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Falar à bebé, afinal, ajuda a desenvolver a linguagem

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Credit by scoutthecity

Investigação comprova que o maternalês, o discurso específico e natural que as mães têm com os filhos nos primeiros meses de vida, tem benefícios.

No dia em que Sara Ribeiro confirmou que estava grávida, virou-se para o médico e perguntou: que livro é que devo ler? Aurora já tem cinco meses, mas a maternidade coloca dúvidas a Sara todos os dias. Nos últimos tempos, debate-se com um novo dilema, desta vez, em relação à linguagem. Alguns artigos sobre os benefícios do maternalês, uma linguagem especial que os pais desenvolvem naturalmente com os bebés, vieram pôr em causa teses que sempre ouvira sobre a importância de falar corretamente com os pequeninos. Afinal, os pais devem ou não falar à bebé? “Sempre ouvi que quanto menos infantilizarmos a linguagem, melhor, mas parece que não é bem assim. Se calhar estou a fazer tudo ao contrário”, aflige-se Sara, 33 anos de vida e parca experiência como mãe. Como a maioria, Sara quer fazer tudo bem, mas “a informação parece que não é consensual”.

Mas o que é o maternalês? Comecemos pelo termo, que vem do inglês “motherese”. Há quem traduza para “maternês”, que não é consensual porque deixa de fora o pai (embora esta linguagem seja maioritariamente usada pelas mães), e quem prefira a expressão “parentês” (de “parentese”, em inglês) para incluir mãe e pai. Maior concordância reúne a palavra maternalês porque reporta ao discurso e não ao género de quem adota o discurso, explica Maria Filomena Gaspar, professora da Faculdade de Psicologia e Ciências Sociais da Universidade de Coimbra. Na prática, maternalês é a forma de os pais falarem com o bebé, usando um tom exagerado, um ritmo quase cantado e palavras pequenas e repetitivas carregadas de afetividade.

É inegável que uma expressão como “olááááaá bebééééé”, que pode levar muitos a revirar os olhos, chama a atenção dos mais pequeninos. E, segundo estudos científicos publicados nos últimos anos, está provado que ajuda a desenvolver a linguagem nos primeiros meses de vida. O maternalês acontece em vários idiomas, incluindo português, de uma forma tão natural que os pais muitas vezes nem dão pela mudança de estilo. E porquê? Porque o impulso para o uso daquele tom e daquela linguagem “abebezada” e emotiva é um comportamento biológico, natural. E não é exclusivo dos homens. Os primatas também o usam, como comprovaram estudos realizados com gorilas e chimpanzés-pigmeus a comunicar com as crias.

Mais palavras, mais interação

Os investigadores andam há vários anos a analisar este discurso dirigido aos bebés e a tentar perceber as suas consequências. Em 2014, conseguiu-se provar que as crianças com quem os pais desenvolvem o maternalês possuem três vezes mais palavras no seu vocabulário quando chegam aos dois anos do que as que não ouvem esta linguagem.

Mais recentemente, uma nova investigação do Instituto de Aprendizagem e Ciências do Cérebro (I-LABS), da Universidade de Washington (EUA), reafirmou os benefícios do maternalês. “Já há algum tempo que sabemos que o uso do maternalês está associado a melhores resultados na linguagem”, defendeu Patricia Kuhl, co- diretora do I-Labs, citada em comunicado. “Acreditamos que funciona porque é um gancho social para o cérebro do bebé: o tom alto e o seu ritmo mais lento são socialmente atrativos e convidam o bebé a responder”, acrescentou a investigadora, após a publicação, no ano passado, do artigo na conceituada revista científica “Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America” (PNAS).

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Credito: Paul Hanaoka

O último estudo coordenado por Kuhl vai mais longe do que os anteriores e confirma que há benefícios deste discurso, pelo menos, até à criança completar um ano e meio, e ainda mais se os pais receberem algum treino neste tipo de linguagem. Para chegar a tal conclusão, os investigadores gravaram o discurso de pais e de bebés com seis, dez, 14 e 18 meses, separando um grupo de famílias com formação em maternalês e outro grupo sem treino. Entre os 14 e os 18 meses, as crianças das famílias treinadas deram um salto significativo no desenvolvimento da linguagem. Foram capazes de pronunciar corretamente palavras como banana ou leite com o dobro da frequência das crianças cujos pais estavam no grupo de controlo. As diferenças no vocabulário também são relevantes: os bebés dos grupos treinados diziam em média umas cem palavras, em comparação com as 60 do outro grupo. “Quanto mais os pais usam o maternalês naturalmente em suas casas ao falar com os filhos, melhor e mais rápido essas habilidades de linguagem se desenvolvem. É um catalisador social para a linguagem. Faz com que as crianças não apenas ouçam, mas também falem”, refere a codiretora do I-LABS.

Sara dedica boa parte do dia a falar com a bebé Aurora. Não sabe se usa bem o maternalês e tem dúvidas sobre se é correto empregar palavras como “miau” para se referir ao gato ou “popó” quando aponta para o carro. Mas sente, isso sim, que quando é mais emotiva a falar ou a ler, a bebé reage mais. “Costumo ler-lhe os clássicos da Disney e, quando sou mais expressiva, noto essa diferença”, observa.

