Aida Batista

Não guardar para amanhã

the-time-concepts-2022-11-01-23-45-20-utc - milenio stadium

 

Pela rua do “já vou” chega-se
à casa do nunca.
Miguel Cervantes

 

Estamos em finais de novembro e a iniciar a quadra natalícia. Como é habitual, marcam-se encontros de celebração. Além de o espírito natalício ser propenso a este tipo de eventos, pesa também o facto de, por estes dias, muitos e/imigrantes estarem de chegada, e outros de partida, o que gera uma maior onda de encontros. Temos ainda de ter em conta que a pandemia interrompeu muitos dos habituais convívios anuais, sucessivamente adiados, que sentem ser agora o tempo de os reatar. Em alguns casos, o número de pessoas pode chegar ou até ultrapassar as 10 pessoas, mas, noutros, limita-se a juntar três ou quatro.

Com a vantagem de nos podermos organizar em grupos de Whatsapp, é muito fácil lançar a ideia e fazer circular a informação em tempo real, considerando que nas nossas faixas etárias, já quase todos nos encontramos reformados. Apesar disso, cada vez é mais difícil marcar uma data e hora, conforme se trate de almoço ou jantar. Há sempre alguém que já tem um compromisso marcado, uma saída planeada ou qualquer outra razão que o impede de se juntar. A troca de sugestões mantém-se, desde a alteração de datas ou a sugestão de um outro leque de propostas, até que “in extremis” se chega a um consenso. No caso de já não haver vaga no calendário do presente ano, algumas dessas reuniões ficam adiadas para o início do ano seguinte.

Até há bem pouco tempo, a idade da reforma significava uma total disponibilidade para se fazer tudo aquilo que não pudera ser feito quando se estava na vida ativa. Ao contrário, hoje, quase todos se queixam que, depois de aposentados, têm vidas de tal modo preenchidas, que é como se nunca tivessem abandonado os seus empregos. Ou se sentem obrigados a cuidar dos netos, ou o fazem de livre vontade, ou se entregam a um interminável número de atividades que pouco tempo lhes resta para os momentos de lazer.

A esperança e qualidade de vida que atualmente se vive em muito contribui para que, apesar da idade, as pessoas sintam energia suficiente para, de boa vontade, se colocarem ao serviço de terceiros. Esta aprazível entrega ao que nos torna mais úteis era-nos negada quando cumpríamos a nossa normal carga horária de trabalho, lutávamos pela natural progressão na carreira, nos entregávamos à exigente tarefa de educar os filhos, à aquisição de casa através de empréstimos bancários, à compra de carro e tudo o mais que fazia parte do modelo de uma vida confortável da classe média. Pensávamos que depois teríamos uma vida calma que nos permitiria colocar um “V” numa lista de pequenos prazeres que havíamos planeado. Acabamos por andar na mesma correria, de uma ocupação para outra, como se uma mão invisível premisse o botão de aceleração do filme das nossas vidas, negando-nos uma velhice em câmara lenta.

Continuamos a não ter tempo para encontros de família, para convívios, para os amigos e, às vezes, para tomar um simples café ao rodar da esquina. Qualquer coisa se interpõe entre o querer e o poder, como se os relógios andassem todos desencontrados uns dos outros.

Um dia, de rompante, recebemos uma notícia, e conseguimos tempo para ir aos funerais dos que partem. É quando se repete a lamentação do costume: o inesperado do acontecimento; a conversa que, apesar de marcada, não chegou a acontecer; o telefonema que, de tão adiado, não foi feito; o abraço de despedida que ficou por dar, arrependimentos que, de tão tardios, nada acrescentam ao facto consumado.

Sem convite e sem hora agendada, ali estamos a prestar a última homenagem, usando o tempo do que poderíamos ter feito e não fizemos. Em vida!

Aida Batista/MS

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER