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Rui Moura e o sonho de menino…

mundo espaço - milenio stadium

 

Um grande sonho do homem é viajar para o espaço e ver a terra lá de cima. Ficamos sem fôlego só de olhar as fotografias incríveis que os astronautas tiram do nosso planeta. Em quase seis décadas de exploração espacial humana, poucas pessoas tiveram a experiência de sair da Terra.

Somente algumas puderam observar o planeta azul a ficar cada vez mais pequeno à medida em que se deslocam rumo ao espaço infinito, sendo que ainda menos estiveram completamente sozinhos atrás do outro lado da Lua. Rui Moura, é investigador da Universidade do Porto e piloto também de aviões. Rui quer ver a terra lá de cima. Ele foi o primeiro português a fazer um curso para ser astronauta. Quer ir até ao limite da mesma da mesosfera que fica a 83 quilómetros de altitude, quase tão perto da Estação Espacial Internacional que anda em órbita da Terra.

rui_marques_moura_fcup_destaque - milenio stadiumMilénio Stadium: Rui, o céu não é o limite, pois não?
Rui Moura: Não. Pelo menos para mim não parece ser. Ou pelo menos eu não gostava que fosse. O céu é a nossa atmosfera. A nossa atmosfera, pelo menos oficialmente, em termos aeronáuticos, estende se até aos 100 quilómetros, a partir daí começa o espaço.

MS: O que é que existe para lá das nuvens? Tu que és piloto.
RM: Para lá das nuvens e uma forma poética, existe um pouquinho de liberdade, não é? Existe o ar que para mim foi sempre um elemento que simbolizou a liberdade. E é isso que eu associo voar.

MS: Existe a fronteira entre o mundano e o sublime lá em cima?
RM: De certa forma, sim, porque as sensações que eu tenho constatado como piloto, e isso acho que é muito comum a muitos pilotos é- o voo é uma atividade que transmite simultaneamente várias coisas. De certa forma, sentimos um pouquinho como deuses, porque temos uma visão sobre o mundo que poucos normalmente têm, a não ser que sejam levados. Portanto, nós temos o controlo sobre essa posição, mas ao mesmo tempo também temos o oposto, que é a nossa fragilidade. E sentimo-nos também um pouco pequenos pelo facto de termos essa essa perspectiva.

MS: O Yuri Gagarin disse que disse não ter visto Deus. Lá estás perto de Deus?
RM: Eu acho que a crença é algo que é particular de cada pessoa, não é? Eu acho que a visão divina de alguém que vá ao espaço é algo que pode ocorrer naturalmente. Eu acredito que sim. E muitas pessoas que tiveram essa experiência, muitos astronautas, alguns tornaram se mais crentes sobre o que será a divindade depois de ter estado no espaço.

MS: Quando nós somos crianças, perguntam o que é que nós queremos ser? Ou é polícia, ou bombeiro, ou astronauta. Isso é uma crença que já vem de criança?
RM: De certa forma, embora nunca como era algo tão intangível, nunca foi algo que me ocorresse de forma séria. Eu tenho um colega de curso que é simultaneamente professor de fisiologia aeroespacial. Ele é uma pessoa extraordinária. Ele tem um percurso, portanto, académico e profissional muito diverso. E ele, aliás, foi tropa especial canadiano. Ele foi também doutorado em fisiologia, foi ultra triatleta, é uma pessoa tipo super-homem e, portanto, ele dizia uma coisa muito interessante. Ele escreveu um livro sobre a possibilidade das pessoas em geral a população humana querer ir ao espaço. E ele dedicou um dos livros precisamente a todas as pessoas que nasceram com passaporte errado. E o que acontece em muitas ocasiões, como muitas pessoas a nível mundial que querem ser astronautas e que precisamente nascem com o passaporte errado. Pela simples razão que uma pessoa para ser astronauta da NASA tem de ser cidadão norte americano. Para ser astronauta russo tem de ser cidadão russo, canadiano, tem de ser cidadão canadiano. Portanto, em muitas circunstâncias, as pessoas que se querem candidatar a astronauta têm de ser forçosamente cidadãos desses, dessas comunidades, onde existem as agências espaciais que tenham a tradição tripular.

