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“O Canadá não é um lugar perfeito, mas é altamente acolhedor”

Patti Tamara Lenard

O Canadá não é um- canada-mileniostadium
Créditos: DR

O sonho de uma vida melhor, seja ela mais confortável financeiramente, com mais segurança e igualdade social, liberdade de expressão e de ser quem se é, oportunidades de crescimento profissional…são diversas as razões que fizeram, e fazem, com que milhares de pessoas deixem seus países de origem e famílias para trás e embarquem no sonho de viver no exterior, nesse caso, no Canadá. Na bagagem trazem sonhos e a vontade de fazê-los se transformarem em realidade. O termo “Canadian Dream” foi de certo modo emprestado e surgiu a partir do “American Dream”, nascido ainda na década de 30 e baseado na crença de que aqueles que se esforçarem e trabalharem duro serão recompensados e conseguirão alcançar os seus objetivos financeiros.

E o Canadá tem de fato, ao longo dos anos, com sua política de imigração mais acessível, abraçado a ideia de receber e se tornar o lar de milhares de imigrantes vindos do mundo todo, como os de origem lusófona. São milhares de pessoas, segundo dados oficiais mais de 400 mil, de origem ou descendência portuguesa a viverem no Canadá. Enquanto alguns já vieram casados e com filhos, outros constituíram aqui a sua família.

Diferentes gerações com diferentes percepções de mundo. De maneira geral, enquanto para os mais velhos o sonho canadiano já aconteceu, através de muito trabalho conseguiram comprar a casa própria, seja aqui ou em Portugal, abrir uma empresa, constituir uma família e ter uma estabilidade financeira… os mais jovens têm o futuro pela frente e não necessariamente as mesmas ambições que moveram seus pais e avós.

A vida é dinâmica, e os desejos e ambições das novas gerações, e até a sua percepção do que é uma “vida boa”, variam bastante. Será?

A fim de buscar entender um pouco mais sobre o “Sonho Canadiano”, o que de fato significa no imaginário coletivo essa expressão, por que muitos ainda vêm para cá atraídos por esse ideal, e se de fato, o Canadá é um país que permite que sonhos se tornem realidade, estivemos à conversa com Patti Tamara Lenard, professora de Public and International Affairs, Faculty of Social Sciences na Universidade de Ottawa.

Milénio Stadium: O que significa o “Sonho Canadiano”? Esse sonho mudou ao longo dos anos e décadas ou permanece o mesmo na sua essência?

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Patti Tamara Lenard. Créditos: Twitter

Patti Tamara Lenard: Não sei se existe algo como o “sonho canadiano”. Esse na verdade é um termo emprestado dos Estados Unidos, que sempre promoveram algo que chamam de sonho americano, que enfatiza a ideia de que quem trabalha muito pode ser bem-sucedido. É uma ideia que os Estados Unidos são uma terra de igualdade de oportunidades, para todas as pessoas, independentemente de raça, sexo, etnia, religião ou mesmo diferença de classe social. Se baseia na ideia de que mesmo uma criança nascida em uma família pobre, se trabalhar duro, pode ter acesso a bens materiais e uma vida confortável tanto quanto qualquer outra pessoa. É claro que as evidências dos Estados Unidos sugerem que isso não é verdade, que aqueles que nascem na pobreza têm grande probabilidade de permanecer lá.

MS: Cada pessoa tem sua própria versão deste sonho canadiano de acordo com sua idade, nível social, etnia, etc. Qual dessas questões é a mais relevante para determinar os objetivos de alguém, em especial os imigrantes, por exemplo?

P.L: Penso que a ideia de “igualdade de oportunidades” é realmente importante- todos os canadianos acreditam que, se trabalharem duro, podem ser bem-sucedidos em qualquer coisa que escolham fazer. Acredito que os recém-chegados estão especialmente interessados em acreditar que isto é verdade, já que muitas vezes vêm de países onde há menos riqueza e oportunidades para avançar.  De fato, as evidências sugerem que, de modo geral, é verdade, com dedicação e trabalho duro as pessoas conseguem progredir em diferentes áreas.

MS: Para algumas pessoas o Canadá representa uma terra de oportunidades, mas em especial para os imigrantes a realidade em um novo país é desafiadora. Como superar esses obstáculos e seguir em busca de seus sonhos?

P.L: Imigrar é um desafio. Qualquer pessoa que decide se mudar para um novo país deve enfrentar todo o tipo de obstáculos. Seja aprender um novo idioma, compreender o mercado de trabalho local e os requisitos educacionais para ter acesso a oportunidades de emprego. Essas pessoas precisarão encontrar um lugar para morar e mobilá-lo. Eles terão que entender “como fazemos as coisas por aqui”, e isso também pode ser difícil. Tudo isso é especialmente difícil quando os imigrantes não viajaram com ou de encontro às suas famílias, que podem oferecer um apoio fundamental durante as fases iniciais de integração. Apesar dessas dificuldades, os estudos mostram que no Canadá, a maioria dos imigrantes, com o tempo, consegue de fato atingir grande parte das metas que estabeleceram para si mesmos: durante seus primeiros anos, muitos imigrantes no Canadá tornam-se fluentes no idioma nacional, estudam aqui ou conseguem a equivalência de seus diplomas e dessa forma conseguem empregos que consideram satisfatórios. As evidências sugerem de forma esmagadora que os imigrantes no Canadá contribuem de forma produtiva tanto para a economia quanto para a sociedade canadiana.

MS: O fato do Canadá ser um país multicultural ajuda na ideia de muitos virem buscar aqui liberdade e felicidade?

