Temas de CapaBlog

Cantar Portugal pelo mundo

Cantar Portugal pelo mundo-capa-mileniostadium
Créditos: DR

São eles que colocam, literalmente, a música portuguesa nas bocas do mundo. O seu talento, aliado a um grande querer e persistência, levam-nos a não “arrancarem” as raízes que os prendem – ainda que estejam espalhados um pouco por todo o mundo – do seu país de origem, Portugal. São portugueses orgulhosos da sua língua e da sua cultura mas que nem por isso deixam de encontrar diversos – quem sabe até demasiados – obstáculos à divulgação do seu trabalho dentro e fora de Portugal. Nesta edição do jornal do Milénio Stadium ouvimos diferentes artistas lusos para tentarmos ver, pelos seus olhos, como está o negócio da música hoje em dia e com que tipo de dificuldades se deparam para desenvolver e mostrar o seu trabalho: Sandro G, o “pai” do rap açoriano e figura incontornável do Hip Hop português, que se prepara para lançar um podcast – The Corner Pocket Podcast – que promete agitar os media americanos e canadianos, a brilhante e versátil soprano Lara Martins, uma das cantoras portuguesas com maior difusão internacional da atualidade, tendo já sido uma das principais estrelas da produção de The Phantom of the Opera, no West End de Londres, e o eclético Zé Perdigão, uma das mais emblemáticas vozes do fado, da música tradicional portuguesa e da world music, atualmente a residir em Cabo Verde.


Sandro G

1. Sendo quase que uma língua universal, que consegue aproximar e unir pessoas de todo o mundo, a música é também, de certa maneira, uma forma de se aproximar de Portugal e das suas raízes?

Claro! Eu canto em todo o lugar, eu vim de Califórnia há três semanas e sempre vim com a minha “língua açoriana”, não canto em inglês. Já há 25 anos que canto, na comunidade portuguesa. Tenho quase 50 anos, já tenho filhos que também já estão a fazer música, eles querem seguir os meus passos. Já corre no sangue! Eu é que não posso… Posso fazer um ou dois shows, mas não posso viver a vida de um Sam The Kid e dos Wet Bed Gang, sou um pai de cinco filhos. Tenho dois negócios – um de construção e um de limpeza. Então, para eu sair daqui, para ganhar 10 mil dólares… Por exemplo, um dos meus contratos é 30 mil dólares por mês – quem é que me vai pagar isso? Para eu viver uma vida de cantor eles têm de me pagar meio milhão de dólares, é o que eu faço por ano, eu mais a minha esposa! Se eu abandonasse os meus negócios, se fosse brincar de rockstar ia ficar pobre. A música para mim agora é um hobbie, tive que desistir. Foi por isso que eu saí de Portugal, eu não estava a ganhar dinheiro lá, estava a ser enganado, tinha filhos, tinha a minha mulher para sustentar, uma casa e tudo… como é que eu ia fazer? Eu não podia estar lá na brincadeira – eles a fazerem o dinheiro todo e eu a ser um palhaço para eles? Não, vim-me embora. E depois fiquei independente! Ninguém canta numa segunda, terça ou quarta-feira – eu é que decidi cantar aos sábados. Se eu tiver que ir para algum lugar, vou embora na sexta-feira à noite e volto no domingo à noite para ir trabalhar na segunda-feira! E não estou a ganhar muito dinheiro… Eu aprendi muito: uma vez em S. Miguel um tipo disse-me que me dava mil dólares para fazer um espetáculo. Perguntou-me “queres o dinheiro já?” e eu respondi “se me quiseres dar metade agora e metade depois, tudo bem!”. Sabes quantas pessoas entraram no espetáculo? Sete mil! Ele levou cinco euros cada bilhete, faz a conta – 35 mil dólares! Ele fez 34 mil dólares e eu fiz mil! Então eu aprendi muito… Eu digo a toda a gente: se eu tivesse escolhido ser rapper, estava falido! O que eu faço é por amor à música. Agora vou lançar o meu último disco, no Natal, e vou oferecê-lo!

2. Acha que, de uma forma geral, permanecer ligado às raízes portuguesas é uma mais-valia ou, por outro lado, um entrave?

Sim, podia ter chegado mais longe… Mas eu adoro as ilhas, sempre adorei! Quando eu comecei a cantar com o sotaque açoriano nunca parei, porque sempre gostei da minha terra. Fui criado no mar, com animais – cavalos, vacas, cabras -, cheguei a ter animais aqui também na América, fui sempre criado de modo açoriano. Nunca fui criado de forma americana! Aprendi o inglês, mas a maioria dos meus amigos são açorianos, portugueses…

3. Quais considera serem as principais barreiras que encontrou e que, eventualmente, ainda encontra para se afirmar no mundo da música? 

