“Que o alimento seja o teu remédio e o remédio seja o teu alimento” – Hipócrates (citado por Susan Camargo)
Perder peso é um assunto sério e é como tal que deve ser encarado. Com seriedade. Por respeito a si próprio. Isto porque se trata de uma questão que se relaciona sempre com uma componente importante da vida que é o cuidar do nosso organismo – quer na perspetiva de saúde física, quer envolva questões relacionadas com a saúde mental. Por isso quando se toma consciência dos excessos e respetivas consequências – aumento de peso e outras questões de saúde associadas, como por exemplo, dores articulares, problemas cardíacos ou outros – deve-se procurar ajuda junto de quem sabe.
A ajuda de profissionais qualificados é crucial e nesta conversa com a dietista/nutricionista Susan Camargo (BSc RD – Registered Dietitian Ontario – @nutri.no.Canada), fica bem clara esta ideia. Claro que tudo deve partir de si. Da sua capacidade de encarar um problema que tem (excesso de peso) e querer efetivamente resolvê-lo. De preferência, sem causar outros problemas de saúde mais graves, como acontece quando se embarca em dietas loucas ou se ingerem medicamentos que são anunciados como milagrosos. Só que, meus caros… nesta e em tantas outras áreas da nossa vida, não há milagres.
Milénio Stadium: Estamos num mês em que são muitos os que, ou porque têm consciência dos excessos feitos no período de Natal e Ano Novo ou porque a mudança de ano lhes trouxe a vontade de esquecer velhos hábitos e fazer uma vida mais saudável, querem perder uns quilos. O que sugere para começar a transformar um desejo em realidade?
Susan Camargo: Primeiramente eu investigaria as razões pelas quais esta pessoa quer mudar o corpo: estética, saúde, condicionamento físico, autoestima etc. Se for apenas mudanças para alterar números na balança, talvez não a motive realmente ou a motivação irá acabar no momento em que a pessoa alcançar aquele número desejado – significando que, talvez, após alcançar o seu objetivo, os hábitos alimentares voltarão a ser o que eram antes. Então, o primeiro passo para deixar hábitos antigos para trás e ser uma pessoa mais saudável é não pensar em dieta! Isso mesmo! Pois dietas malucas têm dia para acabar, geralmente 2-3 meses, já a mudança de estilo de vida, não!
A mentalidade é a primeira coisa a mudar nesse caso, ter uma razão profunda pela qual se deseja mudar, que não seja apenas o número a reduzir na balança. Por exemplo: adquirir mais saúde, melhorar um exame de sangue (açúcar, colesterol etc.), viver sem dores, desinchar, desinflamar, melhorar massa magra, ter mais condicionamento físico, etc.
Então, transformar os desejos em realidade envolve estabelecer metas realistas, criar um plano alimentar com mudança verdadeira de hábitos alimentares, isso envolve aprender a comprar produtos saudáveis, cozinhar mais, comer menos carbohidratos simples e ultra processados etc., e incorporar essas mudanças gradualmente. Procurando apoio, mantendo o foco e celebrando pequenos progressos ao longo do caminho. Uma equipa multidisciplinar como um dietista, naturopata, médico e psicólogo podem ajudá-lo a alcançar os seus objetivos de forma saudável e gradativa.
“Tudo na vida acontece de forma gradual e com a perda de peso não é diferente. Apenas reflita quanto tempo (ou anos!) levou para você chegar no peso que está hoje? Pelo menos alguns meses. A perda também não será rápida. Fuja de promessas de perda de peso em semanas e dietas milagrosas, pois a perda de peso rápida pode ter várias consequências, algumas das quais podem ser prejudiciais à saúde.” Susan Camargo • Nutricionista/dietista
MS: Estamos numa era em que tudo acontece de uma forma rápida. O mundo está de facto muito acelerado e também nestas matérias de cuidar do corpo (saúde física e mental) há a tendência para querer atingir um determinado ponto de equilíbrio da forma mais rápida possível. Que consequências isso tem para o organismo?
