Temas de Capa

A maior riqueza

 

No próximo 28 de abril perfaz 83 anos e tem uma agenda mais ocupada do que muitos na casa dos vinte anos. Trabalha, toma conta de bisnetos, como já tomou dos filhos e dos netos. Confessa que desde que enviuvou gosta de andar assim, ocupada. Já passaram 22 anos e a morte do companheiro de vida ainda magoa a sua alma.

Maria Rodrigues, vive há 43 anos no Canadá e é a matriarca da família que construiu. Tem quatro filhos, sete netos e nove bisnetos. “Todos muito unidos” diz orgulhosa. A vida não foi fácil neste país tão diferente do seu.

Maria trabalhou muito e, como diz nesta conversa, sempre fez o que pode para ajudar os filhos. Talvez por isso tenha conseguido mantê-los sempre por perto, apesar de reconhecer que foi uma mãe “dura”. Até pode ter sido, porque o sentido de proteção dos seus filhos foi sempre grande, mas a verdade é que o coração gigante e a entrega como mãe, trataram de garantir algo que Maria considera essencial e muito valioso – a união entre todos.

Maria foi cumprindo o sonho de ver os seus filhos bem, os netos também, agora pede a Deus que a deixe ver os bisnetos seguirem pelo mesmo caminho. Que assim seja!

Milénio Stadium: Como foi o princípio de vida da sua família no Canadá?
Maria Rodrigues: Oh não foi fácil… eu vim para aqui em 71. Depois, dali a um ano, trouxe os meus quatro filhos. Começaram a ir para a escola, e eu sempre a trabalhar, o meu marido a trabalhar, não é? E então, depois da escola os meus filhos não quiseram continuar. Cada um foi trabalhar. Os princípios foram um bocadinho duros, porque quando eu vim para cá os trabalhos não eram muito certos e o meu marido trabalhava, era trabalhador, gostava de trabalhar, só estava contente quando estava a trabalhar, mas os trabalhos não eram certos. Eu tive que trabalhar de noite e de dia para conseguir as coisas. Não esqueça que éramos seis pessoas. Começámos assim a vida, mas depois, graças a Deus, tudo deu certo.

MS: Dona Maria, a senhora disse-me que esteve um ano aqui sem os seus filhos, como é que foi estar um ano sem eles?
MR: Ai, foi duro, muito duro, muito duro. Eu dizia ao meu marido que queria ir-me embora e ele dizia assim: “não não agora viestes, tens que ficar…”. E depois ao fim de um ano, os meus filhos vieram para cá, porque eu sentia muita falta dos meus filhos, que eles foram quase sempre criados comigo. O meu marido foi para a França e eu fiquei com três e com outro na barriga. A vida foi um bocadinho dura no princípio, mas graças a Deus tudo correu bem.

MS: A senhora tem hoje uma família muito unida.
MR: Somos todos muito unidos, graças a Deus.

MS: E o que é que acha que fez com que fossem assim tão unidos?
MR: Eu fiz muito pelos meus filhos, ajudei-os em tudo o que eu pude. Depois de casarem vinham todos os fins de semana para minha casa. Os meus netinhos foram quase criados comigo aos fins de semana, sempre na minha casa. Foi assim, aqui nos unimos sempre todos. E agora estou com os bisnetos também. Os bisnetos também são tudo para mim agora.

MS: Que diferenças é que nota entre as famílias de outros tempos e aquilo que hoje vê nas famílias de hoje?
MR: Ai noto muita diferença. Sabe eu fui muito dura para os meus filhos. Fui mais dura do que o meu marido?

MS: Em que aspeto?
MR: Não os deixava fazer nada? Não os deixava sair sozinhos. As minhas filhas se quisessem ir a algum lado ou tinha que ir eu com elas ou tinha de ir o pai. E a vida de hoje é muito diferente. Eu, até às vezes, sabe o que eu digo? O tempo antigo havia de vir para trás, nem que só fosse um ano. Hoje há muita liberdade, é muita liberdade? Os filhos têm muita liberdade. Mas eu até acho que hoje é muito melhor do que era o tempo antigo, porque os filhos do tempo antigo tinham uma vida mais dura, mais curta, porque os pais eram duros. Eu, pelo menos era dura.

