A Jornada Mundial da Juventude, a Igreja e os abusos de menores
Na conversa aberta e franca que tivemos com o Bispo Auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, a revelação das conclusões do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja (CIEAMI), foi abordada. Sem tabus, nem subterfúgios. Afinal, estamos a falar de uma organização que tenta ligar cada vez mais jovens à Igreja. Parece quase irónico, nesta altura em que tudo o que sempre se falou e suspeitou veio a público com o “selo” de confirmação atribuído pelo conjunto de individualidades que realizou este trabalho – na Igreja Católica portuguesa, ao longo dos anos, foram muitos os que se aproveitaram da sua posição e proximidade de crianças e jovens para deles abusarem sexualmente. Uma vergonha para a Igreja e uma marca extremamente dolorosa para os abusados. Uma mancha para as JMJ? Américo Aguiar responde.
Milénio Stadium: Recentemente, em Portugal, foi revelado o relatório da Comissão de inquérito sobre os abusos sexuais praticados por padres sobre menores na Igreja em Portugal. Sei que defende que este relatório não vai manchar as JMJ, mas não acha que é inevitável que isso aconteça quando se trata de uma organização que pretende precisamente ligar os mais novos, os jovens, à Igreja Católica?
Bispo Américo Aguiar: Quando digo que não mancha, não estou a negar que vai marcar as Jornadas. É que eu gostava mais de sublinhar duas outras coisas: 1 – a dor das vítimas não prescreve. Podemos estar a falar de coisas acontecidas há um, dois, 50, 60 anos… a dor não prescreve. Temos de ter todos consciência disso. Depois, como diz o nosso querido Papa Francisco, são feridas que, se calhar, nunca na vida vão sarar. São feridas permanentemente abertas. E quando eu digo que não mancha, é querer dizer que isso é secundário. O que é importante, o que deve estar em destaque é o sofrimento que não passa. É mais nesta perspetiva que eu digo isso, depois aquilo que significa para a jornada, eu estou convencido que ainda bem que há este relatório. Ainda bem que se promoveu o relatório e ainda bem que estamos a fazer este caminho. Mau era não o ter feito, mal era chegarmos a esta altura e sentirmos que não tínhamos feito o que devíamos ter feito.
Naquilo que é a nossa responsabilidade mais direta, estamos a trabalhar com a APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, com quem, dentro de poucos dias, vamos estabelecer um protocolo que nos vai ajudar, desde já e até à jornada e mesmo após a jornada, a sermos exemplares naquilo que significa a prevenção de todo e qualquer acontecimento que possa acontecer. Mas mais do que isso, porque a APAV não trata exclusivamente a questão dos abusos sexuais, trata de tudo aquilo que possa ser uma vitimização. De tantas possibilidades que existem. E a APAV será nossa parceira naquilo que significa nós correspondermos com as melhores medidas, as melhores precauções, as melhores metodologias que existem para que quem vier ao nosso encontro se sinta seguro, esteja seguro e nós estejamos todos também descansados quanto à segurança do nosso encontro, da presença dos jovens entre nós e no regresso às suas vidas.
MS: Relativamente aos abusadores que ainda estão entre nós e muitos deles, pelo menos segundo parece, ainda estarão a exercer como párocos. O que é que a Igreja portuguesa está a pensar fazer no imediato a esses abusadores?
BAA: Hoje, dia 3 de março, a Assembleia Plenária dos Bispos da Conferência Episcopal Portuguesa vai reunir e essa será a temática exclusiva dessa reunião. A avaliação do relatório e também as medidas que a Igreja vai tomar, divulgar e vai comunicar em relação a essa matéria. E eu, pessoalmente, também estou na expectativa porque o que temos ouvido e como a minha querida amiga está a dizer, o que temos ouvido é que existem pessoas no ativo, em funções e nessas circunstâncias, mas isso não pode nem deve acontecer e não estamos a pôr em causa aquilo que possa ser a presunção da inocência de quem quer que seja. Mas se nos dizem que há pessoas que estão em funções e que, enfim, abertamente e que comprovadamente estiveram ou estão envolvidos em casos destes, isso não pode de facto acontecer.
