“O mercado caminha para a profissionalização” – Ruben Martins
Ruben Martins é jornalista, trabalha no jornal Público onde é responsável pelo desenvolvimento do áudio desse jornal de referência em Portugal.
Na sua formação académica conta com um doutoramento cuja tese tem por título “Novas expressões do áudio: o podcast no ecossistema mediático português”. Já perceberam porque resolvemos conversar com o Ruben, não é verdade? O seu conhecimento profundo sobre esta área da comunicação acrescenta-nos, sem dúvida, muita informação sobre o que designa por “realidade da efervescente esfera do áudio em Portugal”. Ruben Martins é também professor na Universidade Autónoma de Lisboa e na Escola Superior de Tecnologia de Abrantes e ainda correspondente em Portugal do espanhol elDiario.es.
Milénio Stadium: O vídeo transformou, mas não conseguiu matar a rádio. O mundo dos podcasts está a conseguir?
Ruben Martins: Os podcasts e a rádio são complementares, não concorrentes. Apresentam métodos de consumo diferente: o podcast tem um consumo mais individualizado (maioritariamente através de fones, por exemplo). A rádio soube aproveitar o podcast para poder dar uma nova vida aos conteúdos que emitiu anteriormente em antena. O principal concorrente da rádio (e dos podcasts) é sim a música. No fundo, são as pessoas que, estando disponíveis para consumir um conteúdo em áudio, não estão disponíveis para consumir um conteúdo de palavra.
MS: Há uma grande confusão na cabeça de muitos em relação aos conceitos de podcast e videocast. Pode, de uma forma básica, explicar-nos as diferenças?
RM: O podcast é apenas um conteúdo em áudio. Atenção também à confusão entre o termo “podcast” como conteúdo e “podcast” como tecnologia. Em síntese: como tecnologia podemos caracterizar o podcast como o modelo de distribuição de áudio de forma sequencial através da internet. Como conteúdo, podcasts são os conteúdos que são distribuídos primordialmente através da tecnologia de podcast. Há também programas de rádio que, não sendo podcasts nativos, são distribuídos através da tecnologia de podcast, ganhando assim uma nova vida. Videocasts são conteúdos – normalmente entrevistas ou debates – que são gravados em vídeo e distribuídos em plataformas como o Youtube.
MS: O que torna o podcast um meio de comunicação tão sedutor?
RM: Facilidade de produção e de consumo é a génese do sucesso deste formato que permitiu a existência de conteúdos de nicho e a chegada de novas vozes. Como pouco investimento consegue-se chegar a boas audiências e ter impacto numa determinada comunidade.
MS: A ideia que dá é que as empresas de comunicação social estão a agarrar-se a este mundo do podcast e videocast, como se se tratasse de uma tábua de salvação. Concorda? Se sim, pode explicar-nos porque é que isto está a acontecer?
RM: Acho que os meios de comunicação social estão a ver no podcast e no videocast uma forma de chegarem a uma nova audiência – tendencialmente mais jovem e mais desligados dos consumos tradicionais de media. Vejo a aposta nos podcasts como complementar e nunca como substituta de qualquer outra aposta.
MS: O Ruben Martins tem desenvolvido, desde 2017, este “falar ao ouvido” de quem lê o jornal. Como tem corrido esta caminhada e que conclusões podem ser tiradas depois destes anos de podcast do Público? Podemos dizer que, por falta de tempo ou apenas para facilitar a vida, as pessoas preferem ouvir em vez de ler ou ouvir acrescenta mais informação?
RM: Há ouvintes/leitores para tudo. Em vez de lerem um artigo de 10 mil caracteres há quem prefira que o conflito em Gaza seja explicado por um jornalista que conversa diretamente com o ouvinte em 10 minutos. Acho que isto é uma grande vantagem do áudio. O facto de poder chegar a um perfil de público que não iria consumir a informação de outra forma, mas que percebe que através de um episódio consegue conhecer o essencial sobre um determinado assunto. Os podcasts do jornal Público continuam a crescer em audiências sete anos depois de termos começado com a produção regular de conteúdos, estes dados mostram o potencial de crescimento máximo ainda não foi alcançado.
MS: A proliferação de podcasts, que nascem quase como cogumelos um pouco por todo o lado, que efeito terá no mercado a curto/médio prazo?
RM: O mercado caminha para a profissionalização. A produção independente com poucos ouvintes vai continuar, mas cada vez a tendência de consumo será dominada por figuras públicas e grupos de média. Neste ecossistema continuará a haver espaços para conteúdos não massificados, mas bem dirigidos a nichos (exemplo: seguidores de um determinado desporto minoritário, de um hobby, pessoas de uma dada comunidade, …)
MS: O facto de o podcast/videocast não exigir muitos meios técnicos e, por isso, qualquer pessoa poder ter o seu próprio podcast, ajuda este tipo de comunicação a proliferar?
RM: Exatamente. O facto de ser um maior de baixo custo de produção ajuda a que haja maior facilidade na produção de conteúdos. Também o facto de a larga maioria dos conteúdos ser distribuído gratuitamente também ajuda.
MS: Sei que, porque se interessa muito pela investigação sobre esta área da comunicação (a sua tese de doutoramento foi exatamente sobre este tema), tem números que nos podem ajudar a perceber como está a evoluir e que impacto tem no mercado. O que pode revelar sobre essa quantificação do impacto dos podcasts/videocast na sociedade?
RM: Os podcasts e videocasts são hoje um formato já conhecido da generalidade dos utilizadores da internet (ainda que nem todos o consumam), ainda assim percebemos que a idade média do consumidor está na casa dos 30 anos, em pessoas com formação superior e mais urbanas. Este perfil é também semelhante ao perfil do produtor. Os podcasts hoje têm um impacto importante, vistos já como um objeto cultural de valor acrescentado.
MS: A popularidade de alguns podcasts já os transportou para o mundo dos espetáculos ao vivo, especialmente os que estão associados ao mundo do entretenimento, da comédia ou lifestyle. Ter um podcast, para além de uma forma de expressão/comunicação, transformou-se numa apetecível rampa para o sucesso?
RM: Parcialmente. Ninguém deve partir para a produção de um podcast a pensar que vai ser famoso com ele. A maioria das audiências estão concentradas em marcas de comunicação reputadas ou em figuras públicas que já eram conhecidas antes de produzirem podcasts. Mas há sempre formatos que atingem grandes níveis de popularidade e chegam a audiências completamente novas. O segredo é conseguir cativar a audiência, chegar a novos ouvintes e conquistar o nosso espaço dentro do meio.
MB/MS
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