Temas de Capa

“Estamos a criar alimento para a mente e para a alma ou estamos a fabricar lixo?”

Neal McDougall

 

Escritores, argumentistas, criadores de conteúdos digitais, têm toda a razão para se sentirem ameaçados pela IA, particularmente desde que o ChatGPT chegou, viu e venceu. Com toda a facilidade do mundo podemos ter em poucos minutos um texto escrito sobre qualquer assunto, com o número de palavras desejado. Para além das ameaças para a própria aprendizagem, já que um aluno medíocre pode conseguir “realizar” trabalhos bons ou mesmo muito bons, assim num estalar de dedos, ou será melhor dizer, com um clique, há a ameaça, que já é real, quanto à preservação do trabalho de muita gente que sempre usou a sua capacidade de imaginação e escrita como ferramenta de trabalho. Um trabalho único e irrepetível. 

Neal McDougall, Assistant Executive Director, da Writers Guild of Canada, em nome dos membros associados, teve ocasião de recentemente enviar uma carta a Pablo Rodriguez, Minister of Canadian Heritage e também a François-Philippe Champagne, Minister of Innovation, Science and Industry, com todas as preocupações do setor relativamente à cada vez maior ameaça da Inteligência Artificial. E convenhamos que têm toda a razão para se mostrarem preocupados e por isso tenham apelado a uma atenção especial do Governo Federal do Canadá.


Neal McDougall
Neal McDougall

Miilénio Stadium: Estamos numa era em que se fala muito dos perigos que a IA pode representar para a humanidade. O que pensa sobre isto? 

Neal McDougall: A Writers Guild of Canada (WGC) é a associação nacional que representa cerca de 2.500 argumentistas profissionais que trabalham na produção de filmes, televisão, rádio e meios digitais em língua inglesa no Canadá. Os nossos membros pegam numa página em branco e enchem-na de histórias, personagens, ideias e emoções. Antes que uma linha de diálogo possa ser dita, uma cena filmada ou um enredo levado à sua conclusão dramática, tem de ser escrito num guião. As nossas preocupações são crescentes com o rápido desenvolvimento da inteligência artificial (I.A.) e da ameaça que representa para os artistas e criadores canadianos. Embora a I.A. esteja em desenvolvimento há já algum tempo, o recente lançamento do ChatGPT e de outras ferramentas generativas de I.A. representam uma mudança de paradigma na capacidade desta tecnologia para criar texto, áudio, visual e conteúdos audiovisuais que poderão competir com, ou mesmo substituir, os criadores de conteúdos humanos. Isto, por sua vez, ameaça o bem-estar económico dos artistas canadianos, bem como o seu papel de críticos e comentadores sociais e, em última análise, a sua dignidade humana fundamental enquanto artistas. Os impactos da I.A. no setor  criativo, no que diz respeito às políticas públicas, são de grande alcance, desde os direitos de autor e o financiamento cultural até às relações laborais e muito mais. Ao contrário das máquinas, têm uma intenção e um objetivo.

MS: Concretamente na área criativa, se é certo que a evolução tecnológica tem trazido muitos benefícios, receia que a IA acabe por menorizar ou mesmo quase anular a capacidade criativa do ser humano?

NMD: O objetivo do nosso trabalho é preservar a cultura e facilitar a expressão cultural. É importante para a identidade cultural, a soberania e o legado histórico. O trabalho gerado pela I.A. é apenas conteúdo pelo simples facto de ser conteúdo. As máquinas não têm qualquer objetivo de política pública e não há qualquer benefício público em substituir os artistas por elas como criadores de conteúdos. O conteúdo gerado pela I.A. é puramente orientado para o lucro, não para a cultura ou para as políticas públicas. A utilização de I.A. já na programação infantil é especialmente alarmante, mas é apenas um resultado preocupante possível entre muitos. Em contraste, os argumentistas humanos são intencionais sobre as histórias que contam e as personagens que criam. Na nossa política cultural, estamos a criar alimento para a mente e para a alma ou estamos a fabricar lixo? A nossa indústria deveria apoiar um ambiente que permitisse a criação do melhor que os seres humanos podem alcançar, e não a produção em massa de conteúdos artificiais que enchem espaço, mas nos deixam com a sensação de estarmos inchados, mas vazios. 

MS: Uma das maiores preocupações é o que a IA poderá fazer ao mercado de trabalho. Recentemente temos assistido a despedimentos em massa em setores ligados às telecomunicações e comunicação social. O que pode acontecer na vossa área de trabalho? 

NMD: Tendo em conta tudo o que já dissemos nas respostas anteriores, o WGC considera que o governo tem um papel de liderança a desempenhar na proteção do papel dos criadores canadianos – criadores humanos – na era da I.A. Por um lado, os benefícios dos criadores de direitos de autor devem claramente reverter apenas para os seres humanos.

A I.A. não deve ser reconhecida como um “autor” ao abrigo da Lei dos Direitos de Autor, nem a Lei dos Direitos de Autor deve ser alterada para diminuir ou derrogar os direitos dos criadores humanos em benefício da I.A. ou daqueles que concebem, gerem, utilizam ou possuem I.A. Por outro lado, o financiamento público da cultura deve continuar a ser, de igual modo, em benefício dos criadores humanos. Isto inclui o financiamento do Canada Media Fund, do Telefilm Canada, do Canadian Film or Video Tax Credit, ou qualquer outro financiamento com um objetivo cultural. Não devemos desviar fundos limitados essenciais dos artistas humanos para a I.A. Trata-se de fundos culturais e não de fundos de desenvolvimento tecnológico.

MS: O que podemos esperar do futuro, neste contexto? 

NMD: Do nosso lado, continuaremos a utilizar a nossa capacidade de representar os argumentistas canadianos na prossecução dos seus interesses e esperamos que o Governo nos apoie também nessa tarefa, assegurando que a negociação coletiva para os artistas seja mantida ou reforçada sempre que possível. Tanto o WGC como a SARTEC estão unidos no nosso apoio aos criadores canadianos e na nossa forte convicção de que a I.A. não deve prejudicar o bem-estar económico dos argumentistas ou a sua dignidade humana enquanto artistas.

Madalena Balça/MS

 

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