Ninguém leva a mal

Carnaval é a alma se fantasiando em poesia. Autor desconhecido

Em semana de Carnaval, mesmo para quem não aprecia particularmente esta festa, não se pode fugir à alegria dos foliões que, integrados em corsos, ou, por espontânea vontade, desfilam mascarados pelas avenidas, ruas e praças do país e também da nossa diáspora.

Como “É Carnaval e ninguém leva a mal!”, também eu achei que teria de vestir a crónica desta semana com palavras que abordassem um tema mais solto e divertido. Ao longo da minha vida, passei por vários episódios insólitos, mas continuo a surpreender-me e a divertir-me com muito do que me acontece. Por ter nascido ainda na primeira metade do século passado, tive o privilégio de atravessar um tempo em que predominava o que era manual, para depois assistir aos primeiros passos da informática e, gradualmente, ir-me adaptando ao universo digital. Estou grata à vida por me ter permitido assistir ao confronto entre estes dois mundos, porque ainda temos gerações que se têm de se socorrer de amigos ou familiares para concluírem pequenas tarefas do quotidiano, cuja execução já não permite o recurso ao manual e presencial.

Sempre que sou confrontada com determinadas situações que exigem o preenchimento de determinados formulários, que já não têm existência física, penso sempre nos nossos velhos indefesos, obrigados a dar a conhecer a terceiros detalhes das suas vidas privadas, que dantes eram resolvidos na intimidade de um atendimento personalizado. A única vantagem é que não são inundados com a quantidade de e-mails que, diariamente, vão parar ao meu “SPAM”. Dir-me-ão que há uma maneira de bloquear o emissor. Já o fiz diversas vezes, mas eles insistem, recorrendo a outras máscaras (leia-se perfil).

Sabemos que muitos deles são fraudulentos e se, por mero lapso clicamos no link (que serve de isco), de imediato sofremos as consequências, que vão desde os vírus que nos dão cabo dos computadores, até ao acesso a dados que lhes permitem entrar nas nossas contas bancárias e fazer estragos, tanto maiores quanto os saldos existentes.

No meu caso, não há semana em que não tenha pacotes pendentes nos correios, notificações de pagamentos em atraso de algo que nunca encomendei, atualização de situações bancárias com bancos onde nunca tive contas, ofertas avultadas de heranças que a minha origem humilde não justifica, métodos de emagrecimento tão rápidos e eficazes, que, se os pusesse em prática, facilmente me tornaria num fio de azeite!

Também não me faltam pedidos de encontros amorosos, em que “impressões apaixonadas e inesquecíveis me aguardam”, invocando que “nunca é tarde para amar”, mesmo que seja para dormir com estrangeiros e concretizar as minhas fantasias. E para serem ainda mais persuasivos, lançam o desafio: “Acende desejos, abre o mundo de relacionamentos inesperados”. Entrando num campo, igualmente doméstico, também não falta a oferta de berbequins e de facas japonesas, como se eu alguma vez precisasse de armas brancas para matar o tempo!

Apago as mensagens assim que as recebo, mas não posso deixar de admitir que também me divirto muito com algumas, como as que prometem livrar-me “das varizes de uma vez por todas”. Duas há, no entanto, que me são de uma enorme utilidade. A primeira tem a ver com uma oferta constante de tratamentos para a minha próstata que, felizmente, está muito bem e, até ao momento, ainda não mostrou sintomas de qualquer tipo de alteração. A segunda é a que me dá instruções para aumentar o tamanho do meu pénis. Como nunca chego a abri-las, continuo a viver na ignorância das possíveis vantagens que me traria, mas apetecia-me responder que ainda ninguém se queixou ou reclamou. Por isso, mais vale deixar-me estar como estou, resignada aos centímetros com que a natureza me dotou, tendo como lema o conteúdo de uma outra mensagem que aconselha “Sexo discreto em paz”.

Aida Batista/MS