MS: Acha provável que o Papa Francisco peça formalmente desculpa às vítimas portuguesas de abusos sexuais, quando estiver em Portugal?
BAA: Não tenho uma bola mágica de cristal, mas o Santo Padre, em todos os países onde tem ido, seja no contexto da Jornada Mundial da Juventude, seja noutro contexto de visitas oficiais ou apostólicas, ele não tem deixado de dizer e de fazer o que considera ser o mais certo em cada circunstância e cada momento. E a temática dos abusos sexuais não tem passado ao lado dessas decisões, não é verdade?
Jornada Mundial da Juventude
O que se faz? Como são vividos estes dias pelos jovens?
São apenas 5/6 dias, mas serão vividos intensamente. Lisboa (melhor dizendo, a Área Metropolitana de Lisboa) vai acolher jovens que vêm de 183 países e que nestes dias vão aumentar 2 a 3 vezes a população da cidade. O que os motiva, cada um saberá, mas o que vão fazer nestes dias ficamos agora a saber com a ajuda do Bispo Auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar.
Milénio Stadium: O que é que acontece nos dias em que decorrem as jornadas? O que é que fazem os jovens?
Bispo Américo Aguiar: Vamos imaginar que o jovem fica alojado na paróquia aqui perto – num primeiro momento, a primeira atividade em que os jovens que já estiverem presentes em Lisboa são convidados a participar será na missa de abertura, que é presidida pelo Senhor Cardeal-Patriarca de Lisboa. E aqui, normalmente nas Jornadas, digamos que já participam eventualmente 200, 300.000 jovens, mediante aqueles que já estejam nessa altura e nós estamos a falar logo no primeiro, segundo dia da jornada. Entretanto, depois quarta, quinta e sexta, aos jovens, é-lhes oferecida a participação nos encontros, nos workshops, no que se chamavam catequeses e os jovens vão participar organizados por idioma, por língua e participam nesses encontros formativos e de oração também, em que eles são convidados a refletir, a falar e também a ouvirem da parte de um bispo, reflexões sobre a questão ecológica, a questão da economia de Francisco, a questão da fraternidade universal. Enfim, tantos problemas e tantas dificuldades que são comuns à vida dos jovens e que durante estes dias são motivo de reflexão nestes encontros que lhes são proporcionados. Depois têm: na quinta-feira é o dia do acolhimento ao Papa. O Papa Francisco preside a uma atividade que se chama de boas-vindas na tarde de quinta-feira. E aí já estamos a falar de uma participação muito significativa da parte dos jovens. Na sexta, o Papa preside à Via Sacra. Portanto, ao fim da tarde de sexta-feira, o Papa preside à Via Sacra e os jovens também são convidados a participar. Depois, no sábado e no domingo, já no tão conhecido Parque Tejo, estamos a falar de um espaço similar, quase a 100 campos de futebol, ou seja, estamos a falar de três/quatro quilómetros de extensão em que mais de 1 milhão de jovens estarão nesse território e aí haverá a noite da vigília presidida pelo Papa. Aí ficam a dormir os jovens em regime de acantonamento e depois, no domingo, nesse mesmo local, o Papa preside à missa do envio, a missa final. É anunciada a próxima sede da Jornada Mundial da Juventude e à tarde, antes de ir embora, o Papa encontra-se com os voluntários. Portanto, tem sido tradição que os Papas pedem para se encontrar só com os voluntários da jornada. Podemos estar a falar de 20, 30.000 voluntários, que foram as pessoas que trabalharam para que tudo pudesse acontecer e às vezes não viveram diretamente a jornada porque tinham que estar a trabalhar, para que tudo corresse da melhor maneira. Assim, por alto, é isto. Ao longo da semana também há atividades culturais, recreativas, musicais, da iniciativa dos grupos portugueses, mas também muitíssimo da iniciativa dos grupos estrangeiros que nos visitam.
MS: É o tal intercâmbio de culturas.
MS: Exato! Os jovens estarão espalhados pela cidade de Lisboa e mesmo pelas cidades aqui à volta, com a programação portuguesa e com programação estrangeira promovida e proporcionada pelas comitivas dos países que nos visitam. Eu aproveito para dizer que já temos inscritos jovens de mais de 183 países.
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