África

(pré)Textos: A vitória de Brasília!

O Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é, indubitavelmente, uma retumbante vitória cultural, sociológica, académica e (por que não!) política e diplomática do Brasil sobre Portugal e demais estados-membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), facto que significa, quanto a mim, uma oportunidade ímpar de “ressurreição” da quinta língua mais falada à face da terra e a terceira mais celebrada no mundo ocidental, numa altura em que é (era) considerada por alguns cientistas sociais como sendo um idioma morto e (bem) enterrado, tal como o latim.

(…) Os dogmas também estão expostos à erosão dos tempos. E, convenhamos, a Língua Portuguesa está, enquanto Ciência Social dinâmica, exposta à corrosão inerente à roda dos tempos do nosso tempo.

 

Brasília bem pode embandeirar em arco e lançar foguetes para o ar por ter, formalmente, logrado persuadir Lisboa, Luanda, Praia, Maputo, Príncipe, Bissau e Dili – e por arrasto a antiga Índia portuguesa (Goa, Damão, Diu, Dadrá e Naga-Aveli, Macau) – a adotarem uma só grafia com o nobre e oportuno escopo de unir a grafia da Língua Portuguesa.

Como era expectável, há estados-membros da CPLP que, quais “velhos do Restelo”, ainda resistem à mudança, ao progresso e à dinâmica sociológica da Língua Portuguesa, que o aclamado e “desassossegado poeta” Fernando Pessoa definiu um dia como sendo a “Pátria de todos nós (sic!)”. Todavia, está mais que provado que não há volta a dar à iniciativa cultural e política do “País Tropical/ abençoado por Deus (Brasil)”, pois tudo indica que ela vai vingar. Dure o tempo que durar, faça chuva ou faça sol, a verdade insofismável é que os dogmas também estão expostos à erosão dos tempos. E, convenhamos, a língua portuguesa está, enquanto ciência social dinâmica, exposta à corrosão inerente à roda dos tempos do nosso tempo.

Resultante da “imposição cultural” do Brasil, o Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa vai alterar 1,6 por cento do vocabulário de Angola, Cabo-Verde, São Tomé e Príncipe, Maputo, Guiné-Bissau, Portugal, Timor-Leste e de demais falantes desta língua que conta com mais de 215 milhões de falantes nativos. Destarte, desaparecerão da atual grafia destes países o «c» e o «p» nas palavras em que estas letras não são pronunciadas, como em «Acção», «Acto», «Baptismo»e «Óptimo».

No Brasil, a mudança será menor, porquanto apenas 0,45 por cento das palavras terão a escrita alterada. Por exemplo, o trema utilizado pelos brasileiros já desapareceu completamente e ao hífen aconteceu o mesmo quando o segundo elemento da palavra começa com «S» ou «R», casos em que estas consoantes devem ser dobradas, como em “antirreligioso” e “contrarregra”. Apenas quando os prefixos terminam em «R» se mantém o hífen. Exemplos: hiper-realista, super-resistente.

O acento circunflexo também sai de cena nas paroxítonas (palavras com acento tónico na penúltima sílaba) terminadas em «O» duplo (“voo” e “enjoo”), usado na ortografia do Brasil, mas não na de Portugal, e da terceira pessoa do Presente do Indicativo ou do Conjuntivo de «Crer», «Ler», «Dar», «Ver» e os seus derivados. Passará a escrever-se: “Creem”, “Leem”, “Deem” e “Veem”. O acento agudo, no Brasil, deixou de ser usado nos ditongos abertos «Ei» e«Oi» de palavras paroxítonas como «Assembleia» e «Ideia». Com a incorporação do «K», «W» e «Y», o alfabeto deixará de ter vinte e três (23) letras para ter vinte e seis (26).

O linguista Malaca Casteleiro – acérrimo defensor do Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa – advoga, verbis gratia, ser necessário “um período de adaptação que não deve ser inferior a quatro anos para permitir as alterações em dicionários, manuais escolares e para a aprendizagem das alterações ortográficas”. Pessoalmente, cauciono, em toda linha, a opinião de Malaca Casteleiro. É preciso (digo eu) que se dê tempo ao tempo e aos Estados que têm o português como língua veicular para que se adaptem às modificações ora “impostas” pelo Brasil ao mundo lusófono.

Jorge Eurico

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