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À procura de nós

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Quem somos nós? Como se construiu e desenvolveu a comunidade portuguesa no Canadá? Como o Professor José Carlos Teixeira bem sublinha “Portugal, apesar de ser geograficamente um país pequeno, é um país com 900 anos de história e tem uma cultura riquíssima” e tem grande parte dos seus descendentes espalhados pelo mundo – hoje somos cinco milhões a viver fora de Portugal. E o Canadá é um dos mais importantes países/destino da diáspora portuguesa. Tem conseguido atrair (ainda hoje) muitos que vêm à procura de uma vida melhor. Chegam, como sempre chegaram, das ilhas (Açores e Madeira) ou de Portugal Continental, mas hoje entram neste país com caraterísticas socioculturais substancialmente diferentes. Como recorda José Carlos Teixeira, “os portugueses que vieram para o Canadá de 1953 a 1974 não conheceram a liberdade, a democracia em Portugal. Todos aqueles que chegaram ao Canadá a partir de 1974 já viveram a democracia e poderão ter uma ideia diferente do seu país de origem”.

Por outro lado, o Canadá é, como se sabe, um país de imigrantes. Com apenas 37 milhões de habitantes e uma extensão vasta em termos de território, há ainda potencial para atrair muitos mais que queiram tentar a sua sorte neste país de oportunidades. E assim se vai continuando a construir este imenso mosaico cultural. Também por isso, pelo facto de os portugueses se inserirem num universo multicultural, se torna mais importante não perder de vista as nossas origens. Quem somos? De onde viemos? São perguntas ainda mais pertinentes quando a integração dos mais novos no país de acolhimento pode provocar um afastamento das raízes.

A comunidade portuguesa já tem 69 anos de presença no Canadá. Para o ano atingimos o marco dos 70 anos e, portanto, torna-se cada vez mais relevante falarmos da redescoberta das nossas raízes ou irmos à procura das nossas raízes, a fim de compreendermos o passado e projetarmos o futuro.E segundo o Professor José Carlos Teixeira impõem-se algumas perguntas – “estão as novas gerações de portugueses (com pais portugueses) nascidos no Canadá, as segundas, terceiras e quartas gerações, mais participativas, por exemplo, na vida comunitária? Estão mais conscientes das suas raízes culturais? Qual é o grau de retenção, por exemplo, da língua materna, a primeira língua que eles aprenderam enquanto crianças? Estão eles hoje mais conscientes da portugalidade? Se estão mais conscientes do país de origem dos pais e das suas raízes culturais, que são ricas?”. As respostas as estas e outras perguntas têm sido em grande medida alvo do trabalho de investigação de José Carlos Teixeira que nos revelou que diz sempre aos mais novos: “não tenham receio de se identificarem como sendo de origem étnica portuguesa. Vocês falando ou não português, o facto de terem origem étnica portuguesa é para sempre. Se o vosso pai e a nossa mãe nasceram em Portugal ou se já são nascidos cá, mas são de origem étnica portuguesa, porque os pais deles (vossos avós) são portugueses, vocês são de origem étnica portuguesa. E tudo começa aqui.”

Mais do que procurar as origens, é importante que nos orgulhemos delas e honremos os que nos antecederam e abriram o caminho que é hoje o nosso futuro.

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José Carlos Teixeira, PhD Associate professor, University of British Columbia, unit Okanagan Campus. Créditos: DR

