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Um comboio de discórdia

milenio stadium - comboio

 

A notícia correu o mundo: camionistas iniciaram um movimento de protesto contra as restrições pandémicas que tomou grandes e graves proporções ao estender-se aos cidadãos canadianos que, para além de também serem contra as medidas, também se mostravam descontentes com o governo do primeiro-ministro Justin Trudeau. O “Convoy of Freedom”, ou “comboio da liberdade – nome que foi dado a este movimento -, resultou num bloqueio de mais de 24 dias da capital do país.

Ainda que o braço de ferro tenha sido ganho – pelo menos aparentemente – pelo governo que, a muito custo e já depois de da economia e das redes essenciais de abastecimento terem sido comprometidas, fazendo uso das forças de segurança e ativando o Emergencies Act, conseguiu desmobilizar os cidadãos protestantes – na sua maioria ligados à extrema-direita, grupos antivacinas e negacionistas -, a “mancha” do descontentamento, da desconfiança e da revolta contra a privação de direitos e liberdades parece teimar em não desaparecer.

Entre centenas de detenções, mais de 50 veículos rebocados, uso de gás lacrimogéneo para dispersar aqueles que se mantinham no local, congelamento de mais de 200 contas bancárias de vários líderes das manifestações, divulgação de informações (como nomes pessoais e de empresas) de mais de 50 entidades associadas às mesmas, a normalidade acabou por ser restabelecida.. mas nem toda a gente concordou com os meios para atingir este fim. O governo foi acusado de agir de forma ditatorial, deixando-o mais uma vez debaixo de fogo e de uma chuva de críticas que chegava até daqueles que não estavam diretamente ligados aos protestos: o assunto foi trazido ao Parlamento Europeu (PE) por vários deputados entre eles, e num primeiro momento, Cristian Terheș, da Romênia, que acusou Trudeau de agir como um “tirano”, comparando-o ao ditador romeno Ceaușescu. Mais recentemente, após discursar no PE, o primeiro-ministro canadiano foi criticado pela deputada alemã Christine Anderson, que o acusou de “admirar a ‘ditadura básica’ da China, que viola os direitos fundamentais ao perseguir e criminalizar seus próprios cidadãos, considerando-os como terroristas, apenas por que ousam levantar-se contra o seu conceito pervertido de democracia” e pelo deputado croata Mislav Kolakusic, que afirmou que “o Canadá, uma vez símbolo do mundo moderno, tornou-se um símbolo de violações dos direitos civis”.

Paula do Espírito Santo é professora e investigadora do CAPP/ISCSP/Universidade de Lisboa e aceitou dar ao nosso jornal a sua opinião acerca de como é que o Canadá é visto nos dias de hoje, pelos olhos de quem vê de fora. Na sua perspetiva, outros assuntos – como a guerra na Ucrânia – acabam por se sobrepor ao que ocorre em solo canadiano – pelo menos no que a Portugal diz respeito. No entanto, em países como França, que se identifica mais com este tipo de movimentos e onde também existiu uma maior resistência às regras impostas pela pandemia, verificou-se uma adesão quase que imediata, com perto de 300 veículos a partirem até à Bélgica, em forma de protesto contra a exigência da vacinação contra a covid-19.

O que nos deixa a pensar noutra questão: terá o Canadá dado uma pedrada no charco? Ao que parece, as águas não se agitam de igual forma para todos…

Milénio Stadium: Reivindicações de camionistas canadianos relacionadas com as restrições impostas para conter a pandemia de Covid-19, um movimento apelidado de “comboio da liberdade”, resultaram num protesto alargado a todo o país. O centro da capital, Otava, chegou mesmo a estar bloqueado e o presidente da Câmara, Jim Watson, admitiu que a a situação estava fora de controlo. Entretanto, para além das medidas sanitárias, começou também a ser posto em causa o próprio Governo canadiano. Uns acusam o governo por não ter recorrido às forças armadas do país para colocar um ponto final nos protestos. Faltou pulso firme ao governo para pôr fim a esta situação mais cedo?
Paula do Espírito Santo: Verificou-se, aparentemente, uma expectativa por parte do Governo que o movimento tivesse proporções mais limitadas na mobilização cívica, e consequências menos visíveis em termos de importância social e política, dado que grande parte da população se identifica com as decisões tomadas e restrições impostas para controlo da pandemia.

MS: E a nível externo, como ficou a imagem do país?
PES: Num plano externo, em Portugal em concreto, por ser um país onde mais de 70% da população adulta está vacinada e se identificou com as medidas tomadas para controlo da pandemia, e em particular a vacinação, não se verificou uma influência significativa deste movimento, e como tal a imagem do Canadá ou do seu governo não foi afetada por este movimento. O mesmo não se pode afirmar em relação a França e a Paris, onde se gerou uma maior identificação com o movimento em causa, e a extensão do mesmo à cidade, dado que a proporção da população descontente e não identificada com as vantagens da vacinação massiva é muito ativa em termos de protestos públicos.

MS: A polémica estendeu-se ao Parlamento europeu, onde Christine Anderson, deputada alemã, e Mislav Kolakusic, deputado croata, não deixaram passar a situação em branco, acusando Trudeau de violar direitos civis e afirmando que o canadiano não deveria sequer ter permissão para falar. Já em fevereiro Elon Musk partilhou nas redes sociais uma imagem onde comparava o primeiro-ministro a Hitler. O que podemos retirar daqui? Trudeau começa a somar demasiados inimigos? Que “autoridade” terá um político que começa, cada vez mais, a perder credibilidade e o respeito do mundo?
PES: As circunstâncias de o assunto ser trazido ao PE por alguns políticos desfavoráveis às políticas de vacinação não deverá ser lida, de forma isolada, como um elemento de descredibilização da política do governo de Trudeau dado que os mesmos discursos, pelo tom inflamado e a base de orientação ideológica e política que exibiram, não geraram o efeito massivo que desejavam, no grupo mais alargado dos estados membros da UE.

MS: Com tudo isto, como podemos dizer que está a credibilidade do Canadá nos dias de hoje? A nível externo, será que o país ainda é visto com bons olhos, com importância social, política e económica, ou está a tornar-se “irrelevante”?
PES: Neste momento, na Europa, infelizmente, após a crise pandémica (que ainda não está extinta) as atenções estão voltadas em permanência para a guerra na Ucrânia. Daí que apesar de ser recente o assunto da crise sanitária que assolou o mundo como um todo, o que se verifica é que no plano europeu existem outras preocupações do foro bélico e estratégico que estão a mobilizar de forma intensa e preocupante os estados europeus e as suas populações, particularmente Portugal onde a comunidade ucraniana é bastante significativa.

Inês Barbosa/MS

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