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Quem sou, de onde vim e para onde vou?

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Se lhe fosse dada a possibilidade de saber mais sobre si e sobre o seu futuro, aceitava? Se para muitos a resposta imediata a esta questão fosse um convicto “sim”, para outros talvez não fosse uma decisão assim tão fácil – ou um proposta, sequer, atraente. Como em tudo, o fascínio por coisas que desconhecemos não é comum a todos os mortais – mas quando ele existe, interessa também perceber o porquê de uma procura (por vezes desesperada…) por respostas sobre aquilo que não se conhece.

A oferta é vasta: entre mapas astrais, horóscopos, leitura das mãos ou tarot – só para citar alguns – muitas são as práticas a que podemos recorrer para obtermos não só um autoconhecimento mais profundo, como também para perceber como é que eventos futuros nos podem impactar fisica e psicologicamente. Algo como: “quem sou, de onde vim, para onde vou… e quem é que posso levar comigo?”.

Mas nem tudo é sempre assim tão simples: a procura por respostas pode, muitas vezes, tornar-se numa obsessão, e mesmo do lado dos profissionais não são raras as situações onde se relatam comportamentos abusivos e manipuladores, numa tentativa de, ardilosamente, se aproveitarem das fragilidades daqueles que procuram os seus serviços.

Nesta conversa com o psicoterapeuta Tiago Souza, tentámos perceber o perfil e quais as motivações de quem procura serviços relacionados com as ciências ocultas, mas também de que forma é que isso se relaciona com a psicologia ou psicoterapia tradicional.

tiago souzaMilénio Stadium: O que motiva alguém a recorrer a serviços como, por exemplo, tarot ou leitura das mãos? O que os leva a acreditar que o seu futuro pode ser lido nas cartas, nas mãos ou nas estrelas?
Tiago Souza: Imaginemos que a humanidade carrega o conjunto de todo conhecimento desenvolvido e usado durante os séculos. Práticas místicas ligadas ao desvendar do desconhecido são tão remotas como os próprios humanos. Todos nós, hoje ou ontem, temos a necessidade de encontrarmos sentido para o que não compreendemos. O desconhecido nos assusta, tanto quanto entrar numa casa alheia quando não há luz para nos guiar. Especialmente em momentos de necessidade, ansiedade ou incertezas, nós nos apegamos a respostas que nos aliviam. Muitas dessas práticas como o tarot, as cartas e a leitura das mãos nos dão uma resposta imediata e sucinta para questões transcedentais ou existenciais. É o alívio imediato, numa busca incessante que todos temos para as perguntas mais fundamentais de nossas existências, muitas das quais nos angustiam.

MS: Podemos olhar para este interesse e procura deste tipo de “ciências ocultas” como um certo fascínio pelo desconhecido, característica inerente à natureza humana?
TS: Com certeza. O desconhecido é tudo o que nos fascina, assusta e nos move a conhecer. O não-saber é, em fato, condição absoluta para que nos conheçamos e conheçamos o mundo. Neste sentido, o fascínio é um mecanismo de adornarmos o medo. Se refletirmos, toda ciência é, em certo sentido, parceira do oculto, enigmático, desconhecido. E os seres humanos continuam indagando, sendo as ciências, ocultas ou acadêmicas, a maneira sistemática e coletiva de formularmos perguntas na busca de respostas.

MS: Não havendo, até aos dias de hoje, evidências científicas que comprovem a veracidade deste tipo de ciências ou pseudociências, como podemos explicar o constante interesse e procura pelas mesmas?
TS: As ciências de evidência, acadêmicas e o método científico, como o conhecemos hoje, é muito recente. Somos muito mais ligados ao que prevaleceu por milênios na nossa história e civilização, do que o método cartesiano, por exemplo, que é do século XVI e responsável pelo desenvolvimento das ciências modernas. A alquimia, a astrologia, e até mesmo as crenças religiosas com seus métodos próprios responderam aos enigmas humanos por muito mais tempo, e com miuto mais impacto popular. E mesmo hoje, o desejo de sermos reconhecidos, pertencermos e nos reconhecermos no mundo faz com que um mapa astrológico seja mais bem recebido do que um processo de psicoterapia, que custa mais, não é imediato e demanda da pessoa muito trabalho de investigar os próprios defeitos e dilemas. É muito mais fácil abrir o jornal, receber uma dica atraente sobre a possibilidade de um novo emprego ou promoção – mesmo que nunca tenhamos aplicado para esse emprego ou memso pedido por um aumento ou troca de cargo!

MS: Considera que diferentes culturas e backgrounds sociais podem ter influência na forma como as pessoas procuram saber mais sobre o desconhecido? Se sim, de que forma?
TS: Sim! Culturas que são fundadas em tradições mais espirituais, sincréticas e religiosas tendem a buscar mais respostas a temas ligados com a nossa origem, destino, a morte e as razões do sofrimento, por exemplo. Outra razão para essa procura está na escassez de recursos, na pobreza e desigualdades, que nos fazem procurar um sentido para tantas mazelas. E como muitas das fórmulas apresentadas por numerologia, astrologia e métodos similares nos falam de predestinação, elas servem como um alívio para nossas dores, pois colocam a culpa dos problemas “nos astros”.

MS: Existem casos em que as pessoas tentam encontrar respostas a todo o custo – será que esse desespero faz com que as mesmas possam ser facilmente manipuladas por profissionais menos éticos dentro destas áreas?
TS: Essa é uma das muitas razões pelas quais essas práticas acabam sendo nocivas, pois muitas pessoas maliciosas se utilizam dos métodos nada claros de se obter respostas, e capitalizam em cima do sofrimento alheio. O desespero nos faz acreditar no inacreditável, confiar cegamente nas mais duvidosas fontes, e aceitar o que em outras circunstâncias nunca faríamos. Mas que fique claro, a exploração acontece em qualquer campo do saber, ciência ou pseudociência. Mas o denominador comum é o se obter vantagens sobre os que sofrem e buscam um sentido para suas dores e dilemas.

MS: No seu entender, que benefícios e malefícios podem advir desta busca de respostas relacionadas com o desconhecido, através destas práticas?
TS: Os psicanalistas Sigmund Freud e Carl Jung estudaram o oculto. Para Freud, o interesse nas ciências ocultas foi uma maneira de se compensar o terror causado pela Primeira Guerra Mundial. E Jung dizia que a astrologia, mandalas e cartas de tarot, por exemplo, nos apresentam símbolos universais, ou arquétipos, que se relacionam com nossa natureza humana. Os astros, os céus, a morte, o destino e a divindade são alguns desses símbolos, presentes em praticamente todas as civilizações e nos dão um senso de segurança e pertencimento, em contraste com as dores inomináveis, tudo o que não conseguimos explicar, e nossa presença nesse universo vasto e potencialmente atemorizador. E os malefícios se relacionam com as óbvias respostas estereotipadas, que apenas nos ajudam na superfície, mas de maneira alguma nos auxiilia a encontrarmos um sentido mais sólido e profundo, sobre quem somos, de onde viemos e para onde vamos.

Inês Barbosa/MS

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