Temas de Capa

Família é… Honestidade, compreensão, união e verdade

divorce-and-child-custody-2023-11-27-05-18-46-utc

 

Nem sempre família é sinónimo de abrigo, de acolhimento, conforto, amor. Por vezes, é no seio familiar mais chegado que se vivem os maiores tormentos. Quando o que se recebe dos pais biológicos é falta de carinho, quando há uma desconexão provocada pela “entrega” de um filho bebé aos avós e por lá fica até aos 8 anos, quando a violência física e psicológica passa a fazer parte dos dias dessa criança e depois adolescente, a partir do momento em que os pais decidem “arrancá-la” dos avós (verdadeiros pais)… o que esperar senão um corte radical em algo que nunca esteve verdadeiramente unido? Foi o que aconteceu com Carlos. Demorou anos, mas aconteceu. Sente-se que a dor permanece, a revolta persiste, mas também se percebe que não havia outra saída.

Numa conversa franca, fomos levantando o manto com que Carlos, um dia, resolveu tapar parte da sua história de vida. A parte que não lhe deixa saudades, o tempo que lhe lembra quem nunca o amou verdadeiramente. No entanto, deixando sair as memórias desse tempo difícil nesta conversa, Carlos reforçou também o sentimento de gratidão e reconhecimento por quem esteve ao seu lado quando mais precisou de apoio. Hoje tem uma família. Pequena, mas valiosa. Uma família que assenta nos valores em que, acredita, devem ser os verdadeiros pilares, para que a história, que ainda dói, não se repita no seu percurso de vida.

Quem considera ser a sua família hoje?
A minha mulher e os meus sogros.

O que aconteceu na sua vida que o obrigou a afastar-se do seu núcleo de família biológica?
Bom, em primeiro lugar nunca fui criado pelos meus pais. Fui criado pelos meus avós. Dos meus seis meses até aos 8 anos de idade, os meus pais foram os meus avós. O meu pai já estava no Canadá, a minha mãe estava lá em Portugal, mas eu estava com os meus avós. Nunca vivi com os meus pais. As razões não sei bem… razões financeiras acho que não, talvez por serem muito novos, não sei. Quando me trouxeram para aqui, para o Canadá, eu senti-me arrancado da minha família. Depois, mais tarde, o que aconteceu é que eu sempre fui uma pessoa motivada e determinada a atingir objetivos e sabe… eu achava os meus pais preguiçosos. A verdade é que quando se começa a ter ganhos financeiros, toda a gente é nosso amigo, incluindo pais e irmão.
Eu trabalhei em vários trabalhos diferentes desde os 15 anos, para ajudar em casa, para ajudar a diminuir a dívida dos meus pais. A ideia era ajudar porque… deixe-me pôr as coisas desta maneira: enquanto vivi com os meus avós eu não soube o que era a fome, eles viviam numa casa pobre, mas nunca deixaram que passasse fome. Quando vim para o Canadá eu soube o que era passar fome. Mas eu era, basicamente, a ovelha negra da família. E sabe, era muita violência, física e emocional.
Vou contar-lhe uma história: eu nunca fui pessoa de levantar a mão perante os pais nem nada, mas não sei que raio aconteceu naquele dia, culparam-me por alguma coisa e o meu pai veio dar-me um murro. Eu tinha, na altura, talvez 17 anos e disse: “se me voltas a tocar, mando-te para a morgue. Confia em mim, eu faço-o”. Foi o fim. Foi a última vez que tive contacto físico com o meu pai.
Sinceramente, sempre acreditei que se nos tornarmos um produto do nosso ambiente, devemos mudar o ambiente do qual nos vamos tornar um produto. Tive uma professora minha que se chamava Miss Ventura que me ensinou isso mesmo: “não deixes que a tua vida agora defina quem te vais tornar”. E quando decidi sair de casa por volta dos 18 anos, depois de passar anos a, supostamente, ajudar a diminuir a dívida dos meus pais (que não diminuía) e vejo que a minha conta bancária foi limpa… isso põe um travão nas coisas, não é? Não queremos continuar a lidar com isso.

Entretanto, constituiu uma família. O que mais valoriza nas pessoas que são hoje a sua família?
Honestidade. É isso. Se eu fizer algo errado, a minha mulher diz-me. Não me diz que sou isto e não sou. Diz-me a verdade. A verdade dói. Mas quando a verdade dói, arranja-se uma maneira de a ultrapassar. Sabes qual é o obstáculo que está no teu caminho. Honestidade. Ser honesto com as pessoas. Isso aplica-se a tudo na vida, na minha opinião. Ser honesto quando se faz asneira. Quando cometemos um erro, pedimos desculpa por ele. Mas tens de o assumir. Muitas pessoas não assumem os seus erros. Eu, por vezes, não assumo os erros porque nem sequer me apercebo que eles foram cometidos. Ainda não tenho esse ponto de vista. Por vezes, levo seis meses a perceber que se calhar estava errado. Não porque fosse teimoso, mas porque não via as coisas da mesma forma que a pessoa. Mas quando o fazemos, devemos um pedido de desculpas a essa pessoa. É fácil culpar outra pessoa. É fácil sermos responsáveis pelos nossos erros. Eu nunca, nunca, nunca recebi um pedido de desculpas dos meus pais. Não estou à espera disso.

Quais são na sua opinião os pilares principais de uma verdadeira família? Ou seja, quais os valores que devem sempre permanecer?
Compreensão. Honestidade. Ser honesto, compreender que não somos todos iguais. Isso requer que, por vezes, eu simplesmente diga – “Ei, ela não é como eu. Ela não compreende”. E isso às vezes é muito difícil, porque eu tenho uma certa maneira de fazer as coisas. Sim. Honestidade. Manter a tua palavra, mesmo que isso signifique que financeiramente vais ter de arcar com as consequências. Tu cumpriste. Mantém a tua palavra. E união, sem interesses escondidos.
Em 2019 eu fui a Portugal pela primeira vez em mais de 30/28 anos. Na verdade, acho que 28 anos. Queria ver alguns membros da família que já não via há muito ou nem sequer conhecia. Voltei a relacionar-me com uma tia de lá. E trouxe-a ao Canadá. Ela e a filha voltaram para Portugal. No verão passado, voltei a ligar-me a elas. Elas nunca me pediram nada. Foi a primeira vez na minha vida que alguém da minha família não me pediu nada. Estavam apenas felizes por me verem. Assim, para responder à sua pergunta, para mim estes são os quatro pilares essenciais – honestidade; compreensão; união e verdade.

MB/MS

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Não perca também
Close
Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER