Artesonora

Paulo Coelho “Do Acaso à História: a contribuição de Paulo Coelho para a Revolução dos Cravos”

 

 

“Paulo Coelho, mesmo sem o saber, anunciou a música que seria a senha de confirmação do golpe de estado, que marcou o início das operações militares que resultaram na instauração da liberdade em Portugal. ‘Grândola, Vila Morena’, de José Afonso, ficou assim ligada à Revolução dos Cravos, tornando-se um símbolo da Liberdade.”
Paulo Coelho partilha alguns pormenores desse momento histórico que mudou Portugal Grândola, Vila Morena, terra da Fraternidade. Paulo Coelho. Mesmo sem o saber, anunciou a música que seria a senha de confirmação do golpe de Estado que marcou o início das operações militares que resultaram na instauração da liberdade em Portugal. Grândola, Vila Morena, de José Afonso, ficou assim ligada à Revolução dos Cravos, tornando-se um símbolo da liberdade.

Paulo Coelho. Esta é uma oportunidade única de falarmos com alguém que viveu um momento histórico de Portugal. A rádio comandou esta revolução?
Não a rádio, não comandou. Foi através da rádio que esta revolução se fez manifestar.E podia ter sido ali, como podia ter sido noutro sítio qualquer. A rádio foi escolhida por mero acaso, não houve assim uma intenção de dizer é a rádio que vai originar isto tudo. Não foi verdade.

Naquela noite, o futuro começou?
Sim, de facto, bem ou mal, naquela noite tudo mudou. O futuro começou titubeante, apesar de tudo. E hoje em dia nós apercebemo-nos disso, porque ainda há tanta coisa a mudar, tanta coisa a construir. Mas de facto, foi naquela noite que se deu o pontapé de saída.

Todos nós já sabemos como é que foi o seu envolvimento na transmissão da senha, mas queremos saber na primeira pessoa?
Bem, o meu envolvimento foi quase pequenino. Eu não sabia o que se estava a passar. Pediram-me para pôr o Grândola à meia noite e 20 e foi o que acabou por acontecer. Houve ali um pequeno episódio em que eu me atrasei…mas pronto, tudo bem. Saiu à meia noite e 20- eu não sabia o que se estava a passar. Só vim a saber já eram quase 04h00 quando houve um telefonema para lá de alguém da censura, do SNI a acusar que estava uma revolução na rua e eu não sabia o que é que se passava, mas sabia de antemão que a senha tinha saído da Rádio Renascença à meia noite e 20. Aí foi quando eu me senti um bocado para o entalado.

Antes da senha sair, havia alguma sensação e expectativa? O senhor olhou para os seus colegas e sentiu que eles estavam nervosos? Com uma expectativa alta. Como é que sentiu isso?
Não, eu só senti que eles estavam nervosos quando eu me atrasei a ler a publicidade. E aí eles bracejavam atrás do vidro e eu não percebia bem porquê. Fechei o microfone e perguntei o que é que se passava. «Mete isso no ar»- diziam eles. Pronto, está bem. Ok, eu meti isso no ar e depois, mais tarde, quando eu os chamei a atenção disso, eles esquivam se e disseram “Epá, tivemos a jantar, houveram umas miúdas, houve uns copos e tal e não sei quê.” Pronto, eu engoli aquilo. No entanto, no dia seguinte, quando as coisas já estavam todas abertas, eu perguntei a eles:- `Olha lá, mas então porque é que vocês insistiram em pôr- me ali? Podiam me ter dito alguma coisa? Ou simplesmente podiam-me ter tirado e colocado outro, o Leite Vasconcelos, no fundo foi aquele que leu a senha- “e a resposta foi-”Epá, nestas alturas alguém há de ser sacrificado.” Eu não gostei muito disso, mas de qualquer maneira tudo bem… passou.

Se Manuel Tomás não tivesse dado um safanão no técnico, não havia nada?
Não deu, não deu. É mentira do Manuel Tomás. É ele a pôr se de bicos de pés. É ele a tentar fazer com que o ego funcione, para ele ser chamado, para ele ser falado. O técnico era um técnico extremamente competente e assim que lhe foi dada a indicação, aliás, o Manuel estava à minha frente, dentro da cabine, quando demos indicação, e o José Videira, que era o técnico na altura, pôs a bobine no ar. Portanto, esta história do que mais dar um safanão e a não sei quem fechar o microfone, não é verdade. No entanto, já foi há 50 anos e o Manel hoje em dia continua a pôr se em bicos dos pés 50 anos depois para que olhem para ele. Cada um é como cada qual.

Depois da senha. Qual foi a sua reação ao perceber que estava a viver um momento tão histórico na democracia portuguesa?
Pá, foi de grande surpresa porque eu só me apercebi de que estava a viver um momento importante quando às 04h00 me foi revelado que a senha tinha saído na Renascença ´´a meia noite e 20. E aí a minha surpresa foi grande e algum receio, porque eu não sabia exatamente para que lado é que as coisas estavam a dar.Era um levantamento militar, sem dúvida. Mas quem eram os militares? O que queriam? O que queriam fazer? Nada daquilo transpirava e nos comunicados da rádio português apenas se ouvia para as pessoas ficarem em casa, para terem calma. Não se manifestarem, para que tudo fosse conduzido com calma. Mas isso pode se dizer em qualquer tipo de levantamento militar, seja contra ou a favor do governo, não é? Mas pronto, de qualquer forma, já se vivia em Portugal na altura alguma tensão porque tinha havido já dois levantamentos, um em Beja e outro nas Caldas e era absolutamente natural que alguma coisa estivesse a passar. Portanto, nós sentíamos que havia qualquer coisa, mas daí a haver, é uma grande distância.

Qual foi o papel da Rádio Renascença nos dias seguintes, à medida que os eventos da Revolução dos Cravos iam se desenrolando?
O papel da Renascença foi um pouco medíocre, porque quando chegou o Cunhal e o Soares, um pouco antes do 1 de Maio… penso que foi ou dia 28 ou 29, que chegaram do estrangeiro. Houve uns jornalistas da Rádio Renascença que foram entrevistá-los e depois passaram essas entrevistas nos noticiários e os diretores da Rádio Renascença, pura e simplesmente, suspenderam-nos, porque eles passaram aquilo sem autorização, sem se aperceberem de que a censura já tinha acabado.

Uma última pergunta. Que Portugal encontrou no dia 26 de Abril de 74?
No dia 26,encontrei um Portugal já com grande esperança. Eu estou a falar só da cidade de Lisboa. E de facto na cidade de Lisboa, começaram a ver as manifestações das pessoas assim na rua, já com bandeiras, com gritos de viva a liberdade, já muito virados para apoiar os militares e muita alegria, mas ainda sem saberem para onde é que isto ia e o que era. O importante é que o governo tinha caído. Alguma coisa ia mudar e ia mudar muito…era o princípio. No Terreiro do Paço houve um jovem que passou junto de nós, junto de nós jornalistas e disse “Tomem atenção que isto é só o começo, é só o princípio.” Isto é extremamente lúcido da parte de um jovem naquela altura dizer isto.

Paulo Perdiz

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER