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“O Canadá é o país que oferece o maior financiamento público às empresas de combustíveis fósseis do G20”

Julia Levin

O Canadá é o país que oferece o maior financiamento-mileniostadium
Créditos: DR

A importância da redução das emissões de gases poluentes, acordos históricos firmados entre nações na tentativa de acabar com o desmatamento das florestas, investimentos milionários em diferentes ações de preservação ao meio-ambiente…foram muitas as promessas feitas pelos principais líderes mundiais durante a primeira semana da Cimeira do Clima organizada pelas Nações Unidas, e que contou com a presença do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau.

Para ambientalistas e outros pesquisadores do setor, no entanto, mais do que prometer, essa é a hora de agir para tentar reverter esse processo, já que o planeta está aquecendo e as consequências catastróficas disso já são notadas um pouco por todo o lado. Para falar sobre as políticas climáticas que vêm sendo adotadas pelo Canadá nesses últimos anos e analisar para onde elas nos trouxeram, e o que de fato poderia ser feito para revertemos a situação, estivemos à conversa com a ambientalista Julia Levin, que trabalha como Senior Program Manager, Climate & Energy da organização de defesa do meio-ambiente canadense Environmental Defence, que já existe há quase 40 anos.

Julia Levin tem uma visão crítica em relação à política adotada pelo governo canadiano, que insiste em fazer investimentos milionários em empresas do setor de combustíveis fósseis. A ambientalista defende que é preciso fazer a transição para sistemas de energia renovável e apostar na eficiência energética. Levin acredita que ainda há tempo, por mais que possa estar se esgotando, para que mudemos o caminho de devastação do meio-ambiente e do clima, mas diz que é preciso vontade política. Para ela, cabe a nós, como indivíduos, fazer nossa parte e fiscalizar as ações dos governos que elegemos.

Milénio Stadium: Quais são as suas expectativas em relação à COP26?

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Julia Levin, Senior Program Manager, Climate & Energy da organização de defesa do meio-ambiente canadense Environmental Defence. Crédito: DR.

Julia Levin: A COP26 deve ser um ponto de virada. Estamos ficando sem tempo para evitar as consequências mais catastróficas da crise climática. Para garantir um futuro mais seguro, precisamos cumprir a promessa feita pelos países, quando assinaram o Acordo de Paris, de limitar o aquecimento global a 1,5 graus. Entretanto, até agora, os planos apresentados pelos países estão colocando a humanidade no caminho para um aquecimento devastador de 2,7 graus. Se continuarmos neste caminho, enfrentaremos o colapso de tudo o que nos sustenta. Esta COP pode ser a nossa última chance de manter a meta de 1,5 graus ao nosso alcance. Para que isso aconteça, os líderes mundiais, incluindo o Canadá, precisam seguir alguns pontos: aumentar seu nível de ambição mostrando como eles planejam reduzir as emissões de gases de efeito estufa nesta década; parar de patrocinar o setor de combustíveis fósseis através de verbas públicas e subsídios; suspender o uso do carvão e planejar um future sem a dependência dos combustíveis fósseis e os países ricos devem pagar a sua dívida climática aos países menos responsáveis por essa crise e mais mais vulneráveis a seus impactos – cumprindo com a promessa de entregar $ 100 bilhões em financiamentos a cada ano.

MS: Qual a sua opinião sobre as políticas canadenses de combate à mudança climática? Você concorda com o imposto federal sobre o carbono?

JL: O Canadá tem o pior resultado nas políticas de ação climática dos países do G7. Somos o único país desse grupo cujas emissões aumentaram desde que o Acordo de Paris foi assinado em 2015. Temos a menor meta de redução de emissões até 2030 entre as nações do G7. E o Canadá é o país que oferece o maior financiamento público às empresas de combustíveis fósseis do G20. A COP26 é uma oportunidade para o Canadá mudar este recorde e fechar a lacuna entre ciência e ação. O imposto sobre o carbono é uma das ferramentas que o governo federal está utilizando para combater a mudança climática. É amplamente aceito como um mecanismo eficaz para reduzir as emissões e está funcionando no Canadá. Entretanto, o imposto do carbono é apenas uma das muitas ferramentas que o governo federal pode e está usando para combater a emergência climática. Sabemos que escavar e queimar combustíveis fósseis é o que está causando a crise climática – e colocando milhões de vidas no mundo todo em risco. Também está claro o que realmente significa alcançar o índice zero em emissões de gases poluentes: uma transição dos combustíveis fósseis. O Canadá precisa avançar com a limitação das emissões provenientes da produção de combustíveis fósseis e diminuir a dependência do setor, em vez de se distrair com falsas soluções, como a captura de carbono, que prolongará nossa dependência dos combustíveis fósseis. O Canadá é uma nação rica e inovadora, com muita experiência no setor limpo. Temos os meios e a capacidade para começar a implementar uma redução justa e equitativa dos combustíveis fósseis que garanta que nenhum trabalhador ou comunidade seja deixado para trás.

