Temas de Capa

Paulo António Pereira

Paulo Antonio Pereira

 

“Há muitas iniciativas que podemos levar a cabo para atrair os jovens, incluindo atividades online. Devemos fazer uma consulta séria e persistente juntos dos jovens para averiguarmos os seus interesses. É imperativo também proporcionar-lhes oportunidades de liderança nas nossas organizações comunitárias. Creio que também é importante traçarmos uma nova estratégia para o panorama associativo porque o cenário atual não é sustentável.”Paulo António Pereira, 51 anos

 

Clube a que estás ou estiveste associado
Fui um dos fundadores da Associação Migrante de Barcelos, em 1998, na qual desempenhei os cargos de diretor, secretário e presidente da Secção Desportiva, e mais recentemente fiz parte também da direção da Casa do Benfica de Toronto, entre 2010 e 2019. Sou cofundador e atual presidente de Project First Nations, uma organização sem fins lucrativos. Continuo muito ligado aos nossos clubes e associações, mas por fora, através do projeto lusocanada.com, do qual sou fundador. Fui recentemente eleito para o Conselho das Comunidades Portuguesas e estou ansioso por iniciar este mandato de 4 anos. Orgulho-me também de ser o promotor da comédia portuguesa no Canadá, desde 2005, e de brindar a comunidade com os grandes nomes do humor português.

Fim de semana típico nos teus 20/30 anos
– Quando estava na casa dos 20, já vivia no Canadá. O meu fim de semana típico nos anos 90 era ir ao Tivoli jogar bilhar, ver os jogos de futebol, e tomar uma bebida. Jogava futebol pelo Varzim aos domingos de manhã, e a maioria das amizades que fiz nesses tempos, foi no futebol. Em 1998, fui um dos fundadores da Associação Migrante de Barcelos e, a partir daí, passei a maior parte dos meus fins de semana nos eventos da organização ou a jogar futebol pelo Gil Vicente FC de Toronto.

Valor global dos Clubes/Organizações portugueses? Positivo/Negativo? Porquê?
As associações são o coração da comunidade em todos os aspetos. Sem elas, perderíamos muito da nossa identidade. Os nossos clubes oferecem aos mais velhos a oportunidade de reviverem parte do Portugal que deixaram e aos mais novos a oportunidade de aprenderem sobre os nossos costumes e de aperfeiçoarem a nossa língua. Sem os clubes, vamos acabar por nos dispersarmos cada vez mais e por perdermos este sentido de comunidade.

Quantos Clubes/Associações portugueses conheces ou achas que existem?
Diria que à volta de 50. Conhecemos a realidade de Toronto porque vivemos aqui, mas fora de Toronto, há muitas dificuldades. Estivemos recentemente muito perto de perder o Clube Português de Sarnia, por exemplo. Penso que é muito importante pensarmos além de Toronto, porque as outras comunidades portuguesas merecem ter as mesmas oportunidades de que nós usufruímos. O contributo dos portugueses vai acabar por desaparecer na história dessas regiões. Elliot Lake, por exemplo, é uma comunidade mineira onde antes havia uma grande comunidade portuguesa, mas pouca gente se lembra disso. Eu próprio fiz essa pergunta a muita gente através do projeto lusocanada.com e não houve um único residente local que conhecia o nosso contributo para a evolução da cidade. É do nosso interesse e do interesse de futuras gerações que estas histórias não caiam no esquecimento.

Interessam-te?
A minha ligação a Portugal é muito importante, e as associações mantêm-me mais perto do meu país natal. Fazer parte do grupo de fundadores da Associação Migrante de Barcelos começou com o futebol, mas depois aprendi muito. Era uma pessoa que não ligava ao folclore, por exemplo. Comecei a assistir aos ensaios e concluí que o folclore é mais do que uma dança. Envolve tradições e faz parte da nossa história. Sou um apaixonado pelos nossos clubes e admiro a dedicação que os portugueses têm ao voluntariado.

Que atividades/programas sabes que existem?
Penso que há cada vez menos atividades e que há um maior esforço para as organizar, mas aprecio imenso todo o esforço que as nossas associações fazem para realizar jantares, semanas culturais, e eventos sociais. Noto um grande interesse no folclore por parte dos mais jovens, e penso mesmo que o folclore será a atividade cultural mais relevante daqui a 50 anos. Ele valoriza a cultura e proporciona outras oportunidades, tanto no aspeto social como na área pedagógica, que se resume essencialmente ao conhecimento da História e da língua. As comemorações do Dia de Portugal é o evento anual mais relevante porque celebra a nossa cultura e promove o nosso património. Penso também que organizações como a Luso-Can Tuna podem ser ainda mais relevantes no futuro porque vamos testemunhar cada vez mais luso-canadianos a ingressar nos estudos universitários.

