Aida Batista

O nosso tão querido mês de agosto

 

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A dúvida rasga as cortinas
por onde se coa o sangue dos dias felizes.

Manuel António Pina (poesia reunida)

 

Chegou ao fim o mês de agosto, aquele em que, por causa de tudo quanto lhe está associado, em devido tempo se entrou “a gosto”.

“A gosto”, porque é sempre sinónimo de férias (mesmo que se gozem alguns dias noutra altura do ano), num país em que o calendário escolar obriga a que se faça a maior pausa letiva; “a gosto”, porque é um período que cheira a praia, tenha ela o odor da maresia ou o som do rumorejar das árvores nas margens dos rios; “a gosto”, porque o corpo se sente liberto da clausura das roupas, com que se cobriu durante a maior parte dos outros meses do ano, entregando-se ao sol, apesar de evitar as horas de maior canícula; “a gosto”, porque as famílias e os amigos se juntam em alegres convívios durante o ano adiados; “a gosto” porque os carros dão lugar às bicicletas nas pequenas deslocações; “a gosto”, porque a música está por todo o lado, convidando-nos a abanar o corpo ao som dos muitos apelativos concertos ao ar livre; “a gosto”, porque se leem os livros que durante meses se foram acumulando numa pirâmide que esperava pelo vagar de quem os folheasse; “a gosto”, porque se fazem as pequenas obras que aguardavam que o bom tempo ajudasse; “a gosto”, porque é o período em que o ano letivo permite as tão desejadas escapadinhas, em família, para fora do país; “a gosto”, porque a natureza convida aos velhos piqueniques de manta estendida no chão; “a gosto”, porque os trilhos secos e mais seguros apelam a suadas caminhadas; “a gosto”, porque os emigrantes chegam em bando e, num linguajar de vozes estrangeiras, enchem as aldeias numa repetida peregrinação de saudades; “a gosto”, porque é tempo de romarias e procissões que ditam trajos domingueiros a quem vai pegar nos andores e desfilar pela freguesia; “a gosto”, porque os conjuntos de música popular não têm mãos a medir para atuarem e faturarem nas festas dos santos padroeiros; “a gosto”, porque as ruas de todos os lugarejos conhecem visitantes que, de copo na mão nas esplanadas, celebram o verão; “a gosto”, porque a alegria varre todos os espaços onde a vida ganha maior sentido; “a gosto”, porque é tempo de feiras e carrosséis, que desafiam a força centrífuga dos corpos em movimento; “a gosto” porque é também a época das barraquinhas de artesanato, onde se compra mais um “souvenir”, por muito que se jure que já não se tem espaço em casa para mais tralha; “a gosto”, porque em nenhum outro mês os gelados sabem tão bem; “a gosto”, porque os pequenos prazeres da vida, esquecidos durante os outros meses, reclamam o direito de serem gozados; “a gosto”, por todos os outros motivos que aqui não apontei, mas nos recordam os lugares da infância de onde nunca saímos; também “a gosto”, regressamos ao ninho, a que chamamos lar, dizendo para dentro “lar, doce lar”.

A contragosto (porque não há bela sem senão), os incêndios que, tocados pelo vento e pelo mercúrio dos termómetros, insaciáveis devoram o verde das matas.

“A gosto”, para uns, e a contragosto para outros, chega setembro com o seu inevitável regresso às aulas, no que estas representam de caminho para o futuro, porque é isso que as escolas prometem.

As temperaturas irão baixar e os dias encolher, anunciando as cores do outono. A roupagem altera-se: as pessoas começam a sentir os primeiros arrepios de frio e a entrar gradualmente na ditadura dos agasalhos, enquanto as árvores se começam a despir das folhas que habitavam no pudor das suas copas, para começarem a tecer os tapetes da nova estação.

E, sem darmos conta, será de novo Natal!

Aida Batista/MS

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