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Joana Vasconcelos: Magia do sonhar e a magia da criação

 

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Joana Vasconcelos é figura dominante do panorama artístico nacional nas últimas duas décadas. Não precisa de apresentação. É uma artista portuguesa contemporânea, cuja obra é reconhecida nacional e internacionalmente. Atualmente, é uma das artistas mais cotadas no mercado e, no seu currículo, já conta com inúmeras exposições individuais e coletivas e projetos de arte pública.

jpana vasconcelos - milenio stadium (1)Começava aqui uma pequena viagem ao passado. Porque sei que a Joana nasceu em Paris, no contexto de uma guerra colonial e de uma ditadura, mas, entretanto, veio para Portugal e acabou por fazer parte de uma juventude que foi criada em democracia. Acha que esta história acaba por influenciar e é através dela que até consegue comunicar diversos valores, diversos temas, condição da mulher, desejo de igualdade, etc?
E com muito gosto que dou esta entrevista. É sempre importante eu poder explicar o meu processo, o meu trabalho, aqueles que não conhecem e mesmo aqueles que conhecem. Há sempre aquela ideia de que o artista faz tudo sozinho. Não é bem assim. Mas é preciso também entender qual é o enquadramento artístico, de que maneira é que o artista trabalha. Como muito bem referiste, eu sou filha da diáspora portuguesa, como muitos milhares de pessoas que vivem fora do país. Nós continuamos a ser portugueses. E assim foi com os meus pais. Os meus pais foram exilados políticos em Paris vindos de Moçambique. Portanto a minha família não vivia há muitas gerações em Portugal e realmente depois do 25 de Abril voltaram para um país que mal conheciam e na verdade vieram viver para Lisboa. A minha família é originária do Porto. Os meus pais estabeleceram-se em Lisboa após 1974, após a revolução e eu na verdade fui educada a ir para a escola aos três anos e sou educada internamente em democracia. Isso faz toda a diferença – toda esta introdução faz diferença – porque a minha família como vivia nas colónias e como viveu fora, não só nas colónias, mas também em França, Bélgica e até os outros lugares, na verdade tinha uma perspetiva sobre o país e sobre uma cultura portuguesa diferente das famílias que nunca saíram do país e, portanto, menos tradicional, menos conservadora e em que possibilita um olhar sobre a cultura nacional mais aberto. Isso permitiu, no meu trabalho e na forma como fui educada, também, olhar para o país, para as suas tradições e para a sua cultura de uma forma completamente diferente de famílias mais tradicionais e conservadoras que nunca teriam viajado como a minha viajou.

Record-se do momento em que pensou: ”As pessoas realmente gostam daquilo que eu estou a fazer, tenho aqui uma oportunidade de me tornar uma artista plástica de sucesso?
Não, isso não acontece. Isso é um mito urbano. Uma pessoa não fala assim de manhã- “Ai, eu sou mesmo artista plástica”. Não é bem assim. Eu acho que, como todos os cantores e escritores, é uma viagem. E o que interessa não é o princípio da viagem nem o fim da viagem. O que interessa na verdade, é a forma como se viaja. O ser artista, seja em que área for é uma descoberta constante, é uma descoberta diária em cada um, todos os dias tem de acreditar que é e que aquilo que faz sentido e que a forma como comunica com o mundo, terá alguma coisa a acrescentar aos outros…. para além de si própria. Na verdade, eu todos os dias tento descobrir que sou artista plástica. Todos os dias tenho de lutar por isso e fazer por isso.

E eu acredito que trabalhar com vários materiais que estão associados à cultura plástica portuguesa, como os têxteis, a cerâmica, seja muito importante no seu trabalho. Mas há também uma outra capacidade, por assim dizer, que sobressai, que conseguir chegar a pessoas de todo o mundo. Como é que isto acontece?
Acontece porque, para já, a cultura portuguesa é uma cultura muito forte e antiga e baseada em pilares muito bons. Ou seja, as coisas que nós fazemos, fazemos bem feitas, as coisas que estamos habituados ou os materiais a que estamos habituados a usar são de qualidade. Nós temos umas raízes, quer dizer, falando das culturas que temos de ser português, temos umas raízes bem estruturadas. E quando nós vemos uma coisa bem feita, justificada, sabemos que aquele material, aquela técnica, aquele artesanato é bem feito. Todos nós sabemos avaliar noutras culturas, quando eles estão a ser honestos e sinceros com a sua própria cultura. Eu ao utilizar elementos da cultura portuguesa e a usar o nosso artesanato, os nossos crafts, as nossas técnicas, os nossos materiais, sou apreciada não só por eles, pela tradição e pela técnica, mas também pelo meu lado artístico. Portanto, as duas coisas conjugadas têm um reflexo e um paralelismo com outros países e as pessoas dizem – “Não Não! Isto é uma coisa portuguesa”, e as pessoas sabem avaliar essas dimensões.

