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A soma do poder

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As eleições de 2021 não correram tão bem quanto Justin Trudeau esperaria, quando se demitiu provocando a convocatória de eleições antecipadas. Os canadianos votaram e Trudeau ganhou, mas sem a desejada maioria absoluta. Foi, portanto, uma vitória amarga e o incómodo provocado levou a que as mentes Liberais começassem a pensar em formas de governar, sem grandes obstáculos, até ao fim desta legislatura. Entre fazer uma “navegação à vista”, ou seja, ir trabalhando acordos pontuais para fazer passar a sua política, e tornar mais tranquila esta legislatura com um acordo mais perene, os Liberais optaram por “jogar pelo seguro” e garantir um acordo com o partido que lhe está mais próximo em termos de quadrante político (embora assumidamente mais esquerdista), o NDP, assegurando assim o poder até 2025. No entanto, este “casamento por interesse” levanta algumas questões.

Desde logo, temos que entender a sua legitimidade. É ou não é legítima ou politicamente íntegra esta parceria? Quanto à legitimidade (no quadro estrito da lei) não há dúvidas de que não há nada que se possa apontar a esta opção governativa. É mais na perspetiva ético-política que se podem levantar dúvidas. Muitos se têm perguntado se, com este acordo, Trudeau não estará a defraudar os eleitores que confiaram no programa político dos Liberais e não noutro. A este respeito, Daniel Béland, diretor e professor do Departamento de Ciência Política do McGill Institute for the Study of Canada, defende que “considerados em conjunto, os Liberais e o NDP receberam mais de 50% dos votos populares e têm deputados suficientes para aprovar legislação sem o apoio de outros partidos.” Béland lembra ainda que no sistema eleitoral do país “os canadianos não elegem governos diretamente; elegem 338 deputados de vários partidos e, no contexto de um parlamento minoritário, os acordos entre alguns partidos políticos não são invulgares no nosso sistema ao estilo de Westminster, tanto no Canadá, a nível provincial, como em outros países da Commonwealth”. Com esta argumentação o professor do Departamento de Ciência Política deixa a ideia de que a legitimidade ético-política desta parceria pode ser encontrada numa simples soma de votos, para se defender que a maioria dos canadianos se afirmou ao lado destes dois partidos. Mas será que a mesma maioria se sente retratada nesta parceria para garantir a governação? Eis a questão, à qual ninguém saberá responder com segurança. Mas Daniel Béland acredita que “este acordo proporcionará maior estabilidade ao parlamento minoritário e consolidará a colaboração legislativa existente entre os Liberais e o NDP”. Há outro fator que segundo Béland pode fazer a diferença na forma como esta estratégia política pode ser encarada. É que “nenhum deputado do NDP se sentará à mesa do gabinete de Trudeau, pelo que este não é um governo de coligação. Em vez disso, é um tipo de acordo que vimos noutras jurisdições, incluindo recentemente na British Columbia e New Brunswick”.

E a questão de integridade política? Pode ou não ser afetada? Na opinião de Béland, não, porque “mais uma vez, este tipo de acordo não é de todo novo dentro dos sistemas parlamentares e as pessoas irão julgá-lo com base nos seus resultados. Não há nada de inconstitucional ou ilegítimo na cooperação interpartidária num contexto de governo minoritário, mesmo que esta situação possa enfurecer os apoiantes de outros partidos políticos, neste caso, os Conservadores e o Bloco”.

Falta ainda saber o que vai ganhar ou perder o Canadá com esta iniciativa dos Liberais. Será que o país vai efetivamente beneficiar desta estabilidade política, construída com base num acordo entre dois partidos? Ou será que esta parceria serve essencialmente os interesses do primeiro-ministro Justin Trudeau que assim continua no poder até 2025? Daniel Béland também não tem dúvidas nesta matéria e afirma que quem mais beneficia com este acordo é Trudeau já que “deve ajudá-lo a manter-se no poder, mas não houve ameaça imediata de uma votação por não-confiança, pelo que se trata mais de aumentar a estabilidade do que de salvar um governo minoritário que dificilmente cairá em breve. Quanto a saber se isto é do interesse do país, só o tempo dirá se este acordo conduzirá a resultados políticos positivos para os canadianos. “The proofs is in the pudding” e é demasiado cedo para dizer”.

Entretanto, a imagem externa do Canadá parece que também já teve melhores dias. O Comboio da Liberdade e toda a repercussão internacional que teve, com fortes críticas à postura do governo federal ao longo de todo o processo, ainda está a fazer estragos. Recentemente, após o discurso do primeiro-ministro canadiano no Parlamento Europeu, foram vários os parlamentares que usaram da palavra para, ostensivamente, criticarem Trudeau, chegando mesmo a compará-lo com alguns dos piores ditadores do mundo. Sobre este episódio Daniel Béland não tem dúvidas em atribuir essas declarações, em grande parte, à ignorância sobre o que se passou efetivamente e sobre o próprio Canadá. Béland considera assim que “estas comparações são excessivas e estes deputados europeus pouco sabiam sobre o Canadá e têm a sua própria agenda política”. Há, no entanto, no entender de Béland um outro fator que pode passar uma imagem negativa do país no quadro internacional e, principalmente, na situação em que o mundo se encontra após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Assim, na opinião de Béland “neste momento, a nossa credibilidade é mais negativamente afetada pelos nossos baixos gastos militares, algo que o próximo orçamento federal irá provavelmente abordar. O papel internacional do Canadá no rescaldo da invasão russa da Ucrânia é significativo, mas precisamos de fazer mais para aumentar a nossa influência em matéria de política externa”.

Catarina Balça/MS

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