SC: Precisamos urgentemente de desacelerar quando falamos de saúde! Não existem resultados rápidos que sejam duradouros. Se pensarmos em condicionamento físico, flexibilidade, etc. não conseguimos correr uma maratona de 10 km se não nos prepararmos, certo? Para tudo deve haver uma preparação. Tudo na vida acontece de forma gradual e com a perda de peso não é diferente. Apenas reflita quanto tempo (ou anos!) levou para você chegar no peso que está hoje? Pelo menos alguns meses. A perda também não será rápida. Fuja de promessas de perda de peso em semanas e dietas milagrosas, pois a perda de peso rápida pode ter várias consequências, algumas das quais podem ser prejudiciais à saúde. É importante notar que a velocidade com que o peso é perdido pode variar de pessoa para pessoa, e as consequências podem depender de diversos fatores, incluindo a quantidade de peso perdido, os métodos adotados e a saúde geral da pessoa. A perda de peso rápida pode gerar: perda de massa magra, deficiências nutricionais, fadiga, desidratação, fraqueza, enfraquecer sistema imunológico, problemas cardíacos, efeito sanfona, queda de cabelo, e o comprometimento da saúde mental/emocional.
MS: Outra questão que interfere muito com estas vontades de emagrecimento rápido é o que “está na moda”. Ou o que está a resultar é o jejum intermitente e todos passam a fazê-lo, mesmo sem orientação médica, ou está na moda fazer uma dieta sem hidratos, ou uma dieta paleo, etc. … ou se tomam drogas milagrosas que prometem arrasar com qualquer gordura em excesso. Há uns tempos para cá começaram a ser usados medicamentos dirigidos para o tratamento da diabetes para redução do apetite e consequentemente, se conseguir o tão desejado emagrecimento rápido. O que lhe ocorre dizer sobre tudo isto?
SC: A decisão de praticar o jejum intermitente (JI) é pessoal e depende de vários fatores, incluindo a saúde geral, objetivos específicos, estilo de vida e preferências individuais. Antes de iniciar qualquer tipo de jejum intermitente, é recomendável consultar um profissional de saúde, como um médico ou dietista, para avaliar sua situação de saúde e garantir que o jejum seja seguro e adequado para você. Existem várias formas de fazer o jejum intermitente e um profissional vai garantir que mesmo com o jejum, não haja deficiências nutricionais em sua dieta. A mesma coisa para dietas paleo ou keto, elas podem ser feitas, porém com ajuda profissional para que não sejam feitas de qualquer forma ou apenas seguindo o que o “ blogger” passou! Lembre-se que cada corpo e necessidades nutricionais são diferentes, não é porque funcionou para uma pessoa que vai funcionar para outra. O que a ciência nos mostra sobre o jejum intermitente é uma pequena melhora na saúde cardiovascular, incidindo no perfil lipídico, colesterol, triglicerídeos e pressão arterial. Para perda de peso, existem estudos comparando o JI e a restrição calórica geral, e os dois grupos perderam peso similarmente. E ainda não existem estudos em humanos sobre outros benefícios do JI como melhora cognitiva, longevidade, saúde mental quando comparamos com a restrição energética geral. Outro grande problema em excluir grandes grupos alimentares como carbohidratos, carnes etc. seria o desequilíbrio nutricional da dieta, por isso a minha recomendação seria – antes de iniciar qualquer grande mudança na dieta deve consultar profissionais de saúde.
Já as drogas milagrosas são um outro problema! Geralmente, referem-se a substâncias que são comercializadas como soluções rápidas e eficazes para a perda de peso, muitas vezes prometendo resultados extraordinários sem a necessidade de dieta ou exercícios. O uso dessas drogas pode estar associado a uma série de problemas e riscos para a saúde. Primeiramente precisamos explorar as razões que levam pessoas a quererem resultados rápidos, e o histórico de saúde, emagrecimento etc. de cada um, depois disso traçar um plano realista.
MS: Qual é a verdade que existe entre o uso de drogas com o Ozempic ou Wegovy e o emagrecimento?
