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“A gente entende que a colonização trouxe um determinado progresso, às custas de uma exploração” – Lorena Costa

 

O Brasil foi uma das maiores colónias portuguesas, mas no dia 7 de setembro de 1822 tornou-se um país independente de Portugal. Os dois séculos que se passaram não foram, no entanto, suficientes para apagar as marcas de uma colonização que começou em 1500. É muito frequente, por exemplo, ouvirmos o povo brasileiro queixar-se do ouro roubado pelos portugueses.

Agora que se fala abertamente deste assunto em Portugal, ou seja, dos efeitos ou marcas do colonialismo português e da necessidade ou não de se fazer a chamada reparação histórica, conversámos com a brasileira Lorena Costa, que reside em Hamilton, Ontario. Lorena é formada em Administração e trabalha exatamente como administradora de uma empresa, talvez por isso tenha uma visão tão pragmática sobre este assunto e sobre a forma que deveria tomar a tal reparação histórica.

Milénio Stadium: Como brasileira e, portanto, pessoa oriunda de um país que foi colónia portuguesa, o que é que me diz das declarações de Marcelo Rebelo de Sousa e qual é o pensamento que tem sobre este assunto?

Lorena Costa: Eu achei a declaração dele extremamente pertinente, mas eu acho que também é um pouco evasiva do ponto de vista que não passou uma resposta concreta do que seria essa suposta indemnização que ele fala, né? Além das desculpas aos países que foram colónia de Portugal. Há, contudo, um passo importante – fazer esse reconhecimento, mas não ficar só na fala e sim na ação. Desenvolver projetos, desenvolver parcerias, investir em arte e cultura, principalmente dos povos indígenas, que foram os primeiros povos que foram encontrados lá no período da colonização e que também foram escravizados, como os escravos, propriamente ditos, negros que vieram da África. Eu acho que seria um importante passo no Brasil para começar a desconstruir a mentalidade do colonizado. Mas eu acredito também que um outro passo deve ser feito em Portugal, que foi o colonizador, que é investir, continuar investindo, não sei se eles têm algum programa para isso, mas acho que seria investir na estruturação dessas narrativas nas universidades, nas escolas, dentro da política, para tirar a estrutura mental de colonizador que muitos portugueses, às vezes, ainda têm. Vivi agora há pouco, uma experiência com uma pessoa conhecida que veio de Portugal e eu acho que é meio que até incondicional. Faz sem querer, posso dizer assim, por conta da cultura. Então ele se expressava como se de facto os países que foram colónias fossem compostos por pessoas incapacitadas intelectualmente, de atingir o nível do colonizador.

No caso, então, eu acho que investir nessas duas vias de desconstruir a mentalidade do colonizador e desconstruir a mentalidade do colonizado é importante. Para além de proteger aquilo que um dia nos foi tirado, dos países que foram colónia. No caso do Brasil, as nossas florestas. A gente vê aí que a Amazónia é o coração do mundo. Não sou eu que estou falando, é a ciência que fala. Então, ajudar nessa parte que foi muito explorada por Portugal também, penso que seria um passo importante e seria um pequeno passo para essa suposta indemnização, digamos assim, e trabalhar a cultura de descolonizar essa mentalidade em ambas as partes.

Lorena Costa

MS: Mas relativamente à quantificação, porque há muita gente que quando fala em reparações históricas, fala quase apenas em termos económicos, de devolução de dinheiros ou de ouro ou de coisas desse género. Isso é muito difícil quantificar, medir o que é que se deve a um país que foi colonizado, não é?
LC: Eu acho que isso praticamente não vai existir, essa indemnização financeira propriamente dita. Até porque, não só no Brasil, mas em muitos países, a gente enfrenta problemas com corrupção. Então, você chegar “ah, eu tirei X quantidade de ouro do Brasil, vou ter que devolver com juros e correção monetária”. Eu acho que não funcionaria assim. Eu agora estou falando do ponto de vista do brasileiro mesmo, que é ver a realidade da nossa política. Eu acho que procurar instituições e organizações sérias, com credibilidade, que possam sim dar apoio aos indígenas, dar apoio às comunidades quilombolas, a dar suporte a escolas e universidades, principalmente, de populações mais afastadas das que têm mais difícil acesso a informação e a comunicação. Eu acho que seria um passo muito mais consistente do que devolver esses milhões para os cofres do poder público.

MS: Portugal foi, de facto, o país que enfim colonizou o Brasil e que, inclusivamente tornou o Brasil parte integrante do país. Até a capital de Portugal esteve no Brasil, durante uns anos, mas a verdade é que depois de Portugal, ou mesmo na decorrência ainda da gestão de Portugal, muitos outros povos europeus e não só, também japoneses e de várias outras nacionalidades entraram pelo país. Quer dizer, nem tudo foi Portugal que roubou ou que estragou ou que danificou a floresta e tudo mais, não é?

LC: É, mas também tem que ver a época que cada um chegou e o que tirou e o que colocou. Porque um exemplo, os italianos quando chegaram aqui também da Europa, eles chegaram já em outro momento e chegaram para ser quase tão escravizados como os negros que vieram da África. Então na época que os italianos chegaram alguns donos de fazenda, começaram a fazer a libertação dos seus escravos por conta própria, então já estava começando a faltar a mão de obra, então os italianos acabaram por substituir o papel do escravo. Então, no caso do italiano, isso aí eu posso falar porque eu estudei um pouco isso, então ele mais colocou do que ele tirou, digamos assim. No caso de outros, eles tentaram também colonizar, mas eles deixaram um legado e deixaram a estrutura também. E a gente não foi colónia também da Holanda, mas também tiraram um pouco da das riquezas.

MS: No caso de Portugal, também, não é? De tal modo, que são muitos os que respondem a essa questão perguntando: “ok, roubou-se, mas o que é que se deixou ficar?”
LC: Exatamente porque é uma outra mão da história, a gente entende que a colonização trouxe um determinado progresso, às custas de uma exploração. Sim, à custa de um processo injusto, sim, mas trouxe progresso. Porque antes a gente era tipo mata virgem, né? Só tinha índio. Mas como fazer essa conta? E a quem cabe fazer essa conta? Quem vai pagar e quem vai receber? Isso é um processo para ser debatido com duas mãos, as duas mãos e com justiça. Brasil, sentar Portugal e trazer os outros países. Mas isso aí vai ter que identificar cada época, que cada época teve uma perda e um ganho em maior e menor grau de maneiras diferentes. E aí sim, se discutir o que vai ser o que o Brasil pode receber de indemnização e o que o Brasil vai indemnizar.

MB/MS

 

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