Aida Batista

“As bicicletas de Toronto”: Excertos da apresentação de Sidónio Bettencourt

 

É uma honra fechar a Festa da Letras Lavadas, com a minha amiga Aida Baptista. Com um livro dela; com a vida dela. (…) Fechamos a Festa na noite de todos os amanheceres. E Aida Baptista, Menina, Mulher, Professora, Emigrante, Autora, é a expressão viva de como se pode celebrar, meio século depois – Abril – com um livro de crónicas que perpassa a crueza e os sonhos da realidade social de várias gerações. (…)

A poucas horas da Madrugada, a poucas horas de cinquenta anos depois, temos o privilégio de estar com uma autora, com um livro, que embora transporte emoções sofridas constitui só por si o símbolo da luta e da liberdade, traduzido na bela e sentida dedicatória: “A quem teve coragem de emigrar, de partir e regressar, de partir e nunca voltar, de se repartir por mais de um lugar”. (…)

Conheci Aida Baptista, precisamente no estrangeiro, entre amigos, familiares, convidados, numa terça-feira, nesse dia distante, 2 de outubro de 2001, às 17h30, na Galeria Almada Negreiros na 438 University Avenue, sob os olhares do anfitrião, João Perestrello, Cônsul-Geral de Portugal em Toronto. Levava comigo o meu “Deserto de Todas as Chuvas”, com legenda do poeta Carlos Melo Santos, Vice-Presidente do Instituto Camões, e o “Sangue das Sílabas” em jeito de poema prefácio do meu/nosso amigo comum Eduardo Bettencourt Pinto.

Encontro, num e noutro, no Eduardo e na Aida, trajetos semelhantes: Portugal, África, o Canadá, a Ilha. Ambos foram decisivos na escolha dos títulos dos meus dois primeiros livros, que tal como Aida Baptista, resultam de frases incluídas nos próprios textos. (…)

A História, a Literatura e a Cultura Portuguesa e os Estudos Europeus, fazem parte da sua formação académica; o desempenho enquanto professora e leitora de português no estrangeiro fazem parte da sua condição de emigrante. (…). É ela própria que assim se define:

“Sou uma cepa do Douro Vinhateiro (concelho de Tabuaço) mas foi pelo mar que me deixei levar para outras paragens. Sedenta de mundo, lancei a âncora das descobertas nos cantos de um percurso triangular, feito de Europa, África e América”. (…)

O calor de África, o frio gélido e sepulcral de Helsínquia, e a relação próxima e afetiva com a comunidade portuguesa em Toronto, que continuam a marcar o ritmo narrativo de Aida Baptista, não só pelo compromisso que mantém com o jornal Milénio, mas por que se percebe da sua felicidade quando convive com a cidade e sua gente que, tal como ela, também procurou noutras paragens novos desafios de trabalho e conforto familiar, são circunstâncias tão bem descritas nas páginas dos seus livros. (…)

Onésimo Teotónio de Almeida, na recente apresentação do livro, nas “Correntes de Escrita” na Póvoa do Varzim, sublinha que “a escrita de Aida Baptista não constitui novidade para os leitores familiarizados com a autora. Quando muito, pode talvez dizer-se que esta última coleção de crónicas intensifica uma maturidade palpável da sua sabedoria batida pela experiencia e manifesta natural à vontade de quem se sente em pleno controlo das letras e da vida”.

Onésimo deixa bem vincado que, nas crónicas desta autora, “…se respira uma notável abertura, não apenas ao mundo canadiano, mas igualmente às comunidades portuguesa e açoriana, às suas idiossincrasias e à sua vida, captadas por vezes em penetrantes e percetivos golpes de pormenor incidindo sobre uma figura ou uma situação do quotidiano. No seu todo elas retratam impressionística, mas fielmente, um naco da vida de emigrantes apanhados na rede complexa de um universo no qual não haviam sido preparados para viver – uma sociedade culturalmente anglo-americana, num clima duro e hostil capaz de reduzir tudo a um infinito lençol de branco”. (…)

