Aida Batista

Gloria in excelsis deo

aida batista - natal

 

 

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontado.
Alberto Caeiro, Poema do Menino Jesus

 

“É Natal, é Natal…”, esta ou outras músicas ecoam por todo o lado, porque o espírito da quadra é feito também de músicas. Rituais que se repetem, ano após ano, sem nunca nos cansarmos deles. Voltamos a ser crianças, e aguardamos com a mesma curiosidade o presente, que, na idade da inocência, pensávamos ser trazido pelo Menino Jesus.
Acreditemos ou não, o advento é tempo de espera, de esperança que não morre nem se desfaz como a neve que associamos ao Natal, mesmo que ele se passe noutras geografias. Todos os presépios levam neve: feita de algodão, de esferovite ou sprays, modernices que facilitam a decoração. Os materiais alteram-se, ganham novas formas, mas a tradição mantém-se. Elementos há que são eternos, mesmo que representados de uma forma mais estilizada, como é o caso do Deus Menino. É Ele que nos une, e sem Ele não haveria Natal, porque a palavra significa natividade, nascimento, uma nova vida. Mesmo que não façamos uma representação cénica da natividade com a gruta, a manjedoura, a sagrada família, os animais e toda uma paisagem de serranias e pastores, quase todos o temos a Ele, como protagonista da festa, deitado em palhinhas ou simplesmente repousado sobre uma almofada. As imagens só variam de tamanho, porque, no que ao formato diz respeito, pouco se diferenciam, mais parecendo réplicas umas das outras.
À maior era dado o beijo, a partir da noite da Missa do Galo. No final, formava-se uma fila que se dirigia em direção ao padre, com o menino ao colo, e, após uma ligeira genuflexão, beijava-se o pé do Menino. Na época, a ninguém ocorria que esta era uma prática muito pouco higiénica, já que a fé era bem mais forte do que qualquer dúvida que se interpusesse entre Deus e os Homens.
Mais tarde, o ritual sofreu uma pequena alteração: um lenço bordado, na mão do celebrante, limpava o pé do Menino de cada vez que este era beijado por alguém, para que outro beijo se seguisse, e outro, num corrupio de beijos. Melhorou um pouco, mas nada impedia que tal gesto não contribuísse para acumular micróbios naquele pedaço de cambraia, cuja alvura escondia sérias contaminações. Os crentes aceitaram a mudança, mas continuavam a não se questionar sobre o facto de poder continuar a haver um foco de futuras maleitas. Alguém, um dia, deve ter pensado nisso, e sugerido a versão que até hoje se mantém. O beijo deixou de ser dado com contacto físico e passou a simulação. Cada fiel tombava ligeiramente a cabeça, aproximava o rosto e fingia que beijava o Menino. Cumpria-se o ritual, e evitavam-se males maiores. No adro da igreja ardiam os madeiros, mantendo acesa a fogueira à volta da qual as pessoas se aqueciam, conversavam umas com as outras noite fora e bebiam vinho quente.
Em dois madeiros cruzados, foi o Menino feito homem a crucificar 33 anos depois. Dois momentos – nascimento e morte- em que a iconografia humana é a mesma: nus, com uma simples faixa à cintura. Um em palhinhas deitado, outro pregado para sempre numa cruz.
Apetece-me fazer como o poeta, tirá-lo da cruz e, de novo Menino, tê-lo a morar comigo, a limpar o nariz ao braço direito e a chapinhar nas poças de água. Com Ele ir colher flores, roubar fruta aos pomares, correr atrás das raparigas, que vão em ranchos pelas estradas, com as bilhas à cabeça e levantar-lhes as saias. Cansado, deixá-lo adormecer e escondê-Lo na minha alma, onde não existe jardim das oliveiras. Não teria ceado pela última vez, não teria sido traído, nem bebido a última gota do cálice que o levaria até às alturas da dor para nos salvar.

Aida Batista/MS

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