A psicóloga Maria Filomena Gaspar especifica que “miau” ou “popó” por si só não é “maternalês”. “Olha o popó”, dito de forma simples e sem entoação, é muito diferente de um “olhóóóóó popóóóó, que lindooooo!”. Portanto, se inseridas num discurso afetivo, ritmado e dirigido ao bebé, aquelas palavras podem encaixar no maternalês, um discurso “muito importante” na relação da mãe/pai com o filho. “É como se o bebé reconhecesse naquele tom que ali está quem cuida dele”, acrescenta.

A linguagem e a vinculação com os pais

Adriana Ribeiro de Sousa, terapeuta da fala e diretora técnica do Centro Terapêutico Pedagógico Deslocar Palavras, em Setúbal, sustenta que “através do maternalês, a criança relaciona-se de forma precoce com aspetos linguísticos, como sons, expressões faciais, ritmo, contribuindo para o desenvolvimento da linguagem”. E mesmo que não entenda o conteúdo da mensagem que lhe está a ser transmitida, “é-lhe proporcionada a oportunidade para exercitar as suas capacidades linguísticas”.

Os resultados dos estudos sobre o desenvolvimento da linguagem dos bebés expostos ao maternalês não surpreendem Maria Filomena Gaspar. “O que mais determina o desenvolvimento de uma criança é a vinculação segura com o cuidador. A linguagem é relação e são as relações que nos definem como humanos”, destaca a docente de Psicologia, que em 2017 fez parte do júri de uma tese de mestrado sobre o tema. “A linguagem universal das mães à conversa com os bebés: estudo exploratório sobre o reconhecimento das características do maternalês em mães portuguesas”, de Ana Paula Mendes Mateus, foi um dos primeiros trabalhos sobre maternalês feitos no país e conclui que também em Portugal há uma forma específica de os adultos comunicarem com os bebés.

“Podemos dizer que as mães portuguesas reconhecem que modificam a sua voz quando falam com os seus bebés. […] Reconhecem a identidade do maternalês e mostram que usam essas estratégias com os seus filhos e que têm consciência de que isso é diferente do seu habitual”, concluiu a autora. Agora “interessa continuar estes estudos e codificar estas interações ao vivo, tal como tem sido feito a nível internacional”, defende Maria Filomena Gaspar. Perceber, por exemplo, até que ponto o maternalês pode proteger e prevenir situações em que a qualidade da relação do bebé com a mãe ou pai possa estar comprometida por algum motivo – questões de saúde mental dos progenitores, questões de temperamento do bebé – e também estudar esta linguagem especial em bebés prematuros, com atraso no desenvolvimento ou com patologias, sugere a também terapeuta familiar.

A idade certa de cada criança

Mas até que idade devem os pais manter este discurso? Maria Filomena Gaspar prefere não dar receitas porque o que faz sentido com uma criança pode não fazer sentido nenhum com outra. Em termos gerais, pode dizer-se que o “maternalês deve prevalecer nos primeiros seis meses” e, depois, à medida que a criança começa a avançar no seu conhecimento linguístico, os pais podem alternar os discursos e assegurar que, nesta interação, aprendem as palavras corretas. Mas não há datas ou etapas a cumprir. A mensagem é “conheça-se a si e ao seu bebé” e deixe fluir “enquanto se sentir confortável naquela relação”. E dá um exemplo: há crianças mais difíceis que podem precisar de mais maternalês, “deste discurso de afeto que transmite emoção e permite a vinculação”. Tem a ver com as características de cada um, “é como uma dança e as danças têm de fluir”, ensina a psicóloga, que é também educadora parental no programa Anos Incríveis.

Adriana Ribeiro de Sousa verifica que, “à medida que as crianças crescem, o discurso dos pais é modificado, e o uso do tom infantil é reduzido”, mas reconhece que não há uma idade específica para pôr um ponto final neste estilo de comunicação. “Deve reduzir-se por volta dos seis/oito meses para dar lugar a uma linguagem com mais conteúdos”, realça. Alerta, porém, que o uso do maternalês não é visto com bons olhos por todos os especialistas. “Há quem identifique desvantagens nesta forma de comunicar, afirmando que é uma forma redutora de estimular a linguagem do bebé”, diz a terapeuta da fala, notando que, embora, a aprendizagem da linguagem não seja somente realizada de forma dirigida, há outros “inputs” disponíveis que lhe oferecem o modelo linguístico correto.

Como é o maternalês

Segundo a investigadora Patricia Kuhl, esta linguagem tem algumas características:

  1. Assenta num tom geral mais alto, cerca de uma oitava acima do normal.
  2. Tem contornos de entoação muito acentuados, os graves são mais baixos e os agudos são mais elevados, soando ao mesmo tempo excitados e felizes.
  3. O ritmo é mais lento, com pausas entre as frases, de forma a dar tempo ao bebé para participar da interação social.

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JN/MS

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