Temas de Capa

A arte de nos apontarem defeitos

arte - milenio stadium (1)

 

Qual é o maior feito da indústria de beleza? Criar problemas de beleza e complexos que as mulheres não tinham e vender-lhes a solução. A verdade é que estas, e todas as outras indústrias, têm como alvo o centro dos desejos humanos. Todos queremos sentir que pertencemos e que somos amados. Toda a gente se quer sentir confiante e num mundo onde a aparência é moeda de troca, torna-se impossível ignorar este fator. Contudo, 70% das mulheres admitem evitar certas atividades devido à sua imagem corporal. A realidade é que 6 em cada 10 mulheres nunca considerariam ir trabalhar sem maquilhagem, por considerarem que essa aparência a nu lhes poderia arruinar as perspetivas de carreira.

É uma pena que apesar de vivermos num século marcado pela criatividade, inovação e independência, o ser humano continue a ser avaliado pela sua aparência, em vez do seu caráter e inteligência. A indústria da beleza diz carregar a missão de nos ajudar a ser a nossa melhor versão, mas estão a ajudar ou simplesmente a lucrar com as nossas inseguranças? Os anos de lavagem cerebral a que somos submetidos desde a infância carregam fardos psicológicos que ditam as nossas vidas adultas. Já não se nega que aqueles que são considerados como tendo uma aparência apelativa são vistos como mais inteligentes, mais prováveis de ser bem-sucedidos nas suas relações pessoais e até percursos profissionais, tendo uma maior probabilidade de ganhar ordenados mais elevados.

É um facto que existe uma maior pressão sobre a aparência feminina, seja vinda de expectativas impostas nas gerações anteriores, seja pelo facto de a indústria ver nas mulheres o seu principal mercado. E Karl Stefanovic, apresentador num canal australiano, testou essa evidência. Durante um ano inteiro, todos os dias, utilizou o mesmo fato, para ver se sofreria do mesmo julgamento que sofrem as suas colegas.

O resultado – ninguém reparou, concluindo assim que enquanto os homens são julgados com base no seu trabalho, as mulheres são ainda fortemente julgadas pela sua aparência. E para agravar esta situação, estudos mostram que a indústria de itens de beleza cobra 37% mais em produtos para o mercado feminino, mesmo que tenham a mesma funcionalidade. E tudo se resume àquilo que estão dispostos a pagar. Em média, uma mulher gasta $313 por mês na sua aparência, ou seja – cerca de $225,360 durante a sua vida.

Ao longo da nossa vida, somos subtilmente bombardeados com uma mensagem gritante que nos diz como devemos ou não ser e o que esperam de nós. Quando nos apercebemos, já estes pensamentos estão enraizados na nossa consciência, transformando-nos num peão que deixa que este mercado se alimente das nossas inseguranças. O marketing da indústria de beleza agarra-se às nossas fragilidades para nos tentar vender uma vida inatingível, mas que tanto desejamos. Estudos feitos às palavras-chaves utilizadas pelos produtos de beleza – “produto premiado” ou “clinicamente comprovado” – mostram que só 18% destas afirmações são verdadeiras e que existe uma ambiguidade utilizada apenas para nos persuadir. Além da publicidade duvidosa, ainda se agarram a estereótipos para vender um conceito irrealista. São várias as marcas que têm vindo a ser chamadas à atenção por serem ofensivas. Algumas agarram-se ao conceito de “corpo de verão” para vender suplementos ou dietas; outras chegaram a vender cigarros com a premissa de garantir uma silhueta invejável; outros procedem à humilhação para adquirirmos um produto ou serviço.

Este tipo de campanha tornou-se ainda mais significativa depois da massificação das redes sociais. Todos os dias, nos nossos telemóveis deparamo-nos com filtros e edições de imagens que perpetuam a imagem (muitas vezes enganosa) do corpo perfeito. Além de enganarmos os outros, enganamo-nos a nós próprios. O Face Tune, os filtros das redes sociais e Photoshop criam a ilusão de uma cara perfeita – sem poros, com um nariz fino, linha do maxilar marcada, alguns adicionam ainda pestanas maiores, batom e rímel – o que cria um fosso entre a nossa cara natural e a imagem que inventamos.

E já parou para pensar porque é que é bombardeado com estas imagens perfeitas? O relatório do The Intercept em 2020 revelou que um memorando interno do TikTok pretendia evitar o visionamento extensivo de utilizadores com “aspeto facial feio”. Portanto, pessoas com “formas corporais anormais”, “demasiadas rugas”, “cicatrizes faciais óbvias” e “deformidades faciais” são “menos atraentes e não dignos de serem recomendados a novos utilizadores”. Ou seja, não só a pressão das redes sociais conduz os usuários a enganarem a sua audiência como ainda são propositadamente desenvolvidos algoritmos baseados em critérios de beleza inatingíveis.

Até há pouco tempo, os rostos no mundo do entretenimento e moda eram quase exclusivamente brancos, magros e jovens. Historicamente, as pessoas que apresentam deficiências têm sido excluídas de determinados setores onde a aparência é uma das ferramentas. Ao mesmo tempo que vemos o aumento da padronização movido por modelos como as Kardashians e a crescente pressão sobre a beleza do sexo masculino (parece que conseguiram estender o mercado, ou seja, mais dólares), também vemos mudanças nos comportamentos empresariais e a promoção de um conceito mais natural e diferenciado nestes setores. Seja movido pela pressão social ou pela mentalidade da própria empresa, ainda há esperança de uma mudança, mas não se engane, vai demorar ou ser disfarçada de empoderamento.

Estudos demonstram que apenas 30 minutos nas redes sociais alteram negativamente a forma como jovens mulheres veem o seu próprio corpo. Seria irrealista pensar que nos deparamos com isto e não sofremos pressões indesejadas, são-nos apontados erros que nem sabíamos que tínhamos, mas que uma vez descobertos já não desaparecem. A verdade é que inseguranças toda a gente tem (e vão continuar a ter), mas não deixe que lucrem com isso.

Inês Carpinteiro/MS

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER