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“Termos uma portuguesa a ocupar um cargo de relevo na administração da universidade de York, é meritório para ela e para a comunidade” Gilberto Fernandes

Maria João Maciel Jorge

 

Maria João Maciel Jorge

 

Gilberto Fernandes e o trabalho que tem desenvolvido, enquanto historiador, é apenas mais um exemplo do acolhimento que a Universidade de York tem dado ao estudo da comunidade portuguesa residente no Canadá. É um dos fundadores do Portuguese Canadian History Project, onde se tem desenvolvido um importante trabalho de preservação de documentos e registos vários que ajudam a perceber e a conhecer de forma mais profunda a história da nossa comunidade. 

O professor Gilberto Fernandes é também o autor e grande mentor do site Movimento Perpétuo: The Portuguese Diaspora in Canada, onde encontramos muito da história dos 70 anos da imigração portuguesa no Canadá. Em setembro, de 11 a 22, no Toronto Metro Hall será a vez de viver a história através de uma exposição multimédia que contará com a inauguração oficial do Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa. 

Milénio Stadium: Licenciou-se em História em Portugal, mas escolheu a Toronto University para fazer o seu Mestrado e a York University para o Doutoramento. Porquê a escolha do Canadá para completar a sua formação académica?

Gilberto Fernandes. Créditos: DR.
Gilberto Fernandes. Créditos: DR

Gilberto Fernandes: Ora, eu vim para o Canadá, não para continuar os meus estudos, mas vim com essa ideia em mente. Mas o que me trouxe ao Canadá? Eu sou o que se pode chamar um imigrante romântico. Ou seja, vim para me juntar à minha esposa, que é luso-canadiana. E pronto, é esse o motivo principal de eu vir para o Canadá, mas sempre foi minha intenção, uma vez que vim imediatamente a seguir a ter terminado a minha licenciatura em História Contemporânea, continuar os meus estudos. Entretanto candidatei-me e entrei na Universidade de Toronto para fazer o meu mestrado. 

Para dizer a verdade, eu em Portugal e até me tornar emigrante, não tinha propriamente um interesse intelectual sobre as questões de imigração. Durante a minha licenciatura, que é sobre História de Portugal, lembro-me de ler apenas um artigo sobre emigração, ou seja, havia muito pouco conhecimento sobre a enormíssima, riquíssima e longuíssima história de emigração portuguesa.

MS: E isso era essencial, porque ao conhecer essa história, acaba por revelar a história do país que que vê partir as pessoas e, por outro lado, do país de acolhimento também, não é? 

GF: Exato. Por tudo isto, portanto, essa ausência de história, história com H e estórias com e, portanto, em Portugal. Hoje e já na altura, quase todas as famílias portuguesas têm pessoas na família que emigraram a determinado ponto, mas a nível de estudos realmente não encontrei nada. Quando foi para continuar os meus estudos de mestrado, pensei nas temáticas e que eu poderia estudar de modo a encontrar uma identidade como investigador, algo que eu pudesse “bring to the table”, portanto, trazer este tema para a discussão. Já cá estava há mais ou menos quatro anos, já tinha alguma experiência que permitiu também refletir um bocado sobre o que é isto de ser emigrante. À medida que fui estudando mais o tema da emigração, não só dos portugueses, mas da emigração em geral no Canadá, foi então que me apaixonei pelo tema. Os temas puramente de experiências transnacionais e a diáspora, os conceitos associados com a ideia da diáspora, os conceitos e as experiências e história das várias diásporas no Canadá. Esta também foi uma “porta de entrada” para conhecer a história do país, do Canadá. 

MS: Interessou-se particularmente por estudar e registar a história da comunidade luso-canadiana. O facto de esta ser uma história recente, com apenas 70 anos, deu-lhe a possibilidade de falar com os protagonistas – os pioneiros da imigração portuguesa no Canadá. A exposição que complementa o site que foi lançado no dia 1 de junho – Movimento Perpétuo: The Portuguese Diaspora in Canada – podemos dizer que tem como ponto de partida ou até assenta estruturalmente nessas conversas?

GF: A minha investigação não incide muito sobre os pioneiros, sobre o que nós chamamos os pioneiros. Claro que fala sobre eles porque, obviamente, falando sobre a história da emigração portuguesa para o Canadá é um tema incontornável, até porque é um tema relativamente recente. 

