Peixaria Sagres
A peixaria Sagres nasceu em 1959, na rua Augusta. Foi a primeira peixaria em Toronto: a cidade não conhecia esse conceito de venda de peixe até que a D.a Arlete apareceu.
Numa época ainda com poucos portugueses, o espírito empreendedor daqueles que já cá estavam fazia-se sentir nessa rua, que aos poucos se tornou num pedaço tão próprio de Portugal, deste lado do Atlântico. Ana Maria Silva, filha de Teófilo e Arlete Fonseca, partilha connosco, na primeira pessoa, as memórias e emoções vividas intensamente nesses anos de grande dinamismo e expansão da comunidade portuguesa em Toronto.
Como nasceu a peixaria Sagres?
“Primeiro a minha mãe trabalhou num supermercado de judeus, Zimmerman na Augusta, e lá era responsável pela zona do peixe. Mais tarde, dois colegas dela que trabalhavam também nesse supermercado, dois amigos das Caldas, decidiram abrir um talho e perguntaram-lhe se estaria interessada em ter a sua própria secção de peixe. Ela aceitou: pagava a renda do espaço dela e estava ali por conta própria. Ao fim de um ano e tal, eles viram que ela estava a ter sucesso e começaram a dizer-lhe que ia ter que pagar a renda da casa completa – a minha mãe rejeitou essa hipótese, porque para ela não fazia sentido nenhum, uma vez que eles usavam a loja praticamente toda e ela apenas uma pequena parte. A minha mãe nessa loja tinha um espaço realmente muito pequeno, na altura também havia poucos portugueses, por isso ela tinha apenas um frigorífico, praticamente! Mas a partir desse momento, ela começou a ficar atenta, à procura de algum espaço ali pela zona que ficasse disponível. E realmente uma loja de judeus ficou vaga na porta ao lado, no 279 da Augusta. Aí nascia, de forma independente, a Peixaria Sagres. Com direito a reclame na montra e um Espadarte, que foi o símbolo da peixaria. Ela aí esteve uns anos e depois o senhorio começou também intimidá-la e foi quando nós comprámos a casa ao lado, que era residência, no 281 da Augusta. Esse prédio foi transformado em loja por baixo e dois apartamentos em cima. Aí então viveu a Peixaria Sagres durante 30 anos, até fechar, quando a minha mãe decidiu reformar-se.”
Ambiente na rua Augusta
“Quando eu vim para o Canadá, no dia 19 de dezembro de 1958, fui viver para a Augusta. Naquele tempo, caía muita neve… Para mim aquilo era tudo novidade, eu que nunca tinha visto neve! Lembro-me de achar que o meu pai estava a parar o táxi só para fazer qualquer coisa, mas não… Era ali que íamos viver. Era uma rua cheia de judeus e eles tinham chapéus pendurados, botas penduradas… mesmo como uma Feira da Ladra. Só passado uns anos é que começaram a chegar mais portugueses e foram “limpando” a Augusta.
No quarteirão que a minha mãe tinha a Peixaria Sagres, mais tarde e durante anos e anos, havia a Lusitânia Grocery, o Portuguese Butcher, a Ibérica Bakery: ou seja, um bloco de negócios só portugueses. A Padaria Lisboa também estava no mesmo lado da peixaria da minha mãe e eles foram os primeiros a abrir uma padaria portuguesa.
Estar na rua Augusta naquela altura, era como estar numa rua em Portugal. Até porque depois começaram a abrir vários negócios portugueses: Tivoli Billiards, agências de viagens, restaurantes… Aquela rua era realmente o ponto de encontro dos portugueses.
Conhecida na província inteira
“A Peixaria Sagres era conhecida por toda a parte. Nós enviávamos peixe para portugueses espalhados pela província do Ontário: em toda a zona, bastava haver portugueses. Eram enviados produtos de conservas, bacalhau, azeite, azeitonas… Tudo por comboio. Fizemos isso durante anos e anos. O meu pai levava as caixas e ia enviar. Nós enviávamos coisas para as pessoas sem as conhecer! Ouviam falar de nós, ou por alguém daqui que nos conhecia e comentavam uns com os outros, ou porque na altura tudo da imigração, ou da compensation, era tratado em Toronto, e assim as pessoas quando cá vinham resolver os assuntos que precisavam passavam pela Augusta e ficavam a conhecer a peixaria.”
Visita obrigatória
“A Peixaria Sagres era um ponto de encontro de grandes artistas de teatro português. Havia um empresário, Armando Albuquerque, que trazia revistas do Parque Mayer e a minha mãe vendia os bilhetes para esses espetáculos. Quando os artistas chegavam a Toronto, o Sr. Armando fazia questão de os levar à nossa peixaria para conhecer a D.a Arlete. E, tantas vezes, a minha mãe preparava-lhes um lanchinho para levarem para os motéis, porque sabia que na altura eles não tinham lá nada para comer quando chegassem. Nós nessa altura vendíamos peixe, mas também vendíamos vegetais, frutas, queijos… Nós fomos os pioneiros nisso: o queijo Castelões e o queijo da Serra era vendido ali por nós.
A Peixaria Sagres foi uma das casas que as pessoas faziam questão de visitar. As pessoas sabiam que ali encontravam os produtos bons.”
Importância na comunidade portuguesa
“Eu diria que a Peixaria Sagres teve um impacto grande na comunidade portuguesa: por um lado por ser a primeira e por outro por trazer aos portugueses algo que eles ansiavam bastante. Por isso talvez fosse dos negócios que mais impacto criou na comunidade na altura. Porque talhos existiam, apesar de serem de outras etnias, mas peixarias não existiam: a Peixaria Sagres foi a primeira peixaria portuguesa e a primeira peixaria em Toronto.
As pessoas vinham de longe, muito longe, para ir à nossa peixaria. Queriam algo que lhes soubesse a Portugal, que lhes cheirasse a Portugal, que lhes lembrasse Portugal.”
Ponto de encontro
“A Peixaria Sagres era uma espécie de ponto de encontro de portugueses. Às sextas-feiras à tarde, por exemplo, a minha mãe virava-se para a empregada e perguntava “Olha lá, fulana X ou Y ainda não apareceu?” – ela sabia as horas que as pessoas lá iam. Para além disso, o facto de vendermos outros produtos para além do peixe, fazia com que as pessoas saíssem de lá já com tudo preparado (vegetais, por exemplo) e com o que precisavam para cozinhar.
E depois tinham ali na zona tudo: peixaria, talho, mercearia, padaria… Então fazia-se tudo naquela rua. E depois o Jorge, dono da mercearia, fazia a entrega dos produtos nas casas das pessoas e levava os sacos que os clientes tinham dos outros comércios também: era tudo muito familiar.”
Ti Arlete
“A minha mãe foi sempre muito respeitada… Também por ser a mais velha. Ajudava fosse quem fosse, sem esperar nada em troca. Fez muito bem a muita gente. Quem quer que fosse bater àquela porta, nunca ia de mãos vazias.
Mesmo que eu seja suspeita, por ser filha, posso dizer que ela era, de facto, uma figura importante, conhecida e reconhecida por todos. Na altura quando nasceu a minha filha, se alguém perguntasse quem era a menina, a resposta era: “É a neta da Ti Arlete”, não era a “a filha da Ana Maria” (risos).”
A Peixaria Sagres é um marco da história da comunidade portuguesa em Toronto, mas também e muito por ser da D.a Arlete, essa grande mulher por trás do balcão.
Catarina Balça/MS
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