Com esta verdadeira aproximação, persistente, natural e empática, à comunidade, Aida Baptista, oferece-nos uma escrita com maior espirito de observação, relevante no espírito etno-cultural que nos delicia a leitura e se projeta como preservação do património herdado junto das novas gerações, como uma “viagem fora do mapa”. (…)
“Um dia, sabendo apenas que aquele bilhete me levaria até Toronto por uns anos, aterrei numa ilha diferente, cercada de lonjuras de terra onde a cada esquina nasciam futuros de sucesso sobre os escombros da fome do passado. Só aí percebi que a variedade de falares, o odor a alcatra e a malassada, o passo cadenciado das procissões, a prece ao Espírito Santo e ao Senhor Santo Cristo, as chamarritas e sapateias a soltarem-se dos corpos em dias de festa, o improviso dos poetas repentistas, tudo isso era a voz de um património que dera à costa, mas fora parido no meio do mar de uma mátria longínqua. Empurrado pela força das correntes, desembarcara nos areais da abundância, como se entre as ilhas e a América houvesse um estendal onde se penduravam misérias que se moviam em direção aos estaleiros da prosperidade”. (…)

É o Outono da Vida, aquele em que olhamos o Tempo que já lá vai, e fazemos o balanço sobre o percurso de todas as paisagens geográficas, mas também sobre os afetos de todas as perdas mesmo com a ajuda de Almada Negreiros: “Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado!”.

“Cumpriram-se mais de três décadas em que, órfã de ti, me resignei a viver com a tua ausência. Faço contas e concluo que, além de ter sido tão pouco o tempo que passei contigo, não o valorizei como o deveria ter feito.
Encostada à parede do “nosso” quarto (e destaco “nosso” porque sempre o partilhei com irmãos), junto à janela, nela passaste muitas horas a costurar dias de alegria, mas também de uma ou outra tristeza que, no avesso do pano, escondias dos nossos olhares inocentes. (…) Não sei de onde recolheste a sabedoria com que soubeste remendar todos os rasgões da vida, menos aquele que, a 17 de maio de 1989, nos separou para sempre”. (…)
“As Bicicletas de Toronto” são um conjunto de crónicas selecionadas, ao longo de anos, para o jornal Milénio de Toronto, numa escrita fluída, bela, incisiva, direta, ao sabor dos instantes quotidianos. Sãos retratos fragmentados, mas coesos da vida social, recreativa, cultural, da Comunidade açoriana, com seus eventos e seus protagonistas. Uma linguagem leve, reflexiva, coloquial quantas vezes; epistolar, sorridente, nostálgica, evocativa, memorial. A paisagem dos lugares, a atmosfera, a ambiência, descritas sempre com grande domínio da palavra na construção de um texto apelativo e de interesse público, mesmo quando recorda momentos pessoais ou íntimos. (…)

Aida Baptista tem que ser vista não por cada livro que publica, mas pelo conjunto da sua obra, através da qual, encontramos uma escritora com preocupações várias, no domínio da exaltação, da inquietação, do desassossego, a pretexto das suas superiores qualidades de grande observadora tendo por pano de fundo a emigração, suas causas e consequências, a partir de realidades vividas em três continentes.

Vejo nos seus três livros, “Passaporte Inconformado”, “Chão da Renúncia e as “Bicicletas de Toronto”, um verdadeiro diário autobiográfico, que, sem deixar de usar a primeira pessoa do singular, se assume como texto universal que, parecendo pessoal, é de todos e de cada um.

É Onésimo de Almeida quem diz: “… Jovem como ela continua, não se admirem se daqui a um ano Aida Baptista nos contemplar com um novo livro de crónicas: “As Motocicletas do Nepal” ou a “Formula 1 de Marte”.
E, eu, só desejo que a Aida continue a tal “Menina e Moça me levaram” que assim teremos a certeza de que também vamos com ela.

Aida Batista/MS

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