O que é que gostarias de ver?
Há muitas iniciativas que podemos levar a cabo para atrair os jovens, incluindo atividades online. Devemos fazer uma consulta séria e persistente juntos dos jovens para averiguarmos os seus interesses. É imperativo também proporcionar-lhes oportunidades de liderança nas nossas organizações comunitárias. Creio que também é importante traçarmos uma nova estratégia para o panorama associativo porque o cenário atual não é sustentável.

Que barreiras/obstáculos impedem os novos membros de participar na comunidade?
Estamos a competir com todas as outras plataformas, porque atualmente é muito fácil termos acesso a tudo. A verdade é que nós nem somos portugueses nem somos canadianos, e temos sempre aquele vazio de não pertencermos a lado nenhum. Temos uma identidade distinta porque estamos algures entre as duas identidades. Eu acho que temos de vender essa ideia da nossa identidade, de que é importante nos unirmos todos em torno desse conceito para encontrarmos uma forma de continuarmos a celebrar o que somos, um misto de Portugal e de Canadá. Penso que é muito importante haver menos clubes para termos uma força maior. Julgo que ainda não estamos preparados para uma Casa de Portugal, mas tem de haver uma união maior entre os clubes para trabalharmos com mais qualidade e com mais meios.

Sentes que é difícil a integração na comunidade? Porquê?
Eu acho que não é difícil alguém integrar-se na comunidade, mas que é mais difícil do que já foi, porque estamos mais dispersos e já não temos a homogeneidade de outrora. A comunidade é aberta, estamos todos preparados para nos ajudarmos uns aos outros, mas menos acessíveis atualmente. Os clubes também já não têm os mesmos recursos e as agências de apoio praticamente desapareceram.

É possível assistir a uma mudança na comunidade? Será que se vai extinguir? Transformar-se? Que perspetivas tens?
Somos cada vez menos comunidade, estamos mais integrados. A História ensina-nos muitas coisas. Por exemplo, a comunidade italiana é numerosa e está aqui há muito mais tempo do que a portuguesa. Pessoalmente, não conheço um único clube cultural italiano em Toronto nem um grupo de dança ou música tradicional.
O nosso futuro é este. Temos de reestruturar a nossa abordagem ao associativismo, estreitar as nossas ligações às instituições governamentais, e atrair a participação dos jovens. Sinto que o consulado e os clubes estão muito afastados. Porque é que não podes tratar de um documento simples numa associação comunitária? Porque é que não incentivamos os voluntários, incluindo jovens, a participar nas atividades dos consulados ou da embaixada? Esta colaboração é crucial para o nosso futuro.

Achas que há muitos chefes na cozinha?
Há indivíduos que tem feito um trabalho fantástico em prol da comunidade, e todos nós sabemos quem são. Essas pessoas têm a faculdade de incentivarem a participação de outros luso-canadianos ou de tentarem monopolizar o poder. Sinto que o progressivo desinteresse da comunidade no associativismo e no envolvimento político vai ajudar a que cada vez haja menos chefes na cozinha, e isso não é benéfico porque os níveis de participação advêm do sentido de importância de cada um dos intervenientes. Por outras palavras, aqueles que proclamamos ou que se autoproclamam de chefes devem partilhar do poder para que cada elemento da comunidade sinta que tem um papel relevante na preservação e promoção do nosso património.

O que poderia fazer com que os jovens se sentissem mais ligados à comunidade e a Portugal?
Penso que temos de estar abertos à possibilidade de mudança. Mudar é importante porque o caminho que estamos a seguir irá, inevitavelmente, levarmos ao abismo. Isso já foi provado em outras comunidades.
Depois devemos ajudar a que os jovens tenham uma voz, perguntar-lhes como pretendem colaborar com a comunidade e proporcionar-lhes condições para desempenharam vários papéis de relevo, incluindo de liderança. Em cada associação há jovens.
Os pais têm filhos, têm netos, têm amigos, e temos de fazer um esforço para perceber o que eles querem, mesmo que sejam 100 para começar, porque aqueles 100 têm 100 amigos e os amigos têm mais 100 amigos. Não temos de conquistar o mundo de uma vez só, num só ano, mas podemos começar devagarinho e tentar criar um movimento que nos carregue para o futuro e que nos sustente como comunidade. A participação dos jovens, a reformulação do nosso panorama associativo, e o apoio institucional são fundamentais para a nossa sustentabilidade como comunidade e para a nossa ligação a Portugal.

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