Aida Batista

A obra de Rui Nabeiro

rui nabeiro - milenio stadium

 

 

ma obra que tem uma pátria, uma comunidade, uma família e um rosto.
Daniel Oliveira, Jornal Expresso

 

 

Iria fazer anos na próxima terça-feira, dia 28 de março, mas quiseram as forças do destino que lá não chegasse. Ao homem de ambições e muita vontade, esta última foi-lhe negada como se lhe bastassem todas as outras que em vida conseguira conquistar. E foram muitas.

A notícia chegou na manhã de 19, dia de S. José (em Portugal, o Dia do Pai), através das habituais notificações do telemóvel: morreu o Comendador Rui Nabeiro, aos 91 anos. Estava internado com complicações respiratórias, tinha mais de noventa primaveras de vida, mas, ainda assim, acreditava-se que pudesse ludibriar a chegada da morte, tal como nos primórdios da sua vida empresarial conseguira enganar as forças da ordem, durante a prática do contrabando que nunca escondeu.

Filho de gente pobre e muito humilde – mãe analfabeta e pai que aprendeu a escrever o nome na tropa para poder ter carta de condução -, a sua escolaridade ficou-se pela 4ªclasse. Ao tempo, era o que se podia dar os filhos, já que para mais do que isso havia que sair da terra. Embora tivesse vivido e convivido com meninos de pé descalço e ele já tivesse direito a um “sapatinho”, a verdade é que, para além desse pequeno luxo, não havia a possibilidade de mais, ou seja mandar os filhos ir estudar fora.

E o menino Rui ficou na sua terra, Campo Maior, uma vila raiana no Alto Alentejo que o viu crescer e afirmar-se como o empresário que não deixou fugir as suas gentes para outras paragens. Foi como se, de forma inconsciente, tivesse ficado para poder dar aos filhos dos outros aquilo que os seus pais nunca tinham tido possibilidade de lhe dar a si.

Pouco a pouco, foi-se afirmando e internacionalizando com a marca que é hoje conhecida e reconhecida em todo o mundo – Delta. Numa entrevista explicou que, quando lhe foi proposto este nome, o achou de boa acústica, querendo com isto dizer que lhe soava bem quando dito. “Até um chinês o pronuncia” – rematou.
Não saberia na altura, tenho quase a certeza, que correspondia à quarta letra do alfabeto grego, equivalente ao “D” latino, nem que um delta era um terreno entre os dois braços da desembocadura de um rio ao desaguar na foz. Escolheu o nome pela sonoridade, mas este rapidamente passou a ser o símbolo perfeito de que um triângulo de terra fértil se pode multiplicar e, ao tornar-se criador de “trabalho e de vidas” como se definiu numa entrevista, chegar aos mais variados cantos do mundo.

Foi no contrabando de valores éticos – em que se destaca o altruísmo, tantas vezes praticado no silêncio dos gestos – que tocou todos os que com ele trabalharam e privaram, contribuindo para que a sua fama de humanista convicto cruzasse todas as fronteiras. Não se estranhe, por isso, que, assim que se soube da sua partida, tenha existido um amplo consenso nacional à volta da sua figura. Rendidas à sua grandeza, as vozes que se ouviram – e provinham dos mais variados quadrantes políticos, económicos e sociais -, foram unânimes no elogio fúnebre do grande visionário que o país perdeu. E foi esse país, inteiro e unido numa só voz, que se despediu de Rui Nabeiro, um homem comprometido com o seu povo, a sua terra e o seu país.

Eu seria mais uma, entre tantos, que soube da notícia quando tomava café. Fiquei a olhar para a chávena e pensei que, daquele momento em diante, o Dia do Pai ganharia não só a sonoridade de um Delta, mas ainda o aroma forte do sabor a café moído no brilho de uma estrela que habita agora o chão e o céu de Campo Maior.

Aida Batista/MS

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