SC: A verdade é que essas drogas se tornaram populares por conta de celebridades nas redes sociais, usando-as para emagrecer e perder gordura rapidamente. Porém, o composto semaglutido é uma droga para o tratamento de diabetes tipo 2 (DM2). Ela age no organismo para diminuir o açúcar sanguíneo e diminuir a velocidade do esvaziamento gástrico o que pode levar a menor ingestão calórica e diminuição do apetite. Porém, nada é milagroso e perfeito. O que os estudos de qualidade têm mostrado é que, após finalizar o tratamento com Ozempic (indivíduos sem DM2) re-ganharam dois terços do peso perdido e voltaram a ter pressão arterial alta (que tinha sido previamente corrigida enquanto tomam Ozempic). Já as melhoras no colesterol, triglicerídeos, LDL e HDL e proteína C-reativa mantiveram-se mesmo após parar com o medicamento. É importante notar que nesses estudos, os participantes também receberam aconselhamento nutricional e foram instruídos a praticar atividade física regularmente.
Nos ensaios clínicos com Ozempic notaram-se efeitos colaterais como náusea, vómito, diarreia e aumento nas chances de colelitíase. No próprio website do Ozempic eles descrevem que, em estudos com ratos, se notou que o uso dessa droga pode causar tumores de células C na tiroide.
Já com o Wegovy, existem sérios problemas que poderão ser causados: além de náusea, vómito, diarreia, pancreatite, hipoglicemia, falha renal, alergias, depressão, pensamentos suicidas, tontura entre outros. Por essas e outras razões, precisamos analisar com cautela o que se toma e por que se tomam certas drogas, pois sempre devem ser considerados primeiramente uma abordagem na mudança do estilo de vida, alimentação e exercício físico, em vez de partir para planos extremos e medicamentosos.
MS: Que consequências o uso deste tipo de drogas pode ter para o organismo de quem quer apenas emagrecer?
SC: Além das consequências mencionadas acima, vou deixar neste artigo algumas perguntas para reflexão pessoal, precisamos pensar: qual o plano a longo prazo? O que irei fazer quando acabar o tratamento com a medicação? Mudei o meu estilo de vida ou só queria um “quick fix”? Como será o meu impacto emocional em relação à comida? Por exemplo: uma pessoa que comia por razões emocionais e não as trata vai-se sentir bastante impactado com a falta de apetite, náusea e pouca ingestão alimentar. Reflita sobre as suas razões para querer mudar o seu corpo de forma rápida e o seu relacionamento com a comida: você come por razões emocionais? Come quando está triste, ansioso, feliz? Se a resposta for sim, não será um remédio que vai te ajudar e sim um psicólogo e um nutricionista.
MS: Partindo do princípio de que o uso de drogas (sejam elas quais forem) serve muito para esconder a falta de força de vontade ou de autocontrolo, para se entrar num processo de emagrecimento, o que é preciso tratar primeiro – o corpo ou a mente?
SC: Eu não concordo com os termos falta de vontade ou controlo. A vontade existe e a disciplina e autocontrole também! Eles só estão dormentes em algum lugar, dentro de você. Sempre vamos preferir o rápido e sem esforço, porém essa não é sempre a realidade em todas as áreas da nossa vida e com a saúde não é diferente! A boa saúde é construída todos os dias, então reflita sobre o que você tem colocado para dentro do seu corpo – alimentos in natura, integrais como grãos, feijões, frutas, legumes, sementes e castanhas ou alimentos ultra processados, cheios de conservantes e corantes artificiais? Não podemos esperar que a vontade de se exercitar chegue, temos que nos levantar e fazer, encaixar o exercício na nossa rotina, de alguma forma.
Não podemos achar que alimentando-nos mal vamos conseguir envelhecer bem e sem doenças. Precisamos tirar tempo para preparar refeições cheias de cores e sabores. Muitas pessoas que eu atendo falam que não têm tempo, porém precisamos de nos colocar como prioridade e cuidar da nossa saúde. Fazer exames de sangue de rotina, analisar a dieta e a necessidade de suplementos, tirar tempo para aprender a cozinhar e passar mais tempo na cozinha. Deixo-vos com a famosa frase de Hipócrates para fechar a reflexão: “Que o alimento seja o teu remédio e o remédio seja o teu alimento.”
Madalena Balça/MS
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