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Reutilizar e dessalinizar para não faltar água em Portugal

O secretário-geral do Conselho Nacional da Água, Joaquim Poças Martins, defende que problema de escassez em algumas zonas do país não se vai resolver com mais barragens ou transvases do Norte para o Sul.

O secretário-geral do Conselho Nacional da Água, Joaquim Poças Martins, é perentório: “Não fazemos reutilização nenhuma de água em Portugal e não dessalinizamos a do mar. Se não fazemos isso é porque não temos escassez”.

A afirmação foi feita na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real. Poças Martins participou num seminário sobre segurança hídrica, agricultura e degradação ambiental num contexto de alterações climáticas, promovido pela Academia da Água da Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos.

De acordo com o secretário-geral do Conselho Nacional da Água, “não se reutiliza a água, porque ainda há alternativa”. Apesar dos períodos de seca cada vez mais frequentes, “estes não têm chegado às torneiras”. Isso, vincou, “leva a uma ilusão de que não há falta de água”. Todavia, “há, de facto, escassez nos campos”. E “os agricultores sentem as secas e entram em situações de desespero”.

Com a seca mais sentida, atualmente, no Algarve, tem sido defendida, por alguns setores, a hipótese de ser realizado, no futuro, o transvase de água do Norte, onde chove muito mais, para o Sul, à semelhança do que já se faz em Espanha.

Poças Martins referiu que, “do ponto de vista técnico, os transvases são possíveis”. Mas só se forem feitos “numa conduta fechada e sem levar a água de uns rios para os outros”. E “quanto custa?” “É tanto como construir o TGV, milhares de milhões de euros”, asseverou. O pior é que “a água vai chegar lá a 20 ou 30 cêntimos por metro cúbico, quando, no Alqueva, se paga a três cêntimos e meio pela mesma quantidade”. Já para não esquecer que “o transvase demoraria 10 ou 15 anos a fazer” e “quem está hoje com problemas, infelizmente, poderia já não beneficiar”. É que “a média de idades do agricultor atual é de 65 anos”.

O secretário-geral do Conselho Nacional da Água assinalou que “hoje já há alternativas aos transvases”. Por isso, pôs a tónica na “reutilização que não está a ser feita em Portugal”. Pelas contas que fez, “custa entre 10 e 20 cêntimos o metro cúbico”.

Relevou, ainda, que a “dessalinização também não está a ser feita”. Joaquim Poças Martins assegurou que “aquilo que se paga para dessalinizar já é compatível com o preço que as pessoas pagam em casa, cerca de 50 cêntimos por metro cúbico”. Apesar disso, disse estar convencido de que, apesar de possível, a dessalinização “é uma derrota do ponto de vista de gestão”, uma vez que “só se irá buscar ao mar a 50 cêntimos o metro cúbico”, porque “não se conseguiu gerir bem aquela água gratuita que existe”. Mais: “Estamos a desperdiçar 600 milhões de metros cúbicos de água por ano que poderia ser reutilizada, em vez de se estar a fazer um transvase, com a vantagem de poder ser espalhada nos sítios onde é necessária junto às cidades”.

Norte tem água para dispensar?

E, depois, ainda é necessário refletir se o Norte tem assim tanta água que a possa dispensar. Para Poças Martins, “não se pode dizer que, no Douro, haja excesso de água”. Tanto que, em 2022, “Espanha reduziu o caudal e houve imensa falta de água”.

O responsável concedeu que “talvez no Minho se conseguisse, mas era preciso fazer uma barragem grande e isso iria inundar terrenos a Norte para levar a água para Sul”. A pergunta é “para quê?”. E respondeu: “Se for para dar de comer às pessoas, tudo bem, em tempos de guerra não se limpam armas. Se for para sustentar uma atividade económica, como uma agricultura pouco lucrativa, se calhar tem de ser pensar bem. Deve haver um debate a nível nacional sem tabus sobre esta matéria”.

João Santos, diretor do Centro de Investigação em Tecnologias Agroambientais e Biológicas da UTAD, é  “contra os transvases”. Até porque “a própria região Norte está a ter uma diminuição muito grande da precipitação e vai continuar assim”. O especialista citou um estudo internacional para afirmar que “o Norte de Portugal e a Galiza são as regiões onde a precipitação mais diminuiu nas últimas décadas em toda a Europa”. Daí que “não vai haver, provavelmente, água para o Norte do país, quanto mais para enviar para o Sul. É impensável”, insistiu. Lembrou que, “em Espanha, colocou-se o problema e não resolveu a seca”. E recordou também que, em 2022, houve “muitas manifestações em Espanha contra a passagem de água no rio Douro para Portugal”.

Tal como Joaquim Poças Martins, é apologista de um “melhor aproveitamento da água disponível” e de se fazer “um uso mais eficiente na agricultura”. Para isso, é preciso “combater as perdas e utilizações ilegais”, bem como “aumentar a fiscalização”. João Santos garantiu que, “utilizando a água de forma mais eficiente, é possível manter a nossa economia e a nossa vida”.

Projetos de reutilização a Norte

Na opinião de Fernanda Lacerda, vice-Presidente do Conselho de Administração da Águas do Norte, “não há uma solução única” para responder à escassez de água, nomeadamente no Interior Norte. Defendeu o “aproveitamento dos vários armazenamentos e das várias origens”, para que possam “funcionar em redundância em cenários de carência”.

Além disso, é necessário “reduzir as perdas, utilizar o potencial da água residual tratada e investir na digitalização, tecnologia e inovação”, bem com “atuar do lado da procura evitando o desperdício e adaptar as culturas às caraterísticas da região”.

No âmbito da reutilização de águas residuais para a agricultura, Fernanda Lacerda, deu o exemplo de dois projetos-piloto em curso em Trás-os-Montes e Alto Douro, em que a Águas do Norte participa em parceria com uma série de outras entidades.

Um dos projetos chama-se Regadouro, na Quinta de Vale Cavalos, da produtora de vinhos Poças, em Vila Nova de Foz Côa. É um projeto de três anos com a UTAD como parceiro científico e financiamento de 150 mil euros obtido pela Fundação La Caixa. “Já decorreram vários ensaios e análises da qualidade da água e vai ser iniciada a rega este ano”, segundo Fernanda Lacerda. As águas provêm da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) do Vale da Teja.

O outro piloto é designado por Re-Water e decorre em Alfândega da Fé e Mirandela, com o Instituo Politécnico de Bragança e a UTAD como parceiros científicos. O financiamento de 130 mil euros foi obtido no programa europeu de desenvolvimento regional SUDOE. O objetivo é regar amendoais e olivais, respetivamente, a partir das ETAR de cada concelho. “Este ano, vai-se iniciar a rega nesses locais”, nota a vice-Presidente do Conselho de Administração da Águas do Norte.

“É uma forma de fazermos um uso eficiente. Se as necessidades são compatíveis com a qualidade da água residual, faz todo o sentido que ela seja utilizada para esses fins”, sublinhou. Há outros projetos no Norte que ainda não estão numa fase tão adiantada e há um outro em Famalicão.

JN/MS

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