Milénio Stadium: Completamos em breve 69 anos sobre a chegada do navio Saturnia que trouxe os primeiros portugueses oficialmente imigrantes no Canadá. O que se sabe desses pioneiros? Quem eram e donde vinham?
Professor José Carlos Teixeira: Em 53 surgiu a emigração de homens, praticamente eram só homens – entre 53 e 54 e até 55. Só a partir mais ou menos de 1955 é que começam a chegar as primeiras senhoras (muito, muito poucas). Entre 55 e 59 foram muito poucas as senhoras que se vieram juntar aos maridos que já existiam no Canadá. Esses pioneiros vieram para trabalhar bastante na agricultura ou nos caminhos de ferro. Havia contratos pré-estabelecidos com o Canadá e eles vieram. Vão para zonas rurais, para zonas fora dos grandes centros urbanos, o que não acontece agora. Só que gradualmente, ao longo dos anos, vieram para os centros das grandes cidades e quando os entrevistava eles diziam “aquilo não era vida para mim, estar isolado num ‘deserto’ queria ter a minha mulher comigo, os meus filhos” – eles só poderiam ter um futuro assim se viessem trabalhar para o centro da cidade de Toronto ou para o centro da cidade de Montreal ou até mesmo Vancouver. Portanto, esses pioneiros foram então a primeira vaga. Depois assistimos a aquilo que eu chamo reunificação familiar, que se começa a fazer de uma forma muito intensa no final dos anos 50, sobretudo nos anos 60: para nós, portugueses, a família é fulcral. É aí que os portugueses começam a ter um papel fundamental na cidade de Toronto, começam por arrendar casas em toda aquela zona da Kensington Market, levando à formação daquilo que ainda hoje conhecemos como “Little Portugal”. Os portugueses tiveram uma característica aqui muito interessante que é o alto nível de propriedade, “ownership” – o português chega praticamente sem dinheiro, arrenda, mas pouco tempo depois compra uma casa, mesmo que essa casa necessitasse de muitas reparações, etc. Mas o português é habilidoso, muitos trabalhavam na construção, e foram capazes de rejuvenescer toda aquela área da Kensington, incluindo outros bairros pela nossa cidade, pintando, reparando, etc. Os portugueses tornaram-se num dos grupos étnicos com a taxa mais elevada de ‘propriedade’.

MS: E porquê a escolha do Canadá? Que informação tinham do país para se aventurarem e apostarem numa vida aqui?
JCT: Quando se fala de emigração portuguesa para o Canadá, como se sabe, tanto nos Estados Unidos como no Canadá, a maioria vem os Açores, já que a emigração do continente sempre se fez de uma maneira muito mais acentuada na Europa, enquanto que os madeirenses iam para a África do Sul e para a Venezuela. Portanto, o Canadá era um país desconhecido para os portugueses, de uma maneira geral e sobretudo para os açorianos. Aliás, há histórias de pessoas que entrevistei em que o marido estava no Canadá a viver e a esposa possuia um endereço que dizia, por exemplo, Palmerston Avenue, América. Porquê? Porque havia, na maioria dos casos, um desconhecimento muito, muito grande da história e da geografia do Canadá. Só que naquela altura, realmente, foi tornado público que o Canadá, situado no norte da América, precisava de trabalhadores. É aí que se assinam se os primeiros acordos com a primeira vaga. Mas o facto é que enquanto que os Estados Unidos já recebia portugueses, sobretudo açorianos, há mais de um século, incluindo das Bermudas, o Canadá era um país completamente desconhecido. Realmente foi uma redescoberta quase por acidente aliada ao facto de o Canadá precisar de trabalhadores.

MS: E depois vai passando de boca em boca, não é?
JCT: Ainda bem que menciona isso! Uma das características da nossa imigração é aquele que os sociólogos chamam de “chain migration”. E é preciso compreender o contexto económico que se vivia em Portugal. Para além de vivermos numa ditadura, estamos a falar de 53, Portugal era um dos países mais pobres da Europa na altura. Portanto, tudo isso aliado àquele tal excesso demográfico que nós tínhamos em termos populacionais, sobretudo nas ilhas, foram aquilo que nós chamamos “push factors”. E isso leva-nos à questão do “chain migration”: uma das características da imigração portuguesa, sobretudo das ilhas, é que quando um marido sai, leva a mulher, a esposa leva os filhos e depois primos e mais primos, famílias inteiras.

