Aida Batista

Era uma vez uma palavra…

 

Sem os livros, as melhores coisas do nosso mundo teriam caído no esquecimento.
Irene Vallejo, O infinito num junco

 

 

Escrita.
África.
EscritAfricar.
EscritAfricando.

Primeiro, um substantivo comum – Escrita. Não um substantivo qualquer, mas um marco que delimita a fronteira entre a Pré-história e a História. Foi com ela que a humanidade, através das mais diversas formas e materiais, deixou registos da sua passagem, começando pela arte rupestre, umas vezes escondida em grutas, outras, à luz do dia.

Seguiu-se um substantivo próprio – África – nome de continente. Aquele onde, ainda hoje, prevalece a oralidade como forma privilegiada de fazer a transmissão do testemunho de toda uma cultura ancestral, que se perderia se não andasse de boca em boca. A oralidade representa, por isso, a memória partilhada de um passado comunitário, tantas vezes recordado à luz das fogueiras onde se cozinhavam as vozes da sobrevivência. Somos todos herdeiros dessas vozes que, através de máximas, provérbios, lendas, estórias de assustar ou encantar, transmitiam a marca de água de uma determinada cultura ou civilização.

escritafricar - milenio stadiumDepois, o verbo – EscritAfricar -, que não se encontra em nenhum dicionário, nem faz parte de qualquer glossário especializado. A língua, como organismo vivo que é, também acasala, e foi dessa cópula de um continente com a escrita que ele nasceu. Inventámo-lo para conjugar os textos produzidos em língua portuguesa, por jovens originários desse continente e candidatos a presumíveis escritores. Por fim, escolhemos o gerúndio como forma nominal de tempo e modo por, em si, o gerundismo conter a noção de prolongamento da ação. Ou seja, começa, mas continua acontecendo, como algo em permanente desenvolvimento. Não se pretende que o ato de escrita seja dado por terminado, esteja a acontecer ou venha a acontecer, mas que seja o resultado de algo em progresso, num contínuo que admite pausas e interrupções. Estas não representam cortes, mas momentos de pausa, de novas aprendizagens, de treino e prática constante, de ler e reler, de rascunhos que se apagam e se voltam a escrever, de rasuras com a força da raiva, de muitas folhas rasgadas e atiradas para o lixo, de outras escondidas em gavetas, com vergonha de serem descobertas pelo olhar de terceiros, até que um dia se percebe que o resultado final é fruto de muito trabalho.

Caminhar pelo universo da escrita é a metáfora mais acabada do que foi o caminhar do nosso desenvolvimento. Começamos por gatinhar, para, depois, num equilíbrio precário e amparados em suportes físicos à mão, nos levantarmos.

Avançamos com um pé, damos um passo, depois outro, até atingirmos a segurança que nos pode levar tão longe, como inscrever o nome na capa e na lombada de um livro. E esse dia pode chegar, depois de sofridas esperas que matam a esperança.

Foi assim que nasceu o EscritAfricando, um projeto da Ser Mais Valia – Associação de Voluntariado para a Cidadania e Desenvolvimento, que tem como objetivo ajudar os jovens escritores africanos de língua portuguesa a escrever melhor e a publicar os seus trabalhos.

O primeiro Encontro realizou-se em outubro do ano passado, na Universidade Lusófona, e, para celebrar um ano de vida, teve a sua segunda edição no passado sábado (dia 1). Foi adotado um formato ligeiramente diferente, em que os pequenos ajustes tiveram em conta uma maior participação dos jovens a quem se destinava.

Festejou-se a palavra escrita, falada e musicada, por entre encontros e reencontros celebrados na alegria de nos revermos. A palavra foi sempre cabeça de cartaz e dominou a festa: na lição de quem fez dela mote de conto, na leitura de textos dos que se candidataram ao prémio literário, na boca dos convidados que sabiamente intervieram e souberam passar a sua mensagem; a finalizar, na música que se soltava das cordas do corá, interpretada numa mestiçagem de línguas de que se fez o crioulo.

Aida Batista/MS

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