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Política de perna curta

mentita tem perna curta - milenio stadium

 

Todos nós conhecemos um “Pedro” que de tanto gritar “lobo” já ninguém lhe dá crédito quando realmente algum animal feroz se aproxima para atacar as inocentes ovelhas. Fomos ensinados, desde sempre, que não devemos brincar com coisas sérias – ainda assim, vamo-nos apercebendo, conforme vamos crescendo, que a teoria é, na prática, muitas vezes outra. “Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”.

Na política, a “arte de mentir” já se tornou numa prática comum para que aqueles que estão ou querem chegar ao poder consigam moldar a opinião pública ou, muitas vezes, tentar sair de fininho de alguma situação controversa.

Mais ainda, esta capacidade de manipular, distorcer factos e construir falsas narrativas é frequentemente aceite e vista como uma habilidade estratégica – e até necessária – para manter a hegemonia social. As chamadas mentiras piedosas…

Bem sabemos que as mentiras – sejam elas de que dimensão forem e independentemente da sua intenção – podem surgir em qualquer ambiente e ocasião, não sendo portanto exclusivas do mundo político e dos seus agentes. E, como também já percebemos, mais tarde ou mais cedo a verdade acaba por vir sempre ao de cima. Mas estando cientes de que a arte de mentir ou ocultar tem sempre dois lados – o do que engana e o daquele que é enganado – quais são, afinal, as estratégias (ou, quem sabe, a conjuntura) que leva ao sucesso desta missão de levar a que milhares de pessoas acreditem numa série de promessas debitadas em incontáveis discursos?

Paula do Espírito Santo, Professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política (ISCSP), da Universidade de Lisboa, conversou com o nosso jornal e realçou que, apesar da transparência e credibilidade serem das bases mais importantes para que se conquistar o eleitorado, também a comunicação e discurso sensacionalista são poderosos ímanes de atenção, que conseguem atrair e canalizar o interesse de um povo não raras vezes descontente com a forma de governação atual do seu país.

Paula-do-Espirito-Santo-1 - milenio stadiumMilénio Stadium: Muitos especialistas defendem a mentira – ou as falsas verdades – como um mecanismo de sobrevivência humana. Mas corremos, hoje em dia, – e muitas vezes apoiados nessa premissa para “desculparmos” determinadas atitudes – o risco de vivermos num “mundo de faz de conta”?
Paula do Espírito Santo: No plano político, nos regimes democráticos, a transparência e fiabilidade da informação é um dos elementos centrais à boa comunicação e à confiança política, para uma parte dos eleitores. Contudo, a centralidade da política não é um dos elementos vitais e essenciais para outra fatia dos eleitores, que se encontram desligados dos assuntos da política e como tal, com pouco interesse sobre estes. Daí que a prática da exigência e da assunção de responsabilidades sobre as “promessas eleitorais” e outras afirmações e compromissos firmados com o eleitorado, num frenesim de informação quotidiana em múltiplos palcos, nem sempre é relevante para uma parte dos eleitores. Isto pode ser devido a múltiplas causas, como sejam, convicções políticas que filtram o que não é consonante com a “sua verdade”, o desinteresse, a apatia, o afastamento em relação à política, de entre várias causas.

MS: Num mundo que (também) gira à volta da política – e sabendo o impacto e importância que consegue ter no mesmo – como diria que o poder influencia a perceção da verdade na sociedade, a democracia e a tomada de decisões dos cidadãos?
PES: O poder político, como princípio, deseja a sua manutenção. Como tal, desde tempos ancestrais, o poder político sempre obteve sempre mecanismos de influência que permitissem a manutenção da sede ou o acesso à mesma sede do poder. Isto significa que num plano doutrinário, e já modernamente, áreas como a psicologia, a sociologia, a ciência política ou as ciências da comunicação têm sido fortes aliados no sentido do diagnóstico e apoio no plano de se explorar os recursos e mecanismos de influência de todos os que governam ou pretendem governar. Neste plano, o poder político constrói as narrativas que entende serem as adequadas em cada momento político.
O poder político sujeita-se, num regime democrático, ao escrutínio não apenas de todos os que consigo concorrem no palco da política, mas sobretudo ao escrutínio da opinião pública, canalizada através dos media como recurso fundamental das democracias. Desta forma, o poder político é gerador de influência sobre o eleitorado e sobre a opinião pública, entendendo-se que nenhuma comunicação é desprovida de intencionalidade. Como tal também o poder político visa influenciar e criar narrativas que permitam a concretização dos objetivos políticos de gestão do Estado, com o apoio e suporte da opinião pública.

MS: E, mais concretamente, quais as consequências que podem advir de uma também generalizada de imagem de que os políticos falham, na sua maioria, com a verdade? Como é que fica a estabilidade social?
PES: Quando a mensagem política não é claramente suportada em factos, quando se verifica que publicamente existem inverdades, ou incapacidade de cumprimento de promessas eleitorais ou políticas, a política e os políticos perdem. Perdem em descrédito e confiança na democracia e nos seus representantes, e abrem espaço a que novas soluções ‘miraculosas’ se instalem. Acrescem efeitos sobre a estabilidade social que, em regra, pode ficar profundamente afetada com a inoperância e incapacidade de quem está mandatado para a gestão e o serviço público mais elevado do Estado, ou seja a governação do país e não se revela apto para o fazer.

MS: Como é que, em contexto político, se consegue “moldar” as pessoas para que estas pensem de determinada maneira e sigam (muitas vezes de forma extremista) as ideologias de determinado partido ou força política?
PES: No contexto da política, também em regimes democráticos, a atratividade da informação sensacionalista concorre com todas as demais e permite canalizar a atenção e o interesse, em especial, dos que estão desiludidos com o sistema e procuram soluções rápidas e aparentemente eficazes para a resolução de velhos problemas do sistema, como a corrupção, a falta de transparência, a falta de salários dignos, e falta de habitação, etc. À atratividade da informação de soluções políticas radicais, e não democráticas, soma-se a permeabilidade às mesmas por parte do eleitorado, que encontra nestas a panaceia para os seus problemas e acredita que estas lhe trarão a desejada resposta que reverte o curso da sua sorte. Ou seja, os regimes democráticos geram as oportunidades e respostas num contexto onde a recetividade dos eleitores se alia à atratividade das soluções dos protagonistas políticos, sigam estas respostas democráticas ou não.

MS: Como se costuma dizer, até para mentir é preciso saber. Tendo isso em conta, no mundo político, a capacidade de manipular e mentir pode mesmo ser vista como uma arte?
PES: No plano político, e no da comunicação, pode-se afirmar que a informação pode ser entendida como um recurso com múltiplas possibilidades de entendimento. Como tal, a capacidade de influência constitui também um recurso ao dispor da política, sendo que se a política gera novos recursos de influência, também os eleitores se tornaram mais competentes no plano político. Ou seja, os eleitores têm mais informação, por um lado, e também mais fontes onde se basear, e têm, por outro, também mais conhecimento, ou seja, formação literária que lhes permite serem mais autónomos no seu escrutínio político. Daí que caminhamos para sociedades mais exigentes, mais competentes politicamente e também para novos patamares de influência e argumentação, que encontram eleitores de diferentes perfis, em média mais instruídos e capazes, à medida que as gerações se renovam. Ainda há esperança e deve haver para a política. Senão, what else?

Inês Barbosa/MS

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