MS: Nessa altura, nessa primeira vaga, como é que se espalharam pelo país?
JCT: Os primeiros que eram canalizados para determinadas províncias, para determinadas regiões, as pessoas faziam contratos com o Governo do Canadá, já havia contratos pré-estabelecidos: o empregador fazia um pedido de número X para trabalhar para ele. Há histórias muito interessantes sobre isso: eles recebiam uma etiqueta com uma determinada cor, o que queria dizer que eles iam sendo deixados em determinadas cidades ao longo do percurso.
Para chegar a Montreal e a Toronto ainda levava alguns dias e noutros ainda continuavam para outras províncias do Canadá. Muitos foram canalizados para o norte da província da British Columbia. Era realmente uma autêntica maratona a maneira como eles eram distribuídos. Até chegarmos ao tempo em que com os aviões tudo se simplifica. Mas há realmente nalguns casos, nas vidas de algumas pessoas que entrevistei situações bastante tristes, porque imagine, saiam da mesma freguesia com um amigo ou colega e as mulheres não emigraram nessa altura, mas vinham com alguém que conheciam e ficavam no Quebeque e a outra pessoa ia parar a Ontário. Eles ficavam muito isolados e eles mantinham-se em contacto através das cartas de correspondência. Não havia obviamente Facebook ou email. Portanto isso foi muito, muito difícil. Esta adaptação, sobretudo para os primeiros pioneiros que quando cá chegaram, lidaram com o isolamento, a própria comida que era diferente, as condições de trabalho que eram algumas vezes bastante duras, as saudades da terra de origem, tudo isso foram fatores que marcaram profundamente os nossos pioneiros. Estamos quase com 70 anos de presença no Canadá e é importante que os nossos jovens não se esqueçam desses homens e depois das senhoras que também cá chegaram e que ajudaram a construir as comunidades que hoje conhecemos. Muitas vezes temos uma memória curta. Não podemos compreender o presente, sem entender o que aconteceu no passado.

MS: O caminho desbravado por estes pioneiros foi o motor para aquilo que é hoje a comunidade luso-canadiana. O que falta fazer para honrar devidamente esse legado?
JCT: Eu não quero ser injusto porque, ao longo dos anos, tenho verificado uma maior preocupação, havendo várias iniciativas para honrar os que chegaram primeiro. Acho que temos sabido prestar homenagem a estes pioneiros, o próprio Museu da Imigração e outros projetos.
Por exemplo, quando fizemos 50 anos de presença portuguesa no Canadá, o Governo Regional dos Açores entrou em contato comigo e pediu que eu identificasse quantos pioneiros chegaram em 1953. Eu identifiquei 12 ou 13 que ainda estavam entre nós e o Governo Regional dos Açores pagou-nos uma viagem, eu acompanhei estes 12 ou 13 pioneiros da emigração açoriana para o Canadá, com as suas famílias, percorremos várias cidades no arquipélago dos Açores, (Faial, Terceira e São Miguel), assistimos a palestras em que o objetivo foi agradecer-lhes. Foi um “obrigado por tudo o que vocês fizeram em prol da nossa imigração”. Este é apenas um exemplo que eu vivi. Várias iniciativas foram feitas em Toronto aquando dos 50 anos. Estava em Toronto o Governo português, com várias exposições culturais, etc. Agora, o que é mais que se pode fazer mais? Cada vez temos menos portugueses, isto poderá ser um tema quando fizermos 70 anos. Eu acho que seria interessante que se identificassem muitos desses pioneiros que ainda estão vivos e que participaram ativamente na construção da comunidade portuguesa, fazer uma mesa-redonda onde eles possam falar das suas experiências. Recordo-me que, aquando dos 50 anos, tivemos pioneiros na Câmara Municipal de Toronto, a falarem e houve uma exposição de fotografias, etc. É importante relembrá-los enquanto eles estiverem entre nós, porque quando os pioneiros desaparecerem, estes testemunhos orais desaparecem com eles.

Catarina Balça/MS

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