MS: Qual é sua opinião sobre a nomeação do novo ministro federal do meio ambiente? Os canadenses estão melhor servidos com um antigo ativista no comando da pasta?

JL: Nas eleições do mês passado os canadenses escolheram uma política de ação climática mais ambiciosa e urgente: milhões de canadenses votaram a favor de partidos que apresentam políticas fortes para enfrentar a emergência climática e avançar na proteção ambiental.O novo gabinete federal envia uma mensagem clara de que o governo reconheceu que os canadenses querem que eles avancem mais e de forma mais rápida para evitar mudanças climáticas catastróficas. O Ministro Guilbeault tem vasta experiência e conhecimento das questões climáticas, no entanto, enfrentar a emergência climática exigirá uma abordagem unida do governo e de todos os Ministérios. 

MS: Estamos observando diariamente os efeitos das mudanças climáticas no Canadá. Você teme que isso piore e possa comprometer o futuro das próximas gerações?

JL: Como os eventos climáticos extremos deste verão nos mostraram, a crise climática está aqui. O Canadá está aquecendo duas vezes mais rápido do que a média global, enquanto o Ártico está aquecendo três vezes mais rápido. Temos visto ondas de calor devastadoras, incêndios florestais, enchentes e secas tanto no Canadá quanto no mundo.  Sabemos que estes eventos continuarão a crescer em força e frequência, a menos que reduzamos rapidamente as emissões de carbono nesta década. Neste momento estamos no caminho para um aquecimento devastador de três graus. Se continuarmos nessa rota, enfrentaremos o colapso de tudo o que nos sustenta: temperaturas habitáveis, produção de alimentos, ar respirável e água limpa. Mas o futuro que enfrentamos está em nossas mãos.Embora a janela para garantir um futuro seguro para o clima esteja se estreitando rapidamente – ainda há tempo e vale muito a pena lutar por ele. Toda escolha é importante. Cada atitude que se toma para evitar o aquecimento global é importante.  A boa notícia é que sabemos o que temos que fazer. Os combustíveis fósseis estão causando a emergência climática, por isso precisamos parar de usar petróleo e óleo.

Ao invés disso, precisamos fazer a transição para sistemas de energia renovável, e apostar muito na eficiência energética. Temos as soluções – e elas são baratas, confiável e eficaz. A única coisa que falta é a vontade política de fazer esta mudança necessária.

MS: Como você analisa os recentes investimentos federais em transporte elétrico no Canadá?

JL: A fim de enfrentar a crise climática, os governos de todo o Canadá precisam apresentar investimentos maciços em soluções climáticas, incluindo o transporte elétrico sustentado por energia renovável. Até hoje, o governo do Canadá continua a gastar significativamente mais dinheiro para apoiar as empresas de petróleo e gás do que em soluções climáticas. Por muito tempo, as empresas de petróleo e óleo têm arrecadado bilhões de dólares dos contribuintes com subsídios e apoios federais – enquanto poluem nossas comunidades, pioram a crise climática, ameaçam nosso futuro e deixam cicatrizes irreversíveis nas comunidades, florestas e oceanos. De fato, um relatório que divulgamos no ano passado constatou que só em 2020, o governo federal forneceu às empresas de petróleo e óleo um mínimo de $ 18 bilhões através de subsídios e financiamento público. O governo federal precisa parar de apoiar as empresas de petróleo e óleo e começar a investir em soluções climáticas, incluindo o transporte elétrico, especialmente o transporte público.

MS: Como ambientalista, que tipo de coisas você faz em sua vida diária para ajudar a proteger nosso planeta? Você pode nos dar alguns exemplos práticos?

JL: Garantir um planeta habitável requer uma transição para longe dos combustíveis fósseis. Embora a mudança de comportamento seja importante, precisamos pensar em algo maior. Aquilo de mais importante que podemos fazer como indivíduos é pressionar nossos representantes eleitos a priorizar a ação climática. Também podemos conversar com nossos amigos, famílias e vizinhos sobre a urgência da crise climática e a importância da ação governamental. As pesquisas mostram que a maioria dos canadenses acha que o governo federal está indo bem quando se trata de enfrentar a mudança climática. Isso simplesmente não é verdade. Somos o único país do G7 onde as emissões aumentaram significativamente desde que assinamos o Acordo de Paris. E os governos do Canadá forneceram pelo menos $ 100 bilhões em subsídios e financiamento público para o setor de petróleo e óleo desde 2015.Além de pressionar os representantes eleitos em todos os níveis – federal, provincial e municipal, encorajo as pessoas a apoiar as organizações ambientais canadenses que estão trabalhando arduamente para promover as soluções que ajudarão a limitar o aquecimento do planeta, o que levará a um futuro mais saudável para todos.

Lizandra Ongaratto/MS

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