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Um sistema de saúde doente

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O sistema de saúde no Canadá parece estar mais frágil do que nunca e a afundar rapidamente. Desde as longas horas de espera, à crise de falta de profissionais, encerramento de unidades, cirurgias adiadas e até escassez de necessidades básicas como um médico de família, os cuidados de saúde atravessam uma fase desafiante a vários níveis. A pandemia de Covid-19 veio exercer ainda mais pressão num sistema que já antes lutava para suprir algumas lacunas e agora começa a apresentar claros sintomas de falência.

O Milénio Stadium contactou a Associação Médica de Ontário (OMA) que confirmou que “a necessidade de reforma do sistema de saúde é urgente e os pacientes doentes não podem esperar”. Em declaraçōes, a OMA revela que numa das suas análises descobriu que “a pandemia criou um acúmulo de quase 22 milhões de serviços de saúde, desde cuidados preventivos a exames de cancro, como mamografias e colonoscopias, testes de diagnóstico como ressonâncias magnéticas e tomografias computadorizadas, assim como cirurgias e procedimentos”. No entanto, esta longa lista de espera, garante a Associação, “inclui serviços de pacientes que foram cancelados ou atrasados pela pandemia ou que não são mais necessários. A lista não captura os pacientes que estão mais doentes e a precisar de tratamento mais urgente”.

O mesmo não se pode dizer de quem, de facto, precisa de ser visto numa situação de emergência. Os departamentos de urgências hospitalares no Canadá há muito que lutam para fornecer um atendimento rápido. Mas agora, após mais de dois anos de pandemia, muitos estão a mostrar sinais de rutura, com longos tempos de espera e, em alguns casos, encerramentos. Antes da Covid-19, a maioria dos canadianos esperava até 3,9 horas na sala das urgência para consultar um médico para uma avaliação inicial, de acordo com o Canadian Institute for Health Information. Em maio deste ano, em Ontário, os pacientes que visitaram os departamentos de urgência esperaram uma média de 2 horas para serem vistos por um médico e, em média, passaram 20 horas à espera de serem admitidos nos serviços, de acordo com a Health Quality Ontario. Entretanto, muitas salas de urgência rurais em todo o país sofreram encerramentos ou horários reduzidos. Houve ainda unidades que fecharam temporariamente devido à falta de pessoal. Em declarações ao nosso jornal, a OMA afirma que agora “a primeira prioridade é limpar o acúmulo de atendimento criado pela pandemia e, em seguida, abordar os tempos de espera, que eram um problema mesmo antes da pandemia. Depois, para fazer face aos tempos de espera, que já antes eram superiores ao recomendado para alguns serviços, a OMA recomenda a criação de uma rede de Centros Ambulatórios Independentes. Transferir cirurgias e procedimentos não urgentes e menos complexos para clínicas independentes com financiamento público iria libertar leitos hospitalares e salas de cirurgia, permitindo que eles se concentrassem em pacientes e procedimentos mais complexos, agudos e de emergência e reduzissem os tempos de espera”.

Além de resolver a gestão de tempo, problemas financeiros e alocação de serviços, melhorar a situação dos cuidados de saúde no Canadá não será fácil. A esta equação junta-se ainda outro fator preocupante: a falta de trabalhadores. Embora as altas taxas de esgotamento e doenças entre os funcionários tenham contribuído para a escassez de pessoal nos hospitais, alguns também apontaram que a falta de médicos de cuidados primários e apoio da comunidade está a levar os pacientes a procurar ajuda nos departamentos de emergência porque não têm a quem recorrer. A OMA sublinha que “os médicos e outros profissionais de saúde da linha da frente estão a enfrentar altos níveis de esgotamento. Uma pesquisa da OMA descobriu que 72,9% dos médicos experienciaram algum nível de burnout em 2021, acima dos 66% do ano anterior. O esgotamento e os seus sintomas foram exacerbados pela Covid-19 e as mudanças no nível do sistema necessárias exigem uma ação ousada dos nossos parceiros do sistema de saúde”. A OMA Task Force on Burnout divulgou um relatório abrangente em agosto de 2021 que descobriu que existem muitas causas de burnout. No topo da lista estavam a tecnologia e o facto de que “muitos médicos gastam mais tempo a completar a documentação necessária do que a cuidar dos pacientes”. O relatório recomendou soluções a nível de sistema, incluindo “a redução e simplificação da documentação e tornar as ferramentas digitais de saúde uma parte fluida no trabalho dos médicos”.

Com ou sem tecnologia, em 2019, cerca de 4,6 milhões (ou 14,5%) dos canadianos com 12 anos ou mais não tinham de todo um médico de família, de acordo com a Statistics Canada. E isso não acontece por acaso. É que está cada vez mais difícil ter acesso a destes profissionais. O College of Family Physicians of Canada declarou recentemente numa carta aberta que há uma crise na medicina familiar, pois muitos dos seus membros estão esgotados, sobrecarregados, frustrados e desmoralizados. Muitos estão também a reformar-se e, ao mesmo tempo, há cada vez menos estudantes de medicina a optar por enveredar na prática da medicina familiar. A OMA confirma, dizendo que “pelo menos um milhão de utentes de Ontário não têm médico de família. A atenção primária é a base do sistema de saúde de Ontário. Os médicos de família ajudam os pacientes a permanecerem saudáveis, prevenir doenças identificando fatores de risco, gerir doenças crónicas e fazer com que os seus pacientes tenham acesso a especialistas e outros serviços de saúde. Para resolver o problema, precisamos de mais dados sobre onde os médicos são necessários, mais vagas para estudantes de medicina e residências, para ajudar os médicos treinados noutras jurisdições a se qualificarem aqui e para simplificar a papelada para que os médicos possam passar mais tempo com os pacientes”. Para isso, a OMA afirma ao jornal Milénio que “os médicos têm um plano de 5 pontos para melhores cuidados de saúde dos médicos”. Este é um “roteiro abrangente para melhorar os cuidados de saúde nos próximos quatro anos com recomendações em cinco pilares principais e recomendações separadas abordando as necessidades exclusivas de cuidados de saúde do norte de Ontário”.

Os pilares em questão são:

  • Reduzir os tempos de espera e o acúmulo de serviços
  • Expansão dos serviços de saúde mental e dependência química na comunidade
  • Melhorar e expandir os cuidados domiciliares e outros cuidados comunitários
  • Fortalecimento da saúde pública e preparação para pandemias
  • Dar a cada paciente uma equipa de profissionais de saúde e vinculá-los digitalmente.

Na semana passada, líderes territoriais de todo o Canadá reuniram em Victoria para reivindicar mais financiamento para o sistema de saúde e exigiram que Trudeau convocasse urgentemente uma reunião para chegar a um acordo.

Telma Pinguelo/MS

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