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Ontário: A educação vista por dentro

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Esta greve dos membros do CUPE, que agitou águas nos últimos dias no Ontário, acabou por atingir uma dimensão maior do que o Governo de Doug Ford havia previsto. Tornou-se mais do que uma simples reivindicação por melhores salários e assumiu contornos de luta pelo direito à greve e outros meios de luta dos trabalhadores. E como nas costas dos outras podemos ver as nossas, muitas outras organizações sindicais relacionadas com a área educativa, e não só, da província, começaram a posicionar-se para, ao lado dos membros do CUPE, lutarem por direitos basilares de protesto e luta.

De tal modo esta situação começou a ganhar escala que Ford e Lecce não tiveram outra alternativa a não ser recuar e aceitar sentarem-se à mesa de negociações com o sindicato que representa 55,000 membros essenciais para manter as escolas em funcionamento. Cindy Lopes é professora e tem uma opinião muito clara sobre tudo o que aconteceu por estes dias: “Os trabalhadores da educação (membros da CUPE) não tiveram um aumento adequado em 10 anos. Muitos trabalham a tempo parcial e não são pagos durante o verão. Muitos recolhem EI no verão e têm mais do que um emprego. Creio que o governo provincial não tinha qualquer intenção de negociar de forma justa com o CUPE durante o processo de negociação coletiva. Doug Ford, Stephen Lecce e este governo desvalorizaram duramente os trabalhadores da educação mais mal pagos para mostrar que são duros e usaram o CUPE como um exemplo para outros sindicatos. Mas, claramente, calcularam mal o poder da ação coletiva. Os sindicatos do Ontário juntaram-se para apoiar os membros do CUPE e condenar o abuso de poder deste governo por este ter sido errado e severo”. Uma outra professora que preferiu não ser identificada deu-nos também a sua perspetiva desta crise no setor da educação – “na minha opinião a CUPE está 100% por cento correta na posição que tomou. Alguns membros da CUPE vivem em pobreza, tendo que por vezes recorrer a auxílio, tal como banco alimentar, para sobreviverem”.

A ameaça que a decisão de Ford de usar a Notwithstanding Clause representou para os trabalhadores em geral, conseguiu mobilizar muito mais a opinião pública para a luta dos membros da CUPE, como bem evidenciou Cindy Lopes quando nos disse que “todos os trabalhadores do Ontário e de todo o Canadá, devem preocupar-se com a facilidade com que este governo utilizou a Notwithstanding Clause para retirar o direito à negociação coletiva. O governo da Ford sabia que impor um contrato sem negociação coletiva livre era inconstitucional porque os governos no passado tinham feito o mesmo e perdido. Utilizaram esta cláusula para evitar um desafio constitucional. Esta legislação anula a Carta dos Direitos e Liberdades canadiana, o Código dos Direitos Humanos, a Lei das Relações Laborais e retira aos trabalhadores o direito à greve, protegido pela Carta. Portanto, sim, é um claro ataque a todos nesta província”. Também a professora que não quis ser identificada considerou que a tentativa de aplicação da referida cláusula representou “uma ameaça à liberdade e à democracia. O direito à greve é um direito fundamental de todos os trabalhadores”.

Com a visão privilegiada de quem conhece bem o setor da educação Cindy Lopes disse-nos que na sua perspetiva “este Governo Conservador não quer financiar a educação pública. Reduziu o financiamento por estudante em 800 dólares entre 2017-2018 e 2021-2022. O sub-financiamento da educação faz parte do seu livro de jogo para privatizar a educação. O financiamento adequado das escolas públicas ajuda toda a gente na sociedade. Quando temos uma sociedade educada, todos beneficiam. O acesso a uma boa educação não deve depender de quanto dinheiro uma família ganha. O Ontário é conhecido pelo seu forte sistema educativo. Precisamos de educação pública para colmatar as lacunas da desigualdade. A espinha dorsal do sistema são as pessoas que trabalham nas nossas escolas. Este governo não respeita nem valoriza a educação pública, o que é evidente pela forma como tem tratado as pessoas que trabalham nas nossas escolas”.

A esta opinião podemos acrescentar a opinião da outra professora que identificou de forma muito objetiva e clara o que deve ser feito, na sua opinião, para melhorar o sistema educativo na província: “uma melhor remuneração que, em consequência, dará motivação e incentivo para este tipo de trabalho. Quanto aos alunos… se tiverem mais apoio têm mais sucesso”. Já Cindy Lopes considera que as mudanças que viu acontecerem nestes anos que leva de ensino não foram para melhor – “Penso que uma das maiores mudanças que vi nos últimos 20 anos que tenho vindo a ensinar é a remoção de recursos humanos do edifício da escola. Quando comecei, tínhamos assistentes educacionais a tempo inteiro, assistentes para alunos com necessidades especiais, e trabalhadores administrativos no escritório. Os alunos tinham apoio nas aulas ao longo do dia. Agora muitos assistentes educacionais trabalham a meio tempo numa escola de manhã e têm de se mudar para outra escola à tarde. Este é um resultado direto do sub-financiamento das escolas. Ter mais adultos no edifício para apoiar os estudantes durante todo o dia beneficia todos os estudantes da escola, e não apenas aqueles que precisam do apoio extra“. E acrescenta “tenho visto a subtil erosão do financiamento do ensino público ao longo dos últimos anos. O que mantém o sistema de ensino público em funcionamento são as pessoas que trabalham nas escolas e os pais que valorizam um sistema de ensino público forte. A minha esperança é que as famílias que frequentam as nossas escolas exijam que os governos deem prioridade ao investimento na educação a fim de manter o nível de excelência nas nossas escolas que os estudantes e as famílias de Ontário merecem”. Mas há quem já tenha perdido completamente a esperança relativamente ao futuro, como é o caso da professora que aceitou responder às nossas questões sob condição de anonimato, que considera que “se não houver uma mudança drástica no ensino, não vejo grande futuro para educação em geral”.

As greves, o TDSB e as escolas

O Toronto District School Board é uma das entidades que tem por missão garantir o melhor ensino aos jovens estudantes de Ontário. A gestão da rede de escolas implica também reunir os profissionais certos e as condições de trabalho mais adequadas para que a componente letiva funcione sem percalços. Quisemos saber como se prepara o TDSB para uma situação como a que vivemos no final da semana passada e início desta, ou seja, em caso de greve como pode esta estrutura organizar-se para tentar não falhar com a sua missão primeira – ensinar os alunos. Ryan Bird, Executive Officer (A), Government, Public & Community Relations da Toronto District School Board, respondeu às nossas questões garantindo que “se uma greve exigir o encerramento de escolas aos estudantes, passaríamos rapidamente à aprendizagem à distância, se possível, para assegurar que a aprendizagem pudesse continuar. Queremos que os alunos das escolas aprendam, mas se não conseguirem, tentamos continuar remotamente onde for possível. No final, continuamos esperançosos de que se possa chegar a um acordo justo que evite qualquer perturbação nas aulas e no funcionamento das escolas”.

Madalena Balça/MS

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