Uma outra característica, também muito Joana Vasconcelos, é o novo ou a diferença. E neste seguimento, a Joana criou uma fundação, a Fundação Joana Vasconcelos, que eu acho que seria interessante falarmos aqui um bocadinho. Pode ser?
A Fundação Joana Vasconcelos é fundada para apoiar outros jovens artistas da sua base, como eu fui e que realizam para além do esforço, o sonho de serem artistas. Um dos graves problemas em Portugal é a falta de apoio que há à educação artística. E eu sei disso: quando eu fui estudante também vi a dificuldade que foi para mim e para os meus pais pagar uma escola privada. Eu tive essa sorte de ir para uma escola privada, poder tirar vários cursos, mas muita gente não tem essa mesma sorte. Então eu decidi que iria apoiar outros jovens a terminar os seus estudos na área das artes e para poder haver uma maior massa artística no país e uma maior massa crítica. Entretanto comecei a fazer acordos com a Universidade de Évora, com as Caldas da Rainha, com o Arco, a escola onde eu andei, para gerar essas oportunidades a outros jovens e, no fundo, contribuir para o crescimento do país. Mas a partir daí comecei também a fazer, a dar peças para leilões, para várias causas humanitárias e não só. Temos o acordo com a Missing People Foundation em Londres, temos um acordo com a Associação das Doenças Mentais em Portugal e colocamos pessoas a trabalhar connosco nessa associação para lhes dar trabalho. Fazemos uma coisa há muitos anos com a Escola Segura e com a PSP, para criar essa ideia de que a proteção e segurança nas escolas é um bem essencial à educação e, portanto, vamos-nos associando a várias causas para, no fundo, termos um papel ativo na sociedade e dissipar um bocado aquele discurso que os artistas não servem para nada…o artista também tem um papel muito grande na sociedade e pode contribuir de uma forma direta e ativa no desenvolvimento e na melhoria da sociedade que o recebe e onde se insere. É isso que eu tento fazer não só para Portugal, como também, como para o estrangeiro.

A Joana, foi nomeada pelo website Político como uma das personalidades mais influentes na categoria de Sonhadores em 2019… é assim que se vê uma sonhadora?
Eu às vezes acordo e penso “I HAVE A DREAM’’ e tenho alguns. Graças a Deus tenho podido realizar alguns dos meus sonhos e tenho tido grande privilégio, sorte a honra de ter encontrado pessoas ao longo do meu caminho que me têm ajudado a realizar esses sonhos. Eu sou uma sonhadora, sim, com sonhos às vezes um pouco estranhos, mas que são sempre feitos a partir de quem eu sou, do meu país, da minha raiz e são sempre feitos para os outros também podem sonhar. O meu objetivo é que o mundo seja um sítio onde a prosperidade, onde a paz, o amor e a criatividade sejam um fator muito importante. E atualmente penso que a saúde também se tornou um valor inestimável. Portanto, coisas como gostar do planeta, a nossa saúde, a nossa criatividade, o nosso amor uns pelos outros e a prosperidade de todos, é aquilo que me rege a mim e à minha obra. Eu aquilo que eu posso contribuir enquanto artista, faço e continuarei a fazer, que é, a responsabilidade de poderem sonhar. O poder sonhar é fundamental para que o mundo seja um lugar melhor. Nós podemos sonhar que a paz vai existir, faz com que ela efetivamente possa ser uma realidade. E é nesse sentido que a magia do sonhar, a magia da criatividade, tem um papel muito importante para todas as áreas do mundo e para todas as pessoas. Eu posso acreditar que é possível.

Paulo Perdiz/MS

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