70 anos já é muita história para contar, mas continua a ser relativamente recente. Estamos a falar de duas ou três gerações. Na altura em que comecei a estudar a emigração e a fazer investigação sobre portugueses no Canadá, havia muito poucos estudos sobre o tema e o que havia grande parte eram estudos de ciências sociais, especialmente sociologia, mas também antropologia. E grande parte desses escritos, ou pelo menos a investigação feita nos anos 70, início dos anos 80, em que a comunidade estava numa fase muito específica. Mas esses estudos importantes e informativos, mas tendiam, do meu ponto de vista, a especializar as características dos portugueses no Canadá. 

Uma comunidade numa fase muito específica da sua história, com as características dessa primeira geração de imigrantes que vinham da ditadura, que vinham com muito pouca formação de educação formal, com pouco conhecimento da vida política, democrática, etc. E alguns desses estudos tendiam a cristalizar, em vez de contextualizar a realidade dos portugueses no Canadá. Em vez de se dizer “os portugueses estão assim” era “os portugueses são assim”. Então é preciso perceber a perceção histórica, encaixar no tempo essa realidade social. E pronto, foi essa a primeira temática, foi por aí que eu entrei nesses estudos. Até porque quando eu cheguei cá em 2004, Portugal era muito diferente, obviamente, do Portugal dos anos 50, 60, 70 por aí fora. 

Eu, como historiador social, olho a história de baixo para cima, a história do povo, a história das pessoas ditas comuns, portanto, neste caso, a história dos imigrantes, dos trabalhadores, das mulheres, etc. Não existiam fontes, portanto, documentos em arquivos canadianos que me permitissem fazer esse tipo de análise e escrever o tipo de história que queria escrever. Eu tive de ir à procura então de documentação que não estava presente nos arquivos públicos daqui. Então, através da chamada história oral e entrevistas que fiz a várias pessoas, fui recolhendo essa informação. Nessa altura, quando comecei a minha investigação, conversei não com os pioneiros, atenção, porque quem entrevistei eram pessoas que chegaram cá já nos anos 70. Era mais a segunda geração, não cheguei a entrevistar pioneiros, até porque o meu interesse, pelo menos ao início, foi realmente não tanto investigar a história da imigração, o meu maior enfoque sempre foi a história da comunidade em si, ou seja, a formação da comunidade, as dinâmicas da comunidade. 

MS: Mas, relativamente à exposição que irá acontecer de 11 a 22 de setembro próximo, no Toronto Metro Hall, o que pode revelar-nos?

GF: Serão 12 painéis pedagógicos que têm texto e fotografias sobre vários temas. Por exemplo, o momento de imigração, a integração, os bairros portugueses em Toronto e Montreal, as raízes agrícolas rurais da maioria dos portugueses imigrantes portugueses. Portanto, vários temas. Eu aproveitei os contactos e as relações que estabeleci quando trabalhei no programa de Horas dos Portugueses da RTP, em que fiz mais ou menos 100 peças na altura. Portanto, escolhi 70 dessas entrevistas com indivíduos e organizações e entrei em contacto com essas entidades e convidei-os a participar tanto no site como na exposição, escolhendo até cinco artefactos que contenham uma história, memória ou que lhes permitam falar sobre o tema da exposição que é a História da Diáspora portuguesa. Portanto, tirei fotografias a todos esses objetos, alguns deles tornei-os em objetos tridimensionais. E é desse espólio que fiz uma seleção, porque, como devem calcular, são imensos artefactos, não posso, infelizmente, mostrá-los todos e essa seleção fará parte da exposição, portanto os artefactos estarão lá. Todos esses artefactos estão também associados a entrevistas de rádio que fiz às pessoas que participam na exposição a que o visitante poderá aceder com os seus dispositivos, telemóveis, etc, fazer um scan num QR Code e então ouvir. Para além disso, tem também uma secção dedicada à arte.  Convidei como curador assistente o Rui Pimenta, que é um curador de arte muito bem estabelecido e reconhecido aqui em Toronto e, portanto, convidei-o para fazer curadoria do espaço dedicado a artistas luso-canadianos. Portanto, vamos ter sete artistas, sendo que seis de cinco deles vão contribuir. E pronto! 

A exposição terá, tanto os tais painéis temáticos, os artefactos, a componente artística e também algumas imagens de vídeo dos arquivos da Bell Media, dos documentários, peças de noticiário sobre os portugueses. E pronto, é a tal realidade aumentada, a tal componente interativa que irá permitir às pessoas interagirem com o site na própria exposição.

MS: Pode explicar-nos como e porque nasceu o Portuguese Canadian History Project? E como é que este projeto se interliga com a York University?