MS: Tu és geofísico, piloto nos tempos livres e de repente levantaste voo num curso.
RM: Portanto, isto foi em 2015. Eu soube de um programa que era financiado pela NASA. Portanto, é um curso que nasce de um programa de investigação. A investigação tem a ver com alta atmosfera, tanto aquilo que se chama mesosfera, a última camada antes de chegar ao espaço. É uma camada muito pouco conhecida. Os objetivos têm também um pouco a ver com a mudança de clima e, portanto, esse programa, em função dos objetivos, foi financiado no futuro, se houver veículo, para financiar o voo, para pagar o voo, os eventuais voos que levem a cabo determinadas missões científicas e, portanto, de amostragem. E, portanto, eu soube disto. Eles pediam colaboração de cientistas com algum crédito e com algumas características e perguntavam, nomeadamente, se eram pessoas que tinham determinadas atividades tipo pilotagem, o mergulho subaquático, o montanhismo, portanto, determinadas atividades físicas, para além da intelectual e científica, que dessem pelo menos alguma garantia de que a pessoa tinha essa capacidade de se entrosar num meio muito dinâmico que é o voo espacial. Portanto, eu enviei o meu CV, enviei as minhas características, tive uma pequena entrevista também, preenchi alguns formulários de cariz mais ou menos psicotécnico e depois recebi a notícia no início de 2016, que estava selecionado.

MS: A mesosfera é a fronteira do que é e não é espaço?
RM: Mas isso é muito difícil de definir. Essa fronteira dos 100 km, neste momento até está em debate. Há quem queira colocar um pouco mais abaixo. A Força Aérea norte americana colocava a fronteira com espaço nos 80 quilómetros e a Federação Internacional Aeronáutica coloca nos 100 quilómetros. Porque é que há essa diferença? Há essa diferença por várias razões. A razão principal, nas duas circunstâncias, é o critério que define a partir da qual um veículo com asas, se mexer os planos das asas, e os planos da cauda, a partir de que altitude é que esses planos, esses controlos, deixam de ter eficácia. Ou seja, eu posso mexer, por mais que eu queira nos comandos do avião, que ele já não reage. Ou seja, já não há ar suficiente contra o qual a aeronave faz reação e por essa razão o avião é manobrado. Portanto, a partir do momento em que não há reação qualquer dos planos das asas ou o ar que atravessa, porque é demasiado rarefeito. Então considera se já estar no espaço. Daí a Força Aérea ter um critério e a Federação Internacional ter outro. Ou seja, é um critério que define a partir do momento é que não há controlo de forma convencional, como um avião. A partir daí, tem de se usar outras formas de controlar a aeronave em termos da movimentação e da orientação do espaço.

MS: No curso de certeza tiveste muitas orientações, quer teóricas, quer físicas.
RM: Sim, sim, sim, obviamente as orientações físicas falando do treino tipicamente é vocacionado para preparar a pessoa para estar habituado a elevados regimes de forças de aceleração, aquilo que normalmente se chama força-g,- depois a fase em que a pessoa se habitua, ou pelo menos tem que se capacitar de como é que se gere as diferenças de pressão que podem ocorrer devido a um problema ou até mesmo a utilização de um fato espacial. Existem também circunstâncias de emergência em água, especialmente no caso da cápsula ou da aeronave aterrar numa superfície com água de fazer uma maragem. Portanto, todas essas situações são perigosas e, portanto, em que, como em toda a atividade aeronáutica, o treino e a simulação fazem parte e, portanto, normalmente preparam se para o pior. E, portanto, todo o treino dinâmico é sempre no sentido de preparar as pessoas para o pior.

MS: Agora cada vez fala se mais de viagens ao espaço mais privadas e comerciais. É uma forma de turismo só para alguns?
RM: Pronto. Isso é o chamado campo comercial ou privado. Ou também há quem já começa a falar na possibilidade de termos turistas espaciais. Isso é uma realidade. E é isso que motiva, até de forma económica, da perspetiva económica, que essas empresas invistam. Porque se houver um veículo que leve o cidadão comum, certamente que as podem vir a ganhar muito dinheiro com todas as pessoas que tiveram sempre essa ambição de ver a terra de um ponto muito alto. Isso é um dos motores que financia muito, ou pelo menos dá a perspectiva otimista.

MS: Vai sempre haver essa exploração espacial das agências especiais privadas e as companhias, mesmo oficiais, numa competição para o espaço?
RM: As agências oficiais neste momento já subcontratam empresas, portanto comerciais. Isso já é uma realidade já há alguns anos faz se tornar cada vez mais comum haver esse tipo de relação entre haver uma empresa que prepara o seu veículo de forma autónoma, privada e que depois fornece um serviço a uma entidade estatal, tipo á NASA, ou no caso do Canadá, a Canadian Space Agency (CSA e, ou a qualquer agência espacial mundial. Neste momento, pensa se que vão recorrer em muitas ocasiões a estas empresas privadas.

