Um ano depois da apresentação do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, a associação que representa as vítimas de abusos pede mais eficácia à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).
“Os bispos falam do perdão e de reparação, mas não concretizam nada”, disse ao JN António Grosso, presidente da associação Coração Silenciado. “Nos últimos meses houve uma ligeira evolução no tratamento dado às vítimas, mas o pagamento de consultas médicas e de comprimidos são apenas uma esmola e nós defendemos o pagamento de indemnizações”, referiu ainda. Também Nuno Caiado, um dos subscritores da carta aberta enviada, em 2022, aos bispos portugueses e que despoletou a criação da comissão independente, esperava mais da hierarquia católica. “A CEP deu um passo muito corajoso ao criar a comissão mas depois não soube aceitar o estudo final e ainda agora tem dificuldade em perceber o fenómeno”, afirmou ao JN.
D. José Ornelas, presidente da CEP, defende que a Igreja está no caminho certo. “O que sempre nos importou foi a atenção concreta às vítimas de abusos”, referiu o bispo que deu a cara pela criação da comissão independente e, posteriormente, pelo Grupo Vita que agrega as denúncias de abusos e o acompanhamento das vítimas. “Temos a perceção que a credibilidade da Igreja Católica foi afetada pelo impacto do estudo mas também acreditamos que o caminho que temos vindo a percorrer, quer nas Dioceses, quer nos Institutos de Vida Consagrada, é fruto de um compromisso sério da nossa parte para garantir a ‘tolerância zero’ em matéria de abusos nos nossos espaços”, afirmou, numa entrevista à Lusa.
O relatório entregue por Pedro Strecht validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4 815. Ontem , o Grupo Vita revelou que recebeu 71 pedidos de ajuda e 21 vítimas estão ter apoio clínico.
Sobre as indemnizações, já estão terminados os dois pareceres pedidos pelas Comissões Diocesanas e pelo Grupo Vita. Ambos são favoráveis ao ressarcimento das vítimas embora em determinadas condições. “Estamos a trabalhar para que possamos dispor de critérios e propostas para a atribuição de uma reparação moral, em termos financeiros, às vítimas que o solicitarem”, finalizou D. José Ornelas.
Vítimas e autores da Carta Aberta aos bispos querem que seja apurado o papel dos “encobridores”. “Houve abusos porque, para além do abusador, houve alguém que sabia e não fez nada para impedir”, afirmou Nuno Caiado.
António Grosso defende que Estado e Igreja têm de “chegar-se à frente” no pagamento de indemnizações. “A Igreja tem culpa, mas o Estado, que entregava crianças pobres às instituições católicas, também tem que assumir responsabilidades”, referiu.
O que foi e não foi feito?
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, no relatório final entregue à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), defendeu a constituição de uma nova “comissão para continuidade do estudo e acompanhamento do tema”, com membros internos e externos à Igreja e fez um conjunto de recomendações que, em parte, foram acolhidas pelos bispos.
A equipa liderada por Pedro Strecht sugeriu “o reconhecimento, pela Igreja, da existência e extensão do problema e compromisso na sua adequada prevenção futura”, nomeadamente através do “cumprimento do conceito de ‘tolerância zero’ proposto pelo Papa Francisco”. Recomendou, ainda, a adoção do “dever moral de denúncia, por parte da Igreja e colaboração com o Ministério Público em casos de alegados crimes de abuso sexual”, para além do pedido “efetivo de perdão sobre as situações que aconteceram no passado e sua materialização” e a “formação e supervisão continuada e externa de membros da Igreja, nomeadamente na área da sexualidade”.
Por parte da Igreja, após a divulgação do relatório da Comissão Independente, foi criado o Grupo Vita para receber denúncias e acompanhar as vítimas de abuso no seio da Igreja Católica. Algumas dioceses afastaram alguns sacerdotes e leigos do exercício de funções, na sequência de queixas.
Através do Grupo Vita e das Comissões Diocesanas, há vítimas a receber vários tipos de apoios. Em dezembro, 18 vítimas já haviam sido encaminhadas para apoio psicológico, duas para apoio psiquiátrico, quatro para apoio social, uma para apoio jurídico e quatro para apoio financeiro.
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