Aida Batista

Memórias de avós

 

O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!
Carta a avó Josefa, José Saramago

 

Em julho de 2020, em plena pandemia, 58 avós (de variadas faixas etárias, diferentes estratos sociais e geografias) viram as suas vidas retratadas numa coletânea “Avós: Raízes e Nós”, organizada por Manuela Marujo, Ilda Januário e por mim.

Nessa obra, participaram alguns autores do universo da imigração, residentes no Canadá, tais como: Aida Jordão, Alexandra Silva, Carmen Carvalho, César da Silva, Fernando Nunes, Humberto da Silva, Ilda Januário, Irene Marques, Joaquina Pires, Luciana Graça, Madalena Balça, Manuela Marujo, Maria da Conceição Nunes, Martinho Silva, Michael do Carmo Baptista, Milai Sousa, Paulo da Costa e Teresa Roque.

No ano passado, a edição já se encontrava esgotada, o que diz bem do interesse que este tipo de narrativas colhe junto do público leitor. Se estivermos atentos às mais diversificadas histórias de vida, depressa notamos a forma como os sujeitos ativos desses testemunhos referem, de maneira implícita ou subliminar, a forma como os avós influenciaram as decisões que tomaram ao longo das suas carreiras pessoais e profissionais. Os avós continuam a ser, por isso, o repositório de todo um manancial de património cultural, que vai passando de geração em geração e deixa marcas indeléveis nas vidas de todos nós. Não é por acaso que, em muitas publicações do nosso panorama editorial, nos deparamos com testemunhos de certas figuras públicas, que nos deixam registos de práticas seculares e linguagens quase desaparecidas ou em vias de extinção. De todos, o que obteve maior destaque foi o de José Saramago que, com a sua “Carta a Avó Josefa”, lida na cerimónia de atribuição do Nobel, nos lembra que ela metia os bácoros na sua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los.

O mesmo se passa em relação à música, se pensarmos no êxito obtido por Fernando Daniel, com a sua “Melodia da Saudade”, ou “O Céu a Dançar”, de Pedro Dyonysio, canções que tentam manter presentes os avós ausentes. Pelo cinema passam também experiências que, misturando realidade e ficção, veiculam a necessidade de ir em busca das memórias dos avós, como acontece com “A Toca do Lobo”, de Catarina Mourão, e “A Metamorfose dos Pássaros”, de Catarina Vasconcelos.

Tendo em conta que a população portuguesa está cada vez mais envelhecida, a geração atual ganhou a possibilidade de viver e conviver mais tempo com os avós do que as anteriores. Assim, a editora Alma Letra, que se propôs em boa hora dar corpo a este projeto, decidiu avançar com uma 2ª edição. Esta reproduz na íntegra todos os textos que fizeram parte da 1ª edição, mas acrescentou-lhes mais dois, elaborados por duas das autoras que integram o livro, por achar que, pela sua natureza analítica, permitiriam uma outra leitura da obra.

 O primeiro, de Inez Marques, através de “O fio do tempo nas narrativas: Avós: Raízes e Nós”, contextualiza os testemunhos do ponto de vista histórico, fazendo um retrato de Portugal – “essencialmente rural, pouco industrializado, com fortes assimetrias regionais que a distribuição geográfica da população confirma.”

O segundo, da minha autoria, “Avós e netos, sem pontes de afetos” pretende contrariar a imagem doce dos avós, que atravessa toda a obra, ressalvando que, por razões de natureza social, sempre houve netos que nunca conheceram os avós, bem como avós que, pelas mesmas circunstâncias, nunca o chegaram a ser.

O lançamento desta 2ª edição foi feito na passada quarta-feira (26), Dia dos Avós em Portugal, a convite do Município de Nelas, na Biblioteca Municipal de Canas de Senhorim. Nesta localidade, vive a centenária avó de Isabel Nery (uma das autoras), que, quando os quatro netos a visitavam, repetia como uma oração: “Para o ano já cá não estou”. 

Desmentindo o tempo, a avó Mira lá continua, fiel e resistente como a casa granítica onde os netos a visitavam. 

Aida Batista/MS

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