Aida Batista

Tempo e espaço de viagens

Monumento ao Pescador - Aida Batista - milenio stadium

 

Depois que entregámos a condução da meteorologia aos santos, esta ficou sujeita aos seus caprichos, como decreta a sabedoria popular. S. Pedro, por exemplo, é o responsável pelos dias de chuva ou de sol, já Stª Bárbara é quem controla os raios e trovoadas. Acima dos santos, estão os deuses, e não fazemos cerimónia em plantar torres eólicas pela paisagem, desconhecendo que funcionam por força de Eolos, o deus grego dos ventos.

Ao paganismo, contrapomos o santo fundador da Igreja Católica e, na passada semana, fizemos dele o guardião do nosso tempo, durante o passeio que fizemos pelo Minho. Desde o início, as escovas do limpa para-brisas do jipe iniciaram uma dança a dois tempos com as gotas de chuva – ora mais grossas, ora mais finas -, que tombavam sobre o vidro. Empurradas pelo movimento sincrónico, escorriam e acumulavam-se no asfalto.

Lentamente, foram estendendo lençóis de água, por onde o olhar atento da condução se deitava para rasgar o tecido líquido, que se levantava de um lado e do outro como ondas que se lançam sobre as margens da estrada.
Horas e horas de chuva intensa até Castelo de Neiva, onde acalmou como se tivesse percebido que era chegada a hora de saciar a fome do corpo e satisfazer o espírito na contemplação do mar e da inspiração do odor a maresia que não existe nas praias do Sul. Em terra, alguns barcos coloridos lembravam os que haviam partido em busca do pão com que sustentavam as famílias nos dias de espera. “O pão que o diabo amassou”, como diz o povo, porque não era fácil a vida de pescador.

Continuámos junto à costa, na esperança de podermos subir ao santuário do monte de Stª Luzia, a santa portadora da luz, em Viana do Castelo. Mas os santos, que também já foram humanos, nunca se libertaram de comportamentos que a estes pertencem. Na abóbada celestial onde vivem, quebram a monotonia dos dias digladiando-se entre si, e se S. Pedro fez uma pequena trégua à chuva, Stª Luzia envolveu o monte num nevoeiro cerrado que não nos atrevemos a romper. Era um pedido para que voltássemos noutro dia, como fizemos.

pesar da auréola de neblina que cercava a catedral, de vez em quando, abria-se uma janela de luz para gáudio nosso que, no mínimo, conseguimos fotografar a imponente silhueta do monumento embrulhado em névoa.
E continuámos pelo Minho, seguindo a rota do vinho verde e do milho (algum feito já carolo para acender o lume), dos cantares, dos viras dançados ao som das concertinas, dos trajos tradicionais, do peso das arrecadas a rasgar orelhas de minhotas e corações de ouro pousados no peito, dos espigueiros que, entre si, disputam o estatuto do dono. Após várias horas de convívio dentro e fora do habitáculo da viatura, chegámos à terra da nossa anfitriã – Ponte da Barca.

Os topónimos, por alguma razão ganham certos nomes e, para se ser ponte, tem de haver rio. O Lima ali estava, mais minguado de leito por não ter escapado à seca que assola o país. Por isso abençoávamos a chuva, na esperança de que ela diminua o tamanho das margens por onde passávamos. Durante três dias, atravessámos muitas pontes, percorremos montes e vales, desfiladeiros, que nos proporcionaram paisagens deslumbrantes, em lugares esconsos por onde passámos, onde se escondia o casario granítico.

S. Pedro foi generoso. Doseou chuva e abertas que nos permitiram tirar partido de todas as nesgas de sol nas dobras da paisagem, com a Galiza por perto. O linguajar do outro lado tão presente, demonstra relações de vizinhança que contrariam o provérbio: “De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento”.
Em bom casamento terminou a nossa viagem, lavrado no assento da amizade e no juramento fiel de lá voltarmos.

Aida Batista/MS

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