MS: A senhora era assim porquê? Tinha medo que lhes acontecesse alguma coisa?
MR: Era. Era. E foi a forma como fui educada com os meus pais, não é? E eu casei muito nova. Casei com 16 anos. O meu pai era muito duro. Os meus pais eram very nice, mas o meu pai era um bocadinho duro para mim também. E eu era muito da borga, gostava muito da borga (risos) e o meu pai não me deixava. Por isso casei tão cedo. Casei com um homem maravilhoso de quem ainda hoje, passados 22 anos, sinto muita falta. Muita.

MS: Mas em relação ainda as diferenças desses tempos relativamente a agora… hoje a família tem muitas formas, não é? Não é só pai e mãe e filhos. Pode haver dois pais, duas mães. Como é que a senhora olha para estas mudanças?
MR: É bom ser assim porque o tempo agora é de outra maneira que não era antigamente. Vive-se de outra maneira, que não se vivia antigamente. E eles têm todos uma vida boa. E eu como já disse tenho muito prazer de estar com os meus netos todos. É uma maravilha de netos que eu tenho. Agora tenho os bisnetos e peço a Deus que os meus bisnetos vão pelo caminho que foram os meus netos, que estão todos bem de vida. Graças a Deus somos todos muito unidos. Juntamo-nos muito amiúde. Todos.

 

Maria Rodrigues e netos. Créditos: DR.

 

MS: Mas imagine que um dos seus bisnetos ou netos lhe diria assim: “Avó, eu sou gay, vou casar com um homem”. A senhora como é que reagiria a uma situação dessas?
MR: Antigamente era capaz de não aceitar, mas hoje aceitava. Pronto, cada um é como é e pronto. O que interessa é serem felizes, mas cada um é como é. Nós não escolhemos a nossa coisa, pronto. E hoje já aceitava. Antigamente não aceitava. Mas hoje já vou mudando.

MS: Se eu lhe pedisse para me dizer o que é que é mais importante numa família, o que me diria?
MR: Temos que ser todos unidos. Temos que aceitar tudo o que vem e ser unidos. Eu honro muito a minha família. Ainda agora, aqui há dias, eles me fizeram uma surpresa. Eu tinha saído e até me assustei porque eu tinha saído e tinha deixado as luzes todas apagadas. Quando eu vi as luzes acesas em toda a casa, disse “Ai Jesus, quem é que me acendeu as luzes? Eu deixei tudo apagado”. Cheguei, abri a porta… ai que grito eu dei! Estava a ver os meus bisnetinhos todos, os meus netos aqui dentro da minha casa a fazer-me uma surpresa. Só disse: “oh my God”. Vieram todos passar a noite comigo, para recordar velhos tempos. Os meus netinhos foram criados muito comigo. Os fins de semana eram sempre na minha casa e agora eles quiseram lembrar essa recordação.

MS: Podemos dizer que a família é a sua maior riqueza?
MR: É a minha maior riqueza. É a minha família. Somos unidos. Os meus filhos, os meus netinhos e os bisnetinhos agora. E eu estava sempre a pedir a Deus Nosso Senhor que me ajudasse a criar os meus netos. Queria ver todos bem de vida. Agora já peço diferente.

MS: Então o que é que pede agora? Diga lá.
MR: Agora peço a Deus que me dê saúde para ver os meus bisnetos todos bem de vida. Mas não pode ser. Vou fazer dia 28 de abril, 83 anos.

MS: Mas ainda trabalha…
MR: É a minha distração, o trabalho. Sabe que o meu marido já morreu há 22 anos. Eu fiquei sozinha e o que me vale é andar sempre fora de casa e distrair-me, que em casa não estou bem. Nunca estou bem em casa.
MB/MS

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER