Ilegalização do aborto: o retrocesso
Na semana passada, o Estado do Alabama aprovou uma lei que ilegaliza o aborto com a exceção de quando a gravidez põe em risco a saúde da mulher ou se o feto tiver uma anomalia mortal. O aborto, será, portanto, considerado um crime punível com sentença máxima de vida na prisão. Um ataque claro dos Republicanos à lei Roe v. Wade que legalizou o aborto em 1973. Num país onde o aborto é legal, em muitos casos até às 24 semanas, este ano já oito Estados Republicanos tentaram limitar essa possibilidade. A onda de contestação, gerada pelo que parece ser um retrocesso no desenvolvimento dos direitos da mulher, espera que muitas dessas leis sejam impedidas de entrar em vigor quando encaminhadas para o Supremo Tribunal.
Vivemos na década em que assuntos tabu como o aborto são finalmente discutidos e em que se começa a dar à mulher o controlo do seu próprio corpo. Contudo, multiplicam-se também as organizações “pró-vida” – entre aspas porque afinal o que é pró-vida? Apenas nascer? Ou queremos dar aos nossos filhos condições de vida e estabilidade emocional, que infelizmente muitas mulheres não conseguem em certos períodos da sua vida? Como tanto dizemos, ser mãe não é apenas dar à luz, é criar e proteger.
Penaliza-se a mulher porque não se sente preparada para ter um filho, mas pouco se faz quando é o pai que o rejeita. Nos EUA, em 2018, mais de 9 milhões de famílias eram formadas por mães solteiras, 40% dessas crianças viviam em situação de pobreza e 1/3 dessas famílias não conseguia assegurar bens alimentares. E ainda, um terço gastava metade do seu rendimento apenas em habitação, porque, inclusive, a mulher ainda ganha menos que o homem, e entre o número de famílias sem abrigo, 60% eram compostas por mães solteiras.
A quem diz que podem sempre dar os filhos para adoção porque existem muitas pessoas que os querem… sim, essa também é uma opção, no entanto, em 2016, nos EUA, encontravam-se 687,000 crianças ao cuidado do Estado. No mundo, existem mais de 8 milhões de crianças que vivem em orfanatos e esperam ainda pela oportunidade de ter uma família. É de relembrar também que as crianças que crescem em instituições desenvolvem-se menos que as restantes, o que inclusive, tem evidências físicas comprovadas.
O aborto não é uma decisão tomada de ânimo leve, mas sim o último recurso para quando os métodos contracetivos falham. Nem é obrigatório quando a gravidez não é planeada, mas merecemos o direito a essa escolha. E sim, acaba por ser uma escolha egoísta, assim como qualquer outra que fazemos na vida. O caminho certo é privilegiar a educação sexual, no entanto, proibir o aborto apenas conduz a que as mulheres tenham de o fazer clandestinamente. Infelizmente, esta não é uma realidade distante para muitas mulheres, sendo que 25% da população mundial vive em países com leis muito restritas em relação ao aborto, onde mesmo em caso de violação o aborto é proibido.
A maioria dos casos é fundamentada por questões socioeconómicas, no entanto, o facto de não considerarem a possibilidade de aborto para quem foi vítima de violação apenas comprova a natureza retrógrada desta lei. Para percebermos melhor a gravidade desta situação, nos Estados Unidos da América uma em cada cinco mulheres já sofreu de uma tentativa ou ato de violação. E ainda, o RAINN (Rape, Abuse & Incest National Network) calculou que por cada 1000 violações, 384 casos são apresentados às autoridades, onde apenas 57 acabam em detenção, dos quais apenas 11 são encaminhados para acusação, 7 resultam numa condenação criminal e por fim, somente 6 acabam na prisão.
Num país onde o crime de violação tem uma punição que vai desde uma multa a pena de prisão, escolhe-se penalizar a vítima – neste caso, a mulher. No mínimo deviam salvaguardar as pessoas que são vítimas de crimes, que se veem envolvidas numa situação que não só que não desejam, mas também para a qual não contribuíram.
Que nunca se recue naquilo que já foi conquistado. A escolha é minha!
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