GF: O projeto não nasceu na York, mas foi para lá quase recém-nascido e foi acolhido realmente muito bem pela universidade. E para além de ser acolhido, cresceu ao ponto de se tornar o que é hoje. Surgiu enquanto eu fazia investigação para o meu mestrado e foi criado por mim e pela minha colega Susana Miranda. Pouco tempo depois, Rafael Costa e Manuel da Silva também se juntaram ao projeto. Somos quatro, mas a realidade é que já há imenso tempo que o diretor principal sou eu. Na altura, eu e a Susana, ambos utilizávamos a história oral e acabámos até por entrevistar muitas das mesmas pessoas e foi em conversa com a Susana que eu lhe propus criarmos este projeto, para irmos ao encontro das coleções de documentos que se encontravam dispersos e, primeiro de tudo, dar a conhecer às pessoas a existência de arquivos, o que fazem, para que servem e que realmente a sua história merece ser estudada e merece ser preservada. 

O projeto começou em 2008 e no ano a seguir entrei para a York, para o meu doutoramento e foi o, na altura, diretor do meu programa com quem eu falei sobre este projeto, que me pôs em contacto com o arquivista da Universidade de York. E desde então temos tido essa parceria fantástica, uma sinergia fantástica e o nosso projeto de história luso-canadiana que basicamente tem dois objetivos principais, que é preservar a memória coletiva dos imigrantes e descendentes de portugueses, consciencializar as pessoas para a sua preservação e facilitar a transferência destes materiais para os arquivos. Esse é o outro objetivo que está intimamente ligado à democratização do acesso ao conhecimento histórico, tanto no lado da produção da história como do consumo da história. 

MS: Sem menosprezo para outras instituições de ensino (como a Universidade de Toronto, por exemplo…) a York University tem tido um papel de relevo em tudo o que diz respeito ao estudo não apenas da história da comunidade portuguesa, mas de uma forma mais lata da cultura portuguesa e lusofonia. Esse mérito pode ser atribuído a várias pessoas, mas seguramente temos de destacar o Professor Gilberto Fernandes e a Professora Maria João Maciel Jorge. A nomeação da Professora Maria João como Associated Dean o que significa para si? 

GF: Sim, antes disso, deixe-me dizer que há também, por exemplo, o Professor José Curto, também do Departamento de História e que faz a investigação dele sobre o tráfico de escravos transatlânticos para Angola e Brasil, que é um historiador de grande vulto nessa temática e trabalha sobre temas lusófonos. E depois há várias outras pessoas que também fazem um trabalho sobre a comunidade portuguesa, ou seja, um bocado por acaso, encontraram-se ali várias pessoas, portuguesas e com interesse sobre essas temáticas e fomos trabalhando juntos. Tenho trabalhado muito com a Maria João, com quem tem sido um gosto trabalhar. 

A Associação de Estudos Lusófonos, que é uma organização internacional, foi criada na York University por essas pessoas que mencionei e outras. A Maria João tem uma presença bastante grande na comunidade. É o tipo de trabalho que ela faz e nós temos feito. Vai muito para além do típico académico, que já é uma espécie um bocado em extinção, que mais ou menos fica fechado na sua torre de marfim, não faz o tipo de trabalho que a Maria João, eu e outros temos desenvolvido, que vai muito para além do falar simplesmente interpares, ou seja, publicar livros, artigos nas revistas académicas, participar em conferências académicas, tudo isso é importante, é mesmo essencial, mas o nosso trabalho e da equipa que temos na York tem sido sempre muito de alcance comunitário. Portanto, a posição atual Maria João, como Associate Dean, Global and Community Engagement, acho que é muito merecida. Acho que ela vai fazer um ótimo trabalho, porque é um trabalho que ela já tem feito e, portanto, é uma pessoa que se move muito bem tanto nesse meio académico, como no meio não académico. E é claro que é importante já que estamos a falar da projeção dos portugueses, especialmente de Toronto, neste caso, na vida pública do Canadá. Este tipo de posições claro que têm relevo, têm algum peso para essa mesma projeção e talvez seja especialmente abonatório e até algo simbólico saber-se que há alguém, como a Maria João, também imigrante de classe operária, também de primeira geração como estudante de universidade, que chegou onde chegou. É o caso da grande maioria dos jovens portugueses que agora vão para universidade e que, na maioria, são as primeiras pessoas da sua família a alcançar estudos assim, tão longe. Portanto, termos uma portuguesa a ocupar um cargo de relevo na administração da universidade de York, é meritório para ela e para a comunidade.

Madalena Balça/MS

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