As rádios! Eles querem ouvir o “tiroliroliro e o tiroliroló”, querem ouvir 1970 e 1980… Os gajos que estão na rádio, quando eles morrem já está uma ambulância à espera deles! Eles já estão mesmo prontos para morrer! Sempre que ligamos a rádio está a tocar música brasileira ou algo do género. Eles vão ao lixo encontrar a pior música que há no mundo para tocar na hora de vir para casa. E depois não é só isso: tens que ouvir 15 minutos de venda de bacalhau, chouriço, leite, pão de milho… Quando chega o Natal eles adoram! Sabes porquê? Porque podem tocar Frosty the Snowman, Rudolph the Red Nosed Reindeer… é tudo música de Natal! Depois do Natal e depois disto tudo eles não sabem o que hão de tocar! São pessoas que não percebem mesmo de música – e ainda têm bandas! É uma vergonha! 

4. Nos tempos que correm, será que é o talento que “fala mais alto” e que exerce maior influência no sucesso de um artista ou, ao invés disso, é essencial ter-se uma boa promoção?

Eu lancei o meu último single com o DJ Souza, o Todo Dia – assinámos um contrato de um single com a Sony. Não é o McDonalds nem o Burger King, é a Sony! E ninguém me perguntou uma única pergunta! “Sandro, vives aqui em Fall River, nos Estados Unidos, assinaste um contrato de one single deal com a Sony…” – eu não estou a falar do Mickey Mouse, estou a falar da Sony! E não me perguntaram nada! É como se eu não existisse! Então o que é que eu fiz? Despachei-os a todos! Por exemplo, a rádio não é nada – eu sou maior que a rádio! E eles não entendem isso! Eu sou famoso na Austrália, no Brasil, na Índia – onde tem um açoriano eles todos me conhecem! Eu disse-lhes a verdade, disse-lhes que eles não sabem o que estão a fazer, que são uns palhaços. Tive que lhes dizer a verdade na cara! “Vocês têm responsabilidade, enquanto media!”. Se o Sandro G desse duas chapadas na mulher e fosse preso, saía no jornal, nas notícias… Mas como o Sandro G assinou um contrato com a Sony – uma coisa que é boa para a minha carreira e para mim – não, ninguém fala nisso. “Vamos esperar que aconteça alguma coisa de mal para falarmos nele!”. E isso não faz sentido. Mas eu estou a mudar isso tudo, eles não vão brincar mais comigo. Vou, no dia 6 de outubro, começar o meu podcast – The Corner Pocket. E nós não vamos vender bacalhau, chouriço, morcelas e azeite, nós não queremos saber disso. Os media portugueses nos Estados Unidos e no Canadá nunca mais serão os mesmos!


Lara Martins

1. Sendo quase que uma língua universal, que consegue aproximar e unir pessoas de todo o mundo, a música é também, de certa maneira, uma forma de se aproximar de Portugal e das suas raízes?

A cultura de um povo é uma amálgama de várias dimensões, desde a arte, às crenças, à literatura, a música é sem dúvida uma das principais dimensões desse conjunto de elementos que formam a identidade cultural de um país.

A minha atividade artística leva-me a interpretar música de vários países e de culturas diferentes da minha, mas a divulgação da música portuguesa a nível internacional é uma parte muito importante do meu projeto artístico, é sempre com grande alegria, satisfação e sentido de responsabilidade que o faço.

2. Acha que, de uma forma geral, permanecer ligado às raízes portuguesas é uma mais-valia ou, por outro lado, um entrave?

Uma mais-valia e uma grande honra! Nunca me senti discriminada, bem pelo contrário, cada vez que menciono a minha nacionalidade, sinto sempre uma grande curiosidade e entusiasmo da maior parte das pessoas pela nossa cultura. A cultura portuguesa faz parte do meu “ADN” como artista e eu abraço-a com muito orgulho e espírito de partilha.

3. Quais considera serem as principais barreiras que encontrou e que, eventualmente, ainda encontra para se afirmar no mundo da música? 

O mundo da música é um mundo maravilhoso, mas obviamente muito difícil. É um caminho longo de formação e realização pessoal que nunca está verdadeiramente terminado. Um artista é intrinsecamente insatisfeito, quer sempre mais independentemente do que já tenha atingido. Essa constante insatisfação é fonte de alguma frustração, que pode causar alguma insatisfação, mas que ao mesmo tempo nos dá motivação para continuar o caminho. As barreiras estão sempre lá, o importante é ter a motivação para as ultrapassar.

4. Nos tempos que correm, será que é o talento que “fala mais alto” e que exerce maior influência no sucesso de um artista ou, ao invés disso, é essencial ter-se uma boa promoção?

Na minha opinião é um pouco de tudo. O talento é obviamente essencial, uma carreira artística de qualidade, sólida e com alguma longevidade, não se consegue de um momento para o outro. Com a atual popularidade dos concursos de talentos, há uma tendência para se pensar que as coisas acontecem instantaneamente, mas a realidade é muito diferente. Uma carreira é construída com formação, e inteligência, e claro que a promoção tem um papel essencial, mas ela não pode começar antes de existirem já bases sólidas para serem promovidas. Querer “fazer omeletes sem ovos” geralmente dá mau resultado!


