Espécie apenas existente em Portugal e na Galiza está à beira da extinção.
Cada vez menos pessoas se lembram de ter comido camarinhas colhidas nas matas dos areais junto do Atlântico. Quando era miúdo, e íamos à praia, as mulheres que vendiam tremoços e pevides, também vendiam camarinhas. As mulheres estendiam lençóis e guarda-chuvas por baixo dos arbustos e abanavam-nos para colher os pequenos frutos. Aquelas bolinhas brancas agridoces, refrescavam e deliciavam-nos com os seus singulares aromas silvestres. Todos os anos existia o ritual familiar de ir apanhar camarinhas, e também sentir os agradáveis e adocicados aromas que a planta liberta que fazem lembrar mel, um perfume silvestre inigualável, porém, com o passar dos anos as Camarinheiras foram sendo cada vez menos, então depois dos incêndios florestais entre a Praia de Mira e a Tocha, é raro encontrá-las.
A Camarinheira (Corema album) com frutos brancos não existe em mais parte nenhuma do mundo a não ser na costa atlântica da Península Ibérica. Estão apenas presentes em ecossistemas dunares e matas baixas, floresce entre março e maio e frutifica entre julho e setembro, sendo as suas bagas idênticas a pérolas. É uma planta que tem machos e fêmeas.
Os frutos parecem ter uma série de propriedades nutritivas excecionais, sendo ricas em minerais e hidratos de carbono, com um efeito antioxidante, contendo propriedades anticancerígenas, isto, olhando aos resultados dos estudos de uma equipa de cerca de 22 investigadores da Universidade de Coimbra, coordenados por Aida Moreira da Silva. Salvar a Camarinheira, reintroduzi-la na alimentação humana e usar as suas propriedades únicas, são os objetivos dos investigadores. Apesar de silvestres a dispersão de Camarinheiras deve-se essencialmente a uma incrível obra humana, a florestação das dunas. Na zona centro, nomeadamente no sistema dunar entre Aveiro e Figueira da Foz, foram plantadas e semeadas espécies para deter o avanço das areias, este trabalho foi feito com esforço sobre-humano por centenas de pessoas. Aquilo que hoje são florestas de pinheiros e outras espécies, antes de 1923 eram apenas areais com dezenas e dezenas de quilómetros. Foram abertos canais de irrigação, foi estrumada a areia, com extensões incríveis, apenas com o esforço humano e com a ajuda de animais e carroças, foi tudo feito à custa de muito esforço físico, sem máquinas.
A paisagem e aquilo que antes parecia um deserto sahariano, passou a ser uma enorme extensão de floresta e com uma imensa biodiversidade. As camarinhas assim como outras espécies de flora e fauna deveram a sua proliferação à obra humana. Ironia do destino, são os descentes dos semeadores e plantadores que não entenderam o incrível feito dos seus avós e que atualmente, numa sede e fúria de posse financeira, vão delapidando um ecossistema que apesar de artificial, é pró-sustentabilidade. Reduzindo cada vez mais a área de floresta dunar, construindo estradas, edifícios, zonas industriais, extraindo areias de forma criminosa, alargando terrenos para culturas extensivas e intensivas, terraplanando dunas e alterando linhas de água.
Salvar a camarinhas por si só, não será possível, é necessário salvar todo o ecossistema dunar nas suas diversas vertentes e diversidades.
Gostaria um dia de levar os meus netos, num qualquer dia de verão, a sentir o aroma meloso das Camarinheiras, misturado num nevoeiro de maresia e de cheiro a areia de mata molhada, e partilhar as caretas do amargo, misturadas com olhos brilhantes, deliciados com o doce citrínico destas pérolas das dunas. Isso sim, seria sentir a natureza com respeito e admiração.
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