Cinco pessoas desenvolveram Alzheimer depois de terem recebido hormona de cadáveres
Pelo menos cinco pessoas que receberam uma injeção de hormona de crescimento extraída de cadáveres acabaram por desenvolver a doença de Alzheimer na sequência desse tratamento. Esta é a primeira vez que uma investigação aponta para a transmissão da doença entre humanos.
Segundo um trabalho publicado na revista científica “Nature Medicine”, os pacientes adquiriram a doença durante a infância quando se submeteram a um tratamento com hormonas de crescimento. Esta prática foi interrompida nos anos 80 quando se detetou que podia provocar a transmissão de proteínas responsáveis pela Encefalopatia Espongiforme Bovina, conhecida por doença das “vacas loucas”, que era transmitida através da ingestão de alimentos contaminados. Os cinco pacientes começaram a sofrer com sintomas da doença quando tinham entre 38 e 55 anos.
Tendo em conta que o Alzheimer é, por norma, desencadeado pela acumulação de proteína beta-amiloide no cérebro, um processo ligado ao envelhecimento, os especialistas decidiram avaliar o historial clínico. Durante a investigação perceberam que nenhum dos pacientes sofria de uma mutação que originasse Alzheimer precoce e que todos tinham um marco no historial clínico em comum: o tratamento com hormonas de crescimento.
Hormonas eram usadas para tratar problemas de altura
O tratamento, que não se realiza desde 1985, era realizado com a hormona de crescimento c-hGH, extraída da glândula pituitária de pessoas mortas para tratar problemas de altura, e foi administrado a 1.848 meninas e meninos no Reino Unido, entre 1959 e 1985.
A suspensão do seu uso em 1985, e a sua substituição por uma hormona sintética, avançou após a descoberta de que alguns lotes continham proteínas infetadas que causam a doença de Creutzfeldt-Jakob, um distúrbio cerebral que muitas vezes leva à demência.
Em 2017-2018, mais de 30 anos após a cessação da utilização deste tratamento, os autores do estudo analisaram amostras armazenadas da hormona do crescimento c-hGH e constataram que estavam contaminadas com a patologia associada à proteína beta amilóide, apesar de estarem guardadas há décadas.
Ao serem administrados em ratos, os investigadores observaram que estes desenvolveram Alzheimer, o que os levou a questionar qual teria sido a evolução daquelas meninas e meninos que receberam aquele tratamento potencialmente contaminado com a proteína beta amilóide.
“A nossa suspeita era que as pessoas expostas a esta hormona de crescimento que não sucumbiram à doença de Creutzfeldt-Jakob e viveram mais tempo poderiam ter acabado por desenvolver a doença de Alzheimer”, explicou, em conferência de imprensa, um dos autores, o neurocirurgião John Collinge, da University College de Londres.
Transmissão entre humanos
O estudo de oito destes casos mostrou que cinco começaram a apresentar sintomas de demência entre os 38 e os 55 anos e, atualmente, ou foram diagnosticados com Alzheimer ou preenchem todos os critérios diagnósticos para esta doença.
Dos três restantes, uma pessoa preencheu os critérios de deterioração cognitiva leve.
A idade invulgarmente precoce em que estes pacientes desenvolveram sintomas sugere que não sofrem da doença de Alzheimer habitual associada à idade avançada, e em todos os cinco casos foi descartada a existência do gene que torna esta doença hereditária em alguns casos.
“Não há indicação de que a doença de Alzheimer possa ser transmitida entre pessoas durante atividades da vida diária ou cuidados médicos de rotina. Os pacientes que descrevemos receberam um tratamento médico específico que foi interrompido em 1985”, frisou Collinge.
No entanto, os autores concordam que esta descoberta estabelece um precedente e deve levar “a rever medidas para prevenir a transmissão acidental através de procedimentos médicos ou cirúrgicos, a fim de evitar que estes casos ocorram no futuro”.
Numa reação divulgada pela plataforma Science Media Center, Tara Spiers-Jones, presidente da Sociedade Britânica de Neurociências, não questionou os resultados do estudo, mas sublinhou que “não é algo que deva preocupar as pessoas”.
“Não há evidências de que a doença de Alzheimer possa ser transmitida entre indivíduos nas atividades da vida diária, nem há evidências que sugiram que os procedimentos cirúrgicos atuais apresentem qualquer risco de transmissão da doença”, acrescentou.
Redes Sociais - Comentários