Zé Perdigão

1. Sendo quase que uma língua universal, que consegue aproximar e unir pessoas de todo o mundo, a música é também, de certa maneira, uma forma de se aproximar de Portugal e das suas raízes?

Na música não há fronteiras. Ela é como o sorriso; é uma linguagem universal. Desde sempre e através dos trabalhos que lancei não sigo uma estética, sou muito eclético musicalmente, sou uma forma de derrubar fronteiras entre géneros musicais (risos), aliás em Portugal os experts na matéria nunca conseguiram catalogar-me ou seja atribuir-me uma prateleira. (risos) No meu primeiro trabalho discográfico “Os Fados Do Rock” são canções do universo pop/rock mas com uma estética musical diferente e cantadas como que se tratassem de fados.  No segundo álbum “Sons Ibéricos” fomos beber na essência ibérica, a junção de Portugal e Espanha se assim quiser. 

“Sonidos Ibéricos” foi o quarto álbum para o mundo e com maior incidência na América Latina e comercializado somente nas plataformas streaming e este álbum foi um contemplar a palavra de grandes poetas espanhóis e sul-americanos como por exemplo Pablo Neruda, Gabriela Mistral, Federico Garcia Lorca…  O quinto álbum, “EnCanto”, é cantado em crioulo e contém 10 faixas de autores cabo-verdianos, a saber: Zé Rui de Pina, George Tavares, Epifânio Tavares (Fany), Silvio Brito e Dino d`Santiago.  Quanto ao que me leva a aproximar-me de Portugal e das minhas raízes, é preciso lembrar que ninguém escolhe o ventre, a localização geográfica, a condição socioeconómica e a condição cultural para nascer. Nascemos onde Deus determina. Por isso, temos que cuidar de todos aqueles que estão em todos os recantos deste planeta que é a única casa para todos nós, e eu sou feliz por ter nascido em Portugal e ser português, mas sempre tenho a noção de que o mundo é a minha casa.

2. Acha que, de uma forma geral, permanecer ligado às raízes portuguesas é uma mais-valia ou, por outro lado, um entrave?

Um dos aspetos que definem a identidade de um povo, de uma nação, é o uso de uma língua em comum. O português nos coube como herança, e citando Fernando Pessoa; “A minha Pátria é a língua portuguesa”, a par de todas as diferenças de vocabulário ou organização textual, falantes da língua portuguesa somam mais de 260 milhões de pessoas em nove países que têm o idioma como oficial. Trata-se do quinto mais usado no mundo, o terceiro no Ocidente e o primeiro no hemisfério sul.

Só lamento que as relações entre Portugal e os outros países de língua oficial portuguesa se resumam a: eles mandam os artistas e Portugal manda o dinheiro (risos). É notório desde sempre que o contrário não existe: veja, a população do Brasil são mais de 200 milhões de pessoas, ninguém conhece um artista português da atualidade por lá, referência para eles ainda é a diva Amália Rodrigues ou Roberto Leal, lamentável. Ao invés todos os portugueses conhecem os artistas brasileiros, vão aos concertos e compram os discos deles.

3. Quais considera serem as principais barreiras que encontrou e que, eventualmente, ainda encontra para se afirmar no mundo da música? 

Depende de que forma se está na música. Eu estou na música pela música, sou um intérprete e só canto os poetas e os compositores que estejam num padrão de acordo com o que sinto. Sou um artista que se preocupa com o que gravo e o que canto, o meu legado é a minha obra.  Diariamente, nós enfrentamos desafios, diariamente nós vencemos batalhas. A vitória pode-se obter com pequenas conquistas diárias. E cada vitória tem o tamanho do seu desafio.  A minha voz já me levou mais longe do que alguma vez eu imaginava. Sou grato a Deus por tudo que de mal ou bem me acontece e aceito tudo com resiliência e humildade. 

4. Nos tempos que correm, será que é o talento que “fala mais alto” e que exerce maior influência no sucesso de um artista ou, ao invés disso, é essencial ter-se uma boa promoção?

Tudo pode parecer mais fácil quando se tem o talento para fazer alguma coisa, mas só o talento não basta para que alguém alcance o objetivo. Talento sem persistência, sem paciência, sem preparação, sem esforço, sem trabalho, é nada! Talvez nunca surja uma oportunidade real para que se veja o talento reconhecido ou descoberto, principalmente quando se pensa que só porque se tem talento as portas irão abrir-se com muito mais facilidade. Mentira. E o mundo da música é dos mais competitivos. E por favor nunca confundam êxito/sucesso com mérito. Eu sigo o meu caminho e novamente cito; “Caminheiro não há caminho, faz-se caminho ao andar”, sei que é um caminho mais duro e difícil, e assim Deus me ajude.

Obrigado a todos(as) que têm suportado também e por vezes dividido um pouco do peso desta cruz que carrego com muito amor, e que felizmente sou eternamente grato pelo carinho, afeto e apoio de muitas e muitas pessoas espalhadas pelo mundo que admiram e gostam do que eu faço, e isso é o mais importante para mim.  Bem haja.

Inês Barbosa/MS

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER