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Portugal: Avanços e recuos

 

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À terceira foi de vez: Portugal aprovou a despenalização da eutanásia a 9 de junho deste ano, com a maioria dos 230 deputados a votar a favor dos quatro projetos apresentados pelo Partido Socialista (PS), pela Iniciativa Liberal (IL), pelo Bloco de Esquerda (BE) e pelo Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza (PAN) que regulam a morte medicamente assistida. Mas o debate já se vinha a “arrastar” desde 2018: nesse ano, com os partidos de direita em maioria no parlamento, a lei foi chumbada.

Já em março de 2021, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, declarou inconstitucional o diploma aprovado no Parlamento sobre o tema e em novembro vetou uma segunda proposta de lei, alertando que o decreto previa, “numa norma, a exigência de ‘doença fatal’ para a permissão de antecipação da morte”, que vinha da primeira versão do diploma, mas alarga-a numa outra norma, “a ‘doença incurável’ mesmo se não fatal, e, noutra ainda, a ‘doença grave’”. Na proposta de lei do PS, agora aprovada, não existe qualquer referência a “doença fatal”. PS, BE e IL propõem a eutanásia em situações de “lesão definitiva de gravidade extrema” ou “doença grave e incurável” – já o PAN estabeleceu a exigência de “doença grave ou incurável”. Todos os partidos assumiram que a morte medicamente assistida obrigatoriamente ocorrerá “por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável”.

O CASO DE JEAN-LUC GODARD

Jean-Luc Godard morreu, aos 91 anos, com recurso ao suicídio medicamente assistido, na Suíça, onde segundo o código penal, o procedimento é permitido.

Godard sofria de várias patologias incapacitantes mas alegadamente nenhuma delas ameaçava a sua vida. Fonte familiar adiantou mesmo ao jornal Liberátion que o cineasta francês “Não estava doente, estava simplesmente exausto”. Ora transpondo o caso de Jean-Luc Godard para a realidade portuguesa surge a questão: uma morte medicamente assistida seria possível, nestas circunstâncias, caso se legalize a eutanásia?

A resposta foi dada pela deputada socialista Isabel Moreira: “Claro que não”. Em Portugal, é “condição absoluta” que a pessoa para a qual se apresenta um pedido de morte medicamente assistida padeça de uma “lesão definitiva de gravidade extrema” ou uma “doença grave e incurável”.

INCONSTITUCIONALIDADE

Entretanto, a Associação InFamília – associação de solidariedade social criada que tem como intuito promover diversas atividades no âmbito da família, vida e responsabilidade social, como são exemplo a prevenção e reparação de situações de carência ou exclusão social e a defesa da vida, proteção e promoção dos direitos humanos e da igualdade de oportunidades -, fez “soar os alarmes” numa audição parlamentar, no grupo de trabalho sobre a morte medicamente assistida, afeto à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, alertando para a possibilidade de os quatro projetos de lei para a despenalização da eutanásia poderem ainda conter uma inconstitucionalidade.

A questão prende-se com o facto de não existir a obrigação da família ser informada sobre o pedido de morte medicamente assistida nos projetos de lei do PS, BE, PAN e IL – segundo a associação, tal viola o artigo 66º da Constituição da República Portuguesa.

“Os projetos de lei atentam contra a família, porque não preveem a sua informação. Apenas falam na família a alínea F do artº 19º sobre os deveres dos profissionais de saúde”, afirmou Teresa Ribeiro, alertando para a possibilidade de o doente impedir o médico de informar a família do seu pedido de eutanásia. “É inaceitável. Impede os familiares de estarem presentes nem se consegue, assim, determinar com o mínimo rigor que aquela pessoa está a fazer um pedido livre, sério e esclarecido”, acrescentou, na ocasião. Já durante esta quinta-feira (6), no Parlamento, PSD e Chega voltaram a trazer referência a este ponto, mas o presidente do Conselho de Especialidade Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos, Miguel Ricou, discordou desta posição, explicando que tal terá que estar sempre sujeito à autorização do paciente: “As pessoas têm direito à sua privacidade. O que é bom para uns pode não ser necessariamente bom para outros”, argumentou.

Mas há mais: Sofia Amado Durão, da Associação VivaHáVida, denunciou uma outra fragilidade. É que estes quatro projetos de lei ditam que o pedido de morte medicamente assistida seja feito a um médico orientador, mas não especificam qualquer especialidade. “Em última instância, pode ser um oftalmologista ou um radiologista”, apontou.

CUIDADOS PALIATIVOS

Um outro tema que emergiu por consequência da discussão da eutanásia foi a qualidade (ou falta dela…) dos cuidados paliativos em Portugal.

A Associação dos Psicólogos Católicos Portugueses alertou para a necessidade de existir no país uma “resposta eficaz de paliação da dor”, já que “a qualidade e capacidade de resposta para os doentes com doença grave e incurável é escassa, débil e, em alguns lugares, absolutamente inexistente”.

ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO

Para além disso, os psicólogos católicos apontaram ainda uma outra falha aos projetos de lei: a inexistência de acompanhamento psicológico em todo o processo de morte medicamente assistida. “O único momento em que a doença mental é tida em consideração é na necessidade de um parecer psiquiátrico apenas no caso em que os médicos duvidem da capacidade de tomada de decisão do doente, assente numa vontade séria, livre e esclarecida”, argumentaram, acrescentando ainda que “não estão contemplados neste projeto questões basilares, nomeadamente a necessidade de um parecer fundamentado sobre a saúde mental da pessoa que pede a morte antecipada, a necessidade de uma avaliação psicológica com foco na capacidade de tomada de decisão, a necessidade de uma avaliação das circunstâncias atuais de vida que condicionam e influenciam a experiência do sofrimento de grande intensidade e cuja alteração introduz mudanças na perceção do grau de sofrimento e a necessidade de garantir a disponibilização de opções que possam alterar o estado de sofrimento da pessoa doente”, justificando assim a necessidade de incluir a presença de psicólogos ao longo de todo o processo.
Na reunião desta quinta-feira (6), no Parlamento, Miguel Ricou abordou o assunto, considerando contudo que o acompanhamento “não pode ser obrigatório. Mas deve ser apresentado como importante”. Acrescentou ainda que não deve ser fixado um número de sessões a serem realizadas ou existir a obrigatoriedade de se elaborar um relatório.

PRAZOS MÍNIMOS E MÁXIMOS

O presidente do Conselho de Especialidade Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos solicitou ainda que sejam fixados na lei da eutanásia prazos mínimos e máximos para a concretização do pedido do pacientes. Segundo Miguel Ricou estes devem ter em conta a situação do requerente , sendo diferenciados, por exemplo, para doentes com doenças terminais e para doentes com lesões graves.

PONTO ATUAL

Depois de ter sido aprovada na generalidade, os deputados encontram-se agora a elaborar um texto final, que será apresentado antes da votação final global. Se esse diploma for aprovado, a “batata quente” passa para Marcelo Rebelo de Sousa, que pode vetar a lei, enviá-la para o Tribunal Constitucional ou promulgá-la.

Inês Barbosa/MS

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