MS: És geofísico. O que é que um geofísico faz lá em cima concretamente?
RM: O geofísico pode e deve fazer coisas geofísicas e não geofísicas. Não se pode ter a ideia de que o geofísico vai fazer apenas geofísica. Os astronautas muitas vezes têm que ser pessoas muito polivalentes e têm que estar preparados para, normalmente na sua atividade, realizar coisas que são da sua especialidade e coisas que não são da sua especialidade. Eu, obviamente, gostaria de levar um conjunto de experiências geofísicas ou de cariz geofísico. Eu em outubro passado estive em Ottawa no North National Research Canson na unidade de voos de teste e levei a cabo, num voo de microgravidade, um conjunto de experiências minhas e também de outras instituições. E levei a cabo uma experiência geofísica para testar as propriedades do solo da Lua. Portanto, é uma experiência desenhada em Portugal por colegas da Universidade de Aveiro e também da Universidade do Porto. Portanto, foi uma colaboração das duas universidades e levamos a cabo uma experiência para testar as propriedades físicas do solo da Lua em ambiente de microgravidade, ou seja, aqueles voos que normalmente as pessoas vêm em que os passageiros ou os futuros astronautas flutuam, para treinar essas sensações e esse modo de viajar.

MS: E falando da lua, a lua está um bocadinho esquecida? Existem planos para ir lá de novo?
RM: Há planos para ir lá de novo. Aliás, há pouco tempo os chineses voltaram a colocar um veículo na lua. Portanto, o Chang’e 4, que alunou no lado oculto da Lua, portanto, do lado oposto, aquilo que nós vemos. A China tem planos neste momento para ter um programa para explorar a Lua. Ao longo destes anos, apesar do homem não ter regressado à Lua, o homem da última vez que esteve na Lua foi em 1972, há neste momento planos para regressarmos à Lua como uma base e, eventualmente, um objeto para nós tirarmos partido.

MS: Porque é que vocês cientistas, não vão lá mais vezes ou não foram lá mais vezes?
RM: Isso é uma pergunta muito comum. A razão por que é que o homem deixou de ir à Lua tem haver com a a questão de ser um empreendimento humano muito caro. Só para terem uma noção. O homem pousou pela primeira vez na lua e a última missão à Lua foi em 1972, portanto, em 69 e 72, praticamente três anos, o homem fez seis missões de alunagem. Essas missões e esse programa todo que se chamava o programa Apollo, custou a módica quantia em dólares de hoje, dólares norte americanos, custou a módica quantia de 140 mil milhões $. E, portanto, isso diz um pouco porque é que o homem não regressou lá. E o empreendimento, muito caro. Na altura até foi bastante arriscado, porque eles arriscavam muito mais do que se arriscaria hoje. Fundamentalmente, o espeto económico e a complexidade da missão e a necessidade de ter um foguetão muito grande, capaz de levar uma nave com essas características em termos de tamanho e massa, fazem da façanha de ir à Lua algo que não é tão fácil como parece.

MS: E a questão de Marte? Já vamos nós para lá. Agora uma sonda. Quando é que o homem vai finalmente a Marte?
RM: Bom, se ir à Lua, que fica da Terra a 384 400 km de distância é tão difícil e arriscado, portanto, imaginemos então o que será enviarmos pessoas a Marte, que fica mais de 100 milhões dependendo da órbita da Terra e Marte, dependendo da fase da órbita da relação das órbitas entre Marte e a Terra, chegar a Marte, estamos a falar sempre de mais de 100 milhões de quilómetros. Portanto, se compararmos apenas estes dois números, já percebemos qual é a dificuldade de ir a Marte.

MS: És piloto? Como é que tens visto Portugal lá de cima?
RM: Portugal é muito bonito visto do ar. Esta zona, a zona de Aveiro, Vagos e mesmo até à Figueira e mesmo até ao Porto, toda esta zona e até mesmo interior aqui da Beira Alta, que é a zona que eu talvez conheço melhor, porque eu sou piloto d Aeroclube de Aveiro, é uma zona muito bonita, a Ria de Aveiro vista do céu é uma característica física e morfológica muito bonita. E eu digo sempre aos meus amigos que têm que um dia vir comigo dar uma voltinha e portanto, se um dia vierem a Aveiro e se quiserem e me contactarem, pode ser que eu esteja disponível para vos mostrar essa perspectiva.

MS: Rui, tens noção que és o português mais bem preparado para ir lá acima?
RM: Bom, eu não costumo olhar para mim como superior ou mais. Essa não é minha preocupação. A minha preocupação, é sempre tentar fazer tudo por tudo para me preparar, para gostar dessa preparação, porque isto é um gosto também é um prazer e uma honra também. Eu sinto sempre que sei pouco. Eu nunca tenho essa sensação de que sou o mais bem preparado. Eu, à medida que vou fazendo a minha formação, fico sempre com a sensação daquilo que ainda não sei e, portanto, eu prefiro pensar naquilo que não sei do que naquilo que eu já consegui perceber.

Rui Moura como futuro astronauta, quer visitar o infinito do espaço. Ele é talentoso, com gosto de fazer coisas difíceis e com força para superar todos os desafios em prol desse objetivo. Embarcará numa nave cheia de paixão e o sonho de transpor os limites do céu.

Paulo Perdiz/MS

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