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“Um profissional nunca pode abandonar os seus pacientes” – Juliano Viudes

Como um fisioterapeuta vive a segunda vaga da pandemia em Ontário

Um profissional nunca pode abandonar os seus pacientes-hamilton-mileniostadium
Juliano Viudes fotografado depois de receber a segunda dose da vacina COVID-19. Crédito: DR.

 

Juliano Viudes é fisioterapeuta no Shalom Village, um lar de idosos localizado em Hamilton, Ontário, que é dedicado à comunidade judaica. O lar tem 127 camas e até esta semana tinha 24 casos ativos, cerca de 13 utentes e 11 funcionários. O lar de Hamilton é um dos vários lares de Ontário que tem um surto de COVID-19 ativo e cujos funcionários todos os dias tentam seguir as regras de saúde pública para travar a transmissão do vírus. 

Ao nosso jornal o fisioterapeuta, que nasceu no Brasil, elogia a atuação do Governo canadiano para lidar com a crise de saúde mundial e garante que um profissional que está na linha da frente no combate à pandemia nunca pode abandonar os seus pacientes.

A pandemia mudou a forma de exercer a sua profissão e as consultas online tornaram-se numa prática corrente. Em casa e no trabalho Juliano tem um conjunto de rotinas diárias para proteger utentes e familiares que incluem desinfeção diárias das mãos e duches no fim de cada turno. Embora a vacinação tenha sido interrompida em Hamilton na segunda-feira (18) devido a escassez de vacinas, o município garante que todos os utentes e funcionários de lares de idosos vão receber a vacina. O autarca local expressou a sua frustração e confirmou que 10.000 pessoas já foram vacinadas em Hamilton. 

Juliano é um dos heróis de Ontário que já recebeu as duas doses da vacina e para além de dores musculares não sentiu nenhum outro sintoma. O fisioterapeuta diz que é gratificante que as pessoas percebam que é difícil estar exposto todos os dias para ajudar os outros, mas se pudesse trocar de profissão garante que não o faria. 

Milénio Stadium: A profissão de fisioterapeuta exige contacto físico com o paciente. Como é que te adaptaste para continuar a trabalhar durante a pandemia?

Juliano Viudes: Sim, grande parte das técnicas de fisioterapia é aplicada de forma presencial porque nós precisamos de avaliar o nível de dor que o paciente está a sentir no momento. Mas desde que vivemos com a pandemia tivemos que nos adaptar e recorremos às teleconsultas sempre que é preciso. Pela internet podemos pedir ao paciente para aplicar uma compressa de calor ou gelo de forma correta e podemos pedir-lhe para fazer alguns exercícios de fortalecimento, alongamento ou mobilização articular com objetos que fazem parte do seu quotidiano como garrafas de plástico que podem ser transformadas em peso se as encherem com água, areia ou pedras. Para além do lar, estou a estagiar no Hospital Saint Joseph e continuo a trabalhar de forma presencial com os pacientes. Mas agora temos de usar o equipamento de proteção individual, como máscara, viseira de proteção facial, luvas e bata e somos obrigados a lavar e desinfetar as mãos com muita frequência. Entre cada um dos pacientes os fisioterapeutas são obrigados a seguir um protocolo específico e a trocar todo o equipamento antes de tocar num novo paciente para evitar contágios.      

MS: A tua família percebe que a tua profissão é essencial ou têm receio que leves o vírus para dentro de casa?

JV: A minha família e amigos têm a noção de que a minha profissão tem uma probabilidade maior de contaminação, não só em relação ao vírus da Covid-19, mas toda a forma de contaminação bacteriana e viral que existe no meio hospitalar. É por isso que nós profissionais da área da saúde temos que redobrar os cuidados não só para proteger os nossos pacientes, mas para proteger também o nosso núcleo familiar. Um exemplo básico é a bata que utilizamos diariamente que para evitar contágios tem de ser guardada num local seguro no trabalho e em casa antes de ser lavada. O ideal é lavar as mãos e tomar um duche assim que chegamos a casa.

MS: Como é que descreves o ambiente no Shalom Village? 

JV: O lar de idosos onde trabalho tem um ambiente bem consciente. Logo na entrada há uma pessoa responsável por entrevistar as pessoas que entram e saem do recinto para perceber se viajaram ou se desenvolveram algum sintoma da doença. O lar também se certifica de que estamos a usar corretamente o equipamento de proteção individual e todos os dias entregam máscaras novas a todos os funcionários. Todas as paredes estão equipadas com doseadores de gel desinfetante. Os funcionários e os utentes precisam de fazer testes semanalmente para evitar contaminações, até porque alguns podem estar infetados e não terem sintomas. Acredito que o Shalom Village está a fazer a sua parte para evitarmos surtos de COVID-19 e para proteger utentes e funcionários. 

MS: Como é que os mais idosos vivem com a Covid-19? 

JV: Os idosos percebem a gravidade da situação e cooperam connosco, mas é óbvio que toda a conjuntura é difícil porque eles não podem receber a visita dos seus familiares.  

MS: Como é que te sentiste no dia em que recebeste a vacina contra a COVID-19?

JV: Não há como negar que no princípio fiquei com um pouco de receio, visto que a vacina não mostra comprovação de eficiência total de 100%. Não sabemos ainda se há mutação viral, mas sabemos que quem for vacinado tem menos probabilidades de desenvolver sintomas severos da doença. No dia em que fui vacinado fui informado de que poderia ter efeitos colaterais como febre, dor de cabeça, dores no corpo, sintomas de gripe ou reações alérgicas. Fiquei em observação durante 15 minutos, mas felizmente correu tudo bem. Na quarta-feira (20) recebi a segunda dose e para além de dor muscular na região do braço que foi picada não tive nenhum sintoma. 

MS: Como é que classificas a resposta de Ontário e do Canadá à Covid-19? 

JV: O Governo canadiano foi um dos primeiros a investir na importação das vacinas e na minha opinião destaca-se em relação a outros países porque teve a atitude certa para proteger a sua população. Além disso, o Canadá tem tomado medidas muito mais específicas e preventivas que ajudam a população em casos de despedimento e lay off por causa da pandemia.  Os subsídios são uma grande ajuda para as famílias que foram mais afetadas pela pandemia. 

MS: Se te perguntasse como é que podemos ajudar a travar a transmissão do vírus qual seria a tua resposta?

JV: Tomem a vacina logo que ela esteja disponível no mercado para todos. A vacina vai evitar internamentos porque faz com que os sintomas da doença sejam muito mais leves. Até porque a capacidade hospitalar neste momento é limitada, o que é muito preocupante. 

MS: Como é que te sentiste quando os trabalhadores da linha da frente na área da saúde foram nomeados os heróis do ano?

JV: É sem sombra de dúvida algo gratificante porque estamos a fazer o máximo que está ao nosso alcance para salvar vidas. Não podemos abandonar os nossos pacientes e estamos a lutar todos os dias para que o mundo se torne num ambiente melhor para se viver. E para que um dia possamos contar histórias aos nossos filhos e netos de um certo tempo em que a humanidade teve que se isolar para poder sobreviver. 

Joana Leal/MS

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