P.L: Sim, o Canadá tem um compromisso contínuo com o multiculturalismo, que é reconhecido em nossa Carta de Direitos e Liberdades. Em termos práticos, isto significa que existem políticas de “acomodação” em vigor em múltiplas esferas da vida canadiana, para garantir que os recém-chegados não precisem renunciar a práticas e costumes culturais que sejam importantes para eles para serem bem-sucedidos aqui. O resultado é uma sociedade tolerante, e acolhedora a diferentes formas de se vestir, comidas, práticas religiosas, entre outras questões e uma sociedade que se esforça, de fato, para garantir que essas diferenças não tenham impacto e os imigrantes possam ser bem-sucedidos aqui.  O Canadá não é um lugar perfeito, mas em termos comparativos, é altamente acolhedor para os recém-chegados e se esforça continuamente para garantir que a integração desses imigrantes na sociedade canadiana seja tranquila.

MS: Uma pesquisa recente apontou que para a maioria das pessoas o “Sonho Canadiano” está relacionado à estabilidade financeira e liberdade individual. Entretanto, atualmente o que vemos é um custo de vida cada mais elevado e uma consequente dificuldade das pessoas em atingirem seus objetivos financeiros. Você diria que os imigrantes ainda podem sonhar em obter o estilo canadiano de vida? Ou seja, ter uma casa, conseguir uma certa estabilidade financeira?

P.S: A grande maioria dos imigrantes no Canadá é selecionada por sua capacidade de contribuir com o país de maneira efetiva. Essa inclusive, é uma crítica que algumas pessoas fazem ao sistema de imigração do Canadá, que dizem favorecer justamente os imigrantes instruídos, qualificados e fluentes nas línguas nacionais, o que de certo modo garante que eles se integrarão bem na sociedade canadiana. O resultado é que nos saímos pior, por exemplo, no reagrupamento familiar (em comparação com os Estados Unidos, cujo programa de imigração se concentra na reunião familiar), e eu pessoalmente acho que isso é um problema, pois acredito que é um direito humano básico estar com a própria família.  Mas, do ponto de vista de um “sonho” canadiano, em termos de estabilidade financeira, sim, acredito que a maioria dos imigrantes no Canadá será capaz, a seu tempo, de alcançar isto. A questão da liberdade pessoal é diferente.  Muitos imigrantes escolhem o Canadá porque geralmente somos acolhedores das diferenças, incluindo as religiosas e étnicas.  Alguns por exemplo, estão abandonando países nos quais as mulheres estavam em desvantagem no mercado de trabalho e teriam como futuro a única opção de serem donas de casa. Outros estão deixando para trás países que favorecem no mercado de trabalho alguns grupos étnicos ou que perseguem explicitamente os membros de minorias religiosas. Portanto, eles escolhem o Canadá porque o país está comprometido com a proteção da igualdade de todos os canadianos.  Para aqueles que escolhem o Canadá por razões de “liberdade pessoal”, então, é um alívio estar aqui, não porque podem se tornar ricos, mas porque se sentem livres para ser quem são e sabem que não serão prejudicados por causa disso. Estou pensando aqui no foco explícito do Canadá em acolher refugiados LGBTQ+, que são perseguidos em muitos países e que vivem (em grande parte) livres de homofobia aqui.

MS: O Canadá é um país formado por imigrantes em busca de um futuro melhor. Você considera que as políticas públicas canadianas ajudam essas pessoas a buscarem seus objetivos, de certo modo, elas mantêm vivo o “Sonho Canadiano”?

P.L: De modo geral, sim. Acho que a única questão que o Canadá e as províncias precisam trabalhar mais, e evoluir, é no que diz respeito à validação da qualificação educacional desses estrangeiros, de modo que seus diplomas e estudos no país de origem, possam ser reconhecidos aqui, de modo que aqueles que tem diplomas possam encontrar mais facilmente um trabalho apropriado na sua área de formação. A lentidão em fazer isso prejudica tanto o Canadá quanto os imigrantes que precisam ganhar “experiência canadiana” para se inserirem no mercado de trabalho ou, de outra forma, gastar tempo atualizando diplomas para atender aos requisitos canadianos. Um segundo desafio é que muitos filhos de imigrantes de minorias visíveis acreditam, e penso que com razão, que a discriminação contra eles ainda persiste. Embora seus pais, os imigrantes originais, tenham uma visão totalmente otimista do que o Canadá lhes oferece, seus filhos às vezes se sentem alienados e menos conectados à sociedade canadiana em geral. Em estudos sobre o “senso de pertencimento” entre os jovens canadianos, os filhos de uma minoria visível de imigrantes relatam níveis relativamente mais baixos do “senso” de “pertença” ao Canadá. Acho que as razões para esses sentimentos derivam do racismo e da discriminação contínuos e, consequentemente são necessários mais esforços para proteger os cidadãos das minorias visíveis para que se sintam são bem-vindos e membros valiosos da sociedade canadiana. Um terceiro desafio é aquele que mencionei anteriormente, acredito, que o Canadá deve fazer um melhor trabalho na reunificação familiar, o que é benéfico para o Canadá e respeita o direito de qualquer cidadão de estar com a sua família. Os imigrantes que viajam com ou de encontro às famílias conseguem se adaptar com muito mais facilidade – suas energias são gastas no árduo trabalho de integração, ao invés de terem que se preocupar em como poderão reunir sua família. As famílias também fornecem redes de apoio essenciais em tempos difíceis.

Lizandra Ongaratto/MS

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