a quem se confia uma parte da nossa reserva de intimidade, mas também a quem servimos de confidentes, sempre que um ombro aprende a saber ouvir. Daquelas que não precisam de marcar uma presença assídua, porque, por mais longo que seja o silêncio, o momento do reencontro é selado com um abraço que carimba dois sorrisos de alegria. A conversa nasce de parto natural, anunciando novas como se a despedida tivesse sido na véspera.

No meu caso, e apenas porque as vidas se bifurcaram por geografias que não voltaram a encontrar-se, não mantive a maior parte dos meus amigos de infância e juventude. Alguns, com quem me mantive mais próxima, já partiram deixando-me o vazio de uma orfandade que os outros não preencheram. No entanto, ao longo do meu percurso pessoal e profissional, que já vai longo, fui fazendo novas amizades em todos os lugares por onde passei. E não precisei de as procurar, porque foi a vida que se encarregou de as colocar no meu caminho. Como muitas delas nasceram fora do país, a argamassa que as cimenta tornou-as bem mais sólidas.

Tenho sido, por isso, uma privilegiada, e a mais recente experiência vem mais uma vez comprová-lo. Na primeira missão de voluntariado, parti para Bissau com um colega, também ele voluntário da SMV (Ser Mais Valia), com quem apenas havia trocado breves frases em reuniões de trabalho por Zoom, desde que os nossos escritórios se mudaram para os ecrãs dos computadores. Depois, e ainda por motivos meramente profissionais, trocámos e-mails e dois ou três telefonemas para conversarmos sobre o material que ele, como formador, me havia enviado.
O encontro cara a cara apenas aconteceu no aeroporto e já na sala de embarque. Embora se fale sempre de amor à primeira vista, eu diria que também uma amizade, quando se estabelece a química de empatia, pode nascer do primeiro olhar. Já instalados na Guiné-Bissau, e, apesar de não vivermos no mesmo prédio e darmos aulas em períodos alternados (ele de manhã e eu à tarde), encontrámo-nos todos os dias, fins de semana incluídos.

Veterano em missões na Guiné-Bissau, foi ele quem me iniciou na cartografia do país. Foi com ele que mapeei as rasgadas avenidas de Bissau, onde desembocavam as transversais de terra batida, na companhia da sua Cecília, que, apesar de ausente, tantas vezes foi lembrada nas nossas conversas. Foi com ele que aprendi os nomes de alguns produtos locais em crioulo e até a elaborar pequenas frases. Foi com ele que dei muitas gargalhadas a propósito das mais variadas situações, algumas delas tornadas públicas por via das redes sociais. Poderia continuar a lista, mas quero destacar uma experiência por lhe ficar para sempre ligada.

Numa das noites, em que, após a caminhada habitual, me acompanhava a casa, chamou-me a atenção para uma luz que piscava num dos canteiros de relva da entrada do prédio: Olha um pirilampo!

Sabia que uma das caraterísticas deste inseto era emitir uma luz fosforescente na escuridão da noite, mas foi a primeira vez que a vi. Naquele momento, o pirilampo passou a ser a metáfora da minha experiência, porque, tal como os pirilampos, os voluntários acendem sempre uma luz de esperança, por mais negras que sejam as situações com que são